O que é pecado?
Falar sobre pecado não é uma tarefa fácil. A fim de entender melhor o que é pecado e como explicá-lo a outros, este artigo traz uma breve análise do relato bíblico e uma possível definição.
Um dos assuntos mais complicados e desagradáveis de se falar certamente é “pecado”. O grau de dificuldade só aumenta quando se tenta explicá-lo, pregá-lo ou ensiná-lo. Além disso, ou por causa disso, é um tópico evitado na maioria dos púlpitos e conversas entre cristãos. De modo geral, no primeiro cenário ele somente é abordado quando o pastor deseja corrigir alguma situação ocorrida na igreja; no segundo, quando o pecado é de um terceiro (ou de um incrédulo).
Até mesmo explicar o que é pecado pode ser difícil. Se alguém me fizesse essa pergunta algum tempo atrás, minha resposta seria formulada naquele instante, sem que eu houvesse pensado anteriormente sobre o assunto para buscar formular uma definição mais cuidadosa de um tema tão importante. Quando se está há algum tempo na caminhada cristã, muitos conceitos fundamentais correm o risco de terem seus significados esquecidos ou alterados.
Thorsten Dietz, professor de teologia sistemática na Evangelische Hochschule Tabor, em Marburgo, Alemanha, não poupou palavras quando afirmou: “A palavra pecado não funciona mais. Ao invés de explicar algo, o próprio termo necessita de constante elucidação. Ele só provoca mal-entendidos. É assim que muitas pessoas no mundo ocidental se sentem – quando elas já não perderam qualquer interesse em questões religiosas”.[1]
Sem entrar no mérito da assertividade de tal afirmação, analisaremos brevemente o que as Escrituras dizem acerca do pecado. Por fim, uma forma curta – embora não simples – de defini-lo e explicá-lo a outros será apresentada.
O relato bíblico
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos utilizam mais de um termo para o pecado. Os termos básicos são o hebraico chata e o grego hamartia; ambos significam “errar o alvo”.[2] As outras palavras empregadas possuem sentidos semelhantes, como “erro”, “rebelião”, “quebra”, “transgressão” etc. Percebe-se que, apenas com o significado literal dos termos, não é possível entender o que é pecado, pois eles não informam qual foi o erro cometido, qual rebelião ocorreu, o que foi quebrado ou qual transgressão foi realizada.
Contudo, a Bíblia fala mais sobre isso.
No que se refere às formas pelas quais o pecado pode ocorrer, a lista é abrangente: é possível pecar tanto consciente (Nm 15.30-31; Hb 10.26) quanto inconscientemente (Sl 19.12; 1Tm 1.13); tanto em ações (Êx 20.3-17; Gl 5.19-21) quanto em pensamento (Pv 6.25; Mt 5.28) e até mesmo por omissão (Ez 33.1-6; Tg 4.17).
O pecado não é apenas um ato, mas também a própria condição humana. Em seu tratado teológico aos romanos, o apóstolo Paulo explicou: “Porque, como, pela desobediência de um só homem [Adão], muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só [Jesus], muitos se tornarão justos” (Rm 5.19; veja tb. v. 18).
Comentando o estado anterior à conversão dos efésios, ele escreveu: “Entre eles também nós todos andamos no passado, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3; cf. Sl 51.5).
O relato bíblico é claro quando descreve a universalidade do pecado na humanidade, “pois não há ninguém que não peque” (1Rs 8.46; cf. Rm 3.23; 5.12).
A carta de 1João lida bastante com o pecado e nos provê diversos detalhes importantes. Nela, o apóstolo até mesmo fornece uma definição para o pecado: “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3.4). É interessante que a palavra grega escolhida por João para “transgressão da lei” aparece bastante em passagens de contexto escatológico (Mt 7.23; 13.41; 24.12; 2Ts 2.3,7), o que nos mostra a seriedade do pecado.
Lewis Sperry Chafer: “A adequada compreensão da doutrina do pecado é essencial para compreender a solução de Deus para ele”.
O teólogo Lewis Sperry Chafer resumiu a doutrina bíblica do pecado da seguinte forma: “A Escritura ensina que pecado é qualquer falta de conformidade com o caráter de Deus, seja em ação, disposição ou estado. [...] O pecado é pecado por ser diferente do que Deus é, ou seja, eternamente santo”.[3]
Uma vez que se trata de algo tão grave, sua compreensão nos ajuda a entender um pouco mais o sacrifício de Cristo na cruz e tudo o que isso representou. Chafer terminou sua análise acerca do pecado escrevendo: “A adequada compreensão da doutrina do pecado é essencial para compreender a solução de Deus para ele”.[4]
Uma (possível) definição
A partir de tudo o que foi visto, como podemos definir “pecado”? Existem muitas maneiras corretas de fazê-lo. Uma boa definição, que pode ser resumida em poucas ideias, é aquela com base na resposta de Jesus aos fariseus quando estes lhe perguntaram qual era o maior mandamento na Lei.
Jesus respondeu: “‘Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento.’ Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: ‘Ame o seu próximo como você ama a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.37-40).
A resposta em duas partes do Senhor traz luz à dificuldade encontrada em entender o que é pecado, pois muitos pregadores e teólogos acabam enfatizando apenas um dos lados. É comum encontrar a esfera conservadora enfatizando o pecado contra Deus. A teologia liberal e movimentos mais modernos do evangelicalismo, por outro lado, geralmente enfatizam o pecado contra si mesmo e contra os outros.
Acontece que a verdade inclui ambos. É claro que todo pecado praticado é praticado primeira e diretamente contra Deus. Foi por isso que Davi confessou ao Senhor, depois de ter sua transgressão exposta e ser confrontado pelo profeta Natã: “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau aos teus olhos...” (Sl 51.4; veja tb. Rm 8.7). Comentando essa passagem, Benedikt Peters escreveu: “Ele [o pecado] é dirigido contra Deus, contra aquele que só é bom. Deste mal flui todos os outros males”.[5]
“‘Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento.’ Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: ‘Ame o seu próximo como você ama a si mesmo’. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”
Ao mesmo tempo, nossos pecados claramente afetam aqueles ao nosso redor, especialmente os mais próximos de nós. A própria criação, sejam animais ou objetos, podem ser prejudicados pelo pecado, como o foram na queda de Adão (Rm 8.18-25).
Assim, tal definição leva em conta a seriedade da quebra do primeiro mandamento (aspecto vertical, homem-Deus) – amar o Senhor, nosso Deus, de todo o coração, de toda a alma e de todo o entendimento – sem deixar de lado a quebra do segundo mandamento (aspecto horizontal, homem-homem) – amar o nosso próximo como a nós mesmos. Portanto, pecado é a violação dos dois grandes mandamentos de Deus, que formam o seu “alvo” a todo ser humano, qual seja, a harmonia entre o homem e Deus, o homem e seus semelhantes e o homem e a Criação.
O ponto forte dessa definição é que ela é tanto bíblica quanto de fácil entendimento, até mesmo para um incrédulo. Isso se torna importante em contextos de evangelização, quando há a transmissão das verdades bíblicas àqueles que não as conhecem, mas também em contextos gerais de reflexão em nossa sociedade, na qual algo como “pecado” é cada vez mais rejeitado em todos os ambientes e explicado ou justificado de outras formas.
Falar sobre o pecado continua sendo importante, mas precisamos lembrar de sempre fazê-lo com amor e respeito. As palavras de Paulo em Efésios 4.15 devem vir à nossa mente: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo”. Foi precisamente Cristo que, enquanto esteve na terra, andou com diversos pecadores e pecadoras. Em nenhum momento ele relativizou ou ignorou os pecados deles, mas a forma como ele agia e falava transpirava amor por todos os poros (p. ex. Jo 8.1-11). Sigamos o seu exemplo!
Notas
- Thorsten Dietz, Sünde: Was Menschen heute von Gott trennt, 4. ed. (Holzgerlingen: SCM R.Brockhaus, 2021) p. 5.
- Charles C. Ryrie, Teologia Básica, trad. Jarbas Aragão (São Paulo: Mundo Cristão, 2012), p. 123-124.
- Lewis Sperry Chafer, Principais Temas da Bíblia, trad. José Fernando Cristófalo (Porto Alegre: Chamada, 2021), p. 228.
- Ibid., p. 231.
- Benedikt Peters, Die Psalmen 42–72 (Bielefeld: CLV, 2018), p. 126.