Adorando na dificuldade

Um equívoco comum entre aqueles que recém confiaram em Jesus Cristo para a salvação é a ideia de que Deus resolverá todos os problemas.

Embora seja verdade que o problema espiritual básico (ou seja, a separação de Deus) é resolvido pela graça por meio da fé em Jesus, essa solução frequentemente resulta em circunstâncias nunca antes experimentadas. Por exemplo, a confiança recém-formada em Cristo como Salvador pode trazer questões como: “Por que as pessoas boas sofrem e os ímpios prosperam? Por que Deus não responde minha oração? Por que buscar viver pela graça de Deus e para a sua glória resulta em hostilidade das outras pessoas?”. Tenha ânimo: a Bíblia se dirige aos crentes que passam por circunstâncias difíceis (1Pe 4.12-13).

A vida de fé não é sempre fácil. Se um crente afirma não ter obstáculos, ele ou ela muito provavelmente não está amadurecendo espiritualmente, não está falando a verdade ou está vivendo em uma bolha. Habacuque não era esse tipo de pessoa. Ao considerar a sua época, Habacuque encontrou-se lutando com questões básicas e dúvidas. Ele tinha dificuldade em reconciliar o que sabia a respeito de Deus com aquilo que ele observava em sua própria nação e até mesmo internacionalmente.

“Habacuque reagiu da forma correta: ele buscou a direção do Senhor.”

Habacuque sabia o que era viver durante um tempo de avivamento nacional e depois testemunhar o povo de Deus se desviando e caindo na letargia e no pecado. As reformas religiosas que o rei Josias instituiu estavam sendo esquecidas quando ele morreu em 609 a.C., e seu filho e sucessor, Jeoaquim, levou a nação a um período de declínio espiritual. Além disso, aconteceram atrocidades que pareciam indicar que Deus estava apático. Habacuque reagiu da forma correta: ele buscou a direção do Senhor. Como profeta, ele dialogou com Deus sobre sua perplexidade (caps. 1-2), o que culminou em seu louvor (cap. 3).

A preocupação do profeta (Hb 1)

O livro de Habacuque ensina como responder a crises de fé. Os problemas de Habacuque provavelmente não incomodariam alguém que não confia em Deus, pois essa pessoa considera que a história não tem um propósito e entende os eventos como sendo determinados pelo acaso. O crente, contudo, que confia em um Deus onipotente e totalmente bondoso, precisa lidar com esses problemas.

Habacuque tinha um fardo (1.1). Os capítulos 1 e 2 indicam as duas perguntas que Habacuque fez a Deus e as respostas que recebeu. A primeira pergunta é: “Até quando, Senhor, clamarei pedindo ajuda, e tu não me ouvirás?”. Nos versículos 2-4, o profeta exibiu uma atitude de impaciência diante da aparente indiferença divina. Habacuque orou a Deus durante um tempo de perigo e dificuldade, implorando ao Senhor por uma resposta à sua questão.

A fé de Habacuque lhe trouxe preocupação, especialmente quando se lembrava dos tempos anteriores de avivamento, sob o governo do rei Josias. Ele testemunhou “iniquidade”, “opressão”, “destruição”, “violência”, “litígios” e “discórdias” que o levaram a questionar por que Deus ficaria indiferente diante de tal pecado prevalente e desenfreado e dos problemas entre o povo de Judá. A impressão de Habacuque era de que Deus estava em silêncio, portanto não se preocupava com a vida de seu povo. A existência de governos decadentes e profanos em muitas partes do mundo hoje leva as pessoas a se perguntarem se Deus é realmente indiferente.

Deus respondeu a Habacuque dando-lhe uma revelação em vez de uma explicação, pois revelar a si mesmo e a sua obra ao seu servo era mais relevante para o Senhor (v. 5-11). De fato, o Senhor Deus está envolvido nas questões humanas, embora suas ações possam não ser imediatamente compreendidas. Deus anunciou que iria trazer “os caldeus, nação cruel e impetuosa”. Habacuque esperava que Deus fosse trazer um avivamento; contudo, o Senhor tinha alertado repetidamente seu povo de que haveria consequências caso eles o esquecessem, como haviam feito (cf. 2Cr 36.14-21). O Senhor Deus continua envolvido nas questões humanas, talvez agindo de forma invisível e por meios inesperados. Só porque não se pode entender o que Deus está fazendo na história não significa que ele não esteja ativo.

Habacuque não estava satisfeito com a primeira resposta de Deus, pois ela apenas criou um novo problema que era ainda mais confuso: como um Deus santo podia usar uma nação mais ímpia que Judá a fim de punir seu próprio povo? A confusão do profeta não significava que ele havia abandonado a fé em Deus, pois descrença é rebelião – o fracasso em aceitar o que Deus diz e como ele age. Habacuque demonstrou paciência enquanto considerava o caráter de Deus.

Ele reafirmou sua fé na santidade e onipotência de Deus (v. 12-13). Independentemente do que ocorresse, o profeta sabia que Deus é “tão puro... que não pod[e] suportar o mal”. Ele não conseguia explicar o problema criado pelo mal, mas também não o ignorou (v. 14-17). Por enquanto, Habacuque esperaria pacientemente que Deus respondesse e pensava que Deus o reprovaria (corrigiria).

A postura e a paciência do profeta (Hb 2)

Habacuque não entendia o que Deus estava fazendo, mas sabia que o Senhor está sempre certo; portanto, ele aguardou a repreensão. Ele se comparou com um vigia nos muros de Jerusalém, esperando pacientemente pela resposta de Deus que pudesse ser compartilhada com o povo. Deus revelou que ele iria, de fato, julgar os caldeus por seus pecados (2.1-4), que são descritos em cinco ais (v. 5-20).

Habacuque confiou pacientemente que o Senhor cumpriria suas palavras. O juízo poderia não ser imediato, mas certamente ocorreria: “... ela se apressa para o fim e não falhará” (v. 3b). Em contraste com o orgulhoso, “o justo viverá pela sua fé” (v. 4). A fé autêntica olha para além de si, para o Senhor Deus, ao passo que o orgulhoso está sempre concentrado em si mesmo.

A afirmação bíblica de que o justo viverá pela fé é citada em Romanos 1.17, Gálatas 3.11 e Hebreus 10.38; é um versículo que mudou o mundo. A pessoa justa não é alguém que satisfez todos os mandamentos de Deus através de boas obras. As Escrituras declaram que “por obras da lei ninguém será justificado” (Gl 2.16; cf. Rm 3.20). A justificação é um termo legal (forense) que diz respeito à absolvição; refere-se à ação de Deus por meio da qual ele faz os seres humanos – que são pecadores e dignos de condenação – aceitáveis (justos) diante daquele que é perfeitamente santo. Não apenas a salvação é pela graça por meio da fé (Ef 2.8-9), mas também os justos (justificados) vivem pela fé, o que é chamado de santificação.

Deuses falsos não precisam ser feitos de madeira, pedra, ouro ou prata (v. 19), mas, se o forem, são igualmente inúteis no que diz respeito à salvação. Em contraste com os ídolos sem vida, o profeta Habacuque adorava o Deus vivo, que governa o universo a partir do seu “santo templo” (v. 20). Embora ele não entendesse todo o agir de Deus, o Senhor lembrou seu servo de seu poder e sabedoria e de seu triunfo final sobre a maldade. Deus é santo e justo e sempre agirá com justiça.

“O Senhor Deus nem sempre alterará as circunstâncias, mas ele pode alterar você e eu para vivermos pela fé em resposta às nossas experiências.”

Habacuque orou e profetizou durante um tempo de crise. Ele ensina como confrontar dúvidas e questionamentos com honestidade. A pessoa pode fazer isso ao buscar humildemente a direção do Senhor; esperar por um direcionamento da Palavra de Deus, a Bíblia, e então adorar a Deus, independentemente de qualquer percepção limitada. O Senhor Deus nem sempre alterará as circunstâncias, mas ele pode alterar você e eu para vivermos pela fé em resposta às nossas experiências.

A oração do profeta (Hb 3)

O capítulo 3 registra a resposta jubilante de Habacuque. Entender o que o Senhor iria fazer abalou o profeta (v. 1-2). Anteriormente, ele estava ansioso porque Deus estava fazendo muito pouco, agora ele fica preocupado porque o Senhor faria demais. Ele orou por avivamento, sabendo que isso é uma obra soberana do Senhor e não uma conquista humana. Conhecendo como Deus operara anteriormente para avivar seu povo e como este tinha respondido, Habacuque queria testemunhar isso novamente. Tudo o que era necessário para o avivamento ocorrer era suplicar ao Senhor, implorando por sua obra avivadora.

Habacuque também clamou para que o juízo de Deus não fosse severo demais, mas, “na tua ira, lembra-te da misericórdia” (v. 2). Ele sabia que a ira prometida de Deus da invasão babilônica era certa e concordava que o povo de Judá merecia o castigo do Senhor. Portanto, ele orou para que isso operasse o bem. Conhecendo a natureza compassiva de Deus, Habacuque suplicou para que a expressão do amor divino fosse a misericórdia.

Uma descrição poética do relacionamento anterior de Deus com Israel é dada nos versículos 3-15. Esses versos revelam como ele é e, assim, provam que a verdadeira adoração sempre está focada no Senhor. Os pensamentos conclusivos de Habacuque (v. 16-19) indicam que ele tremia na expectativa do juízo vindouro de Deus, mas mesmo assim aguardava “em silêncio... o dia da angústia” (v. 16). Até mesmo enquanto considerava a calamidade iminente, o profeta “exult[ava] no Deus da [sua] salvação” (v. 18). Habacuque não responderia da forma como o fez se dependesse de suas emoções. Ao considerar a desintegração presente de sua nação, o seu “íntimo se comoveu” (v. 16). O medo de Habacuque só diminuía quando ele considerava a glória, a santidade e o poder de Deus. Viver pela fé significa focar-se na bondade, grandeza e glória do Senhor.

Uma das características da fé é a determinação de aguardar pacientemente que o Senhor aja. O profeta Isaías (28.16) referiu-se à pessoa que crê como aquela que “não foge” (isto é, não age com pressa; cf. Êx 14.13; Rt 3.18; Sl 37.7; 46.10). Habacuque podia ser paciente porque sabia que o Senhor Deus está envolvido nos assuntos dos seres humanos, embora suas ações possam não ser imediatamente compreendidas.

Habacuque retratou uma economia em declínio (“os campos não produzam mantimento” e “nos currais não [há] mais gado”, v. 17; cf. Dt 28.15-24). O que fornecia felicidade, satisfação e segurança se fora. Ainda assim, o Senhor Deus continuaria operando seus propósitos divinos para aqueles que o amam, “que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Habacuque estava, portanto, determinado a regozijar-se no Deus de sua salvação, o único que provê forças para viver (v. 18-19). Aquele que confia em Deus está sempre são e salvo e pode alegrar-se no Senhor, independentemente das circunstâncias.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Outubro 2022

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