A Carta aos Romanos - Capítulo VII

Paulo havia encerrado com grande júbilo suas exposições no último capítulo: “Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, o fruto que vocês colhem é para a santificação. E o fim, neste caso, é a vida eterna” (Rm 6.22).

Que fato maravilhoso! Livres do pecado, redimidos para servir a Deus. Podemos levar uma vida que honra a Deus, e, no final, Deus até nos concede a vida eterna. No entanto, a realidade da vida não seria muitas vezes bem diferente?

É exatamente disso que Paulo trata no capítulo 7 da carta aos Romanos. Ele se ocupa de um tema que a todo momento nos atinge diretamente. É o problema do velho Adão, da carne que jamais se converterá. É a luta da velha natureza, da debilidade da nossa natureza, que Paulo resume tão expressivamente: “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). É uma exclamação cheia de desespero, um grito por socorro, a confissão da própria miséria, do fracasso e da incapacidade.

Naquilo que Paulo expõe nos versículos subsequentes, ele se refere a cristãos. A você e a mim, e também a ele mesmo. São os altos e baixos da vida diária, os altos e baixos de tantos cristãos, determinados por dificuldades, aflições e problemas, os tropeços e as quedas. Seria então de admirar que o resultado seja: “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte”?

Temos aí a luta da velha natureza e da carne não redimida, que o reformador Martinho Lutero consta ter descrito certa vez assim: “O velho Adão em nós deve ser afogado, mas o danado sabe nadar!”.

O bumerangue da Lei (v. 1-6)

Paulo inicia sua exposição com uma comparação com o direito matrimonial: “Por exemplo, a mulher casada está ligada pela lei a seu marido, enquanto ele vive; mas, se o marido morrer, ela ficará livre da lei conjugal” (Rm 7.2).

Todo matrimônio acabará algum dia sendo dissolvido pela morte, chegando assim ao seu término. Com isso o(a) viúvo(a) fica liberado(a) para assumir um novo relacionamento.

“Nosso velho homem morreu com Jesus na cruz e foi sepultado com ele. Estamos libertos do pecado e de suas reivindicações.”

Nosso velho homem morreu com Jesus na cruz e foi sepultado com ele. Estamos libertos – sim, mortos – do pecado e de suas reivindicações. Para corresponder a esse fato, deveremos viver para outro alguém: “... para que pertençam a outro, a saber, àquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que frutifiquemos para Deus” (Rm 7.4b). Morremos para o pecado a fim de vivermos para Deus.

“Porque, quando vivíamos segundo a carne, as paixões pecaminosas despertadas pela lei operavam em nossos membros, a fim de frutificarem para a morte” (Rm 7.5). Antes da nossa conversão, nem podíamos agir de outra forma. Éramos prisioneiros do pecado, da paixão e da perversão. Querendo ou não, tínhamos de servir ao pecado. E quanto mais tentássemos livrar-nos dessas amarras, tanto pior ficava a situação.

Paulo menciona “as paixões pecaminosas despertadas pela lei... a fim de frutificarem para a morte” (Rm 7.5b). Quanto mais eu me esforçava, tanto mais percebia que não posso, não consigo. Tanto mais fiquei consciente da minha pecaminosidade. A Lei começou a me condenar cada vez mais. Embora eu de fato quisesse cumpri-la, ela no fim acabava somente me desafiando cada vez mais a pecar e revelou em mim minha condição totalmente perdida.

“Agora, porém, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo a que estávamos sujeitos....” (Rm 7.6). Paulo deseja lembrar-nos de que, como filhos de Deus, morremos para o pecado e com isso também para as exigências da Lei. E, assim como um casamento é dissolvido pela morte de um dos cônjuges, você está livre por ter morrido com Jesus a fim de viver com ele num novo relacionamento.

“... para que sirvamos de maneira nova, segundo o Espírito, e não da maneira antiga, segundo a letra” (Rm 7.6). É muito importante notar que, apesar de termos morrido para a Lei, não nos tornamos renegados. Antes, somos chamados por Jesus Cristo para servir pela natureza do Espírito, frutificando para Deus, conforme está escrito: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio...” (Gl 5.22).

A própria Lei atua em mim como um bumerangue – é aquilo “a que estávamos sujeitos” (Rm 7.6). Essa Lei, que, na verdade, é “sant[a], just[a] e bo[a]” (Rm 7.12), me leva à morte. Ela desperta em mim a ganância, escraviza-me aos meus instintos e me torna perseguido pelos meus desejos e vícios.

Para que serve a Lei? (v. 7-13)

Acaso a Lei induz ao pecado?

Essa pergunta é válida! Então, se a Lei me induz ao pecado, seria possível que a Lei fosse maligna? “Que diremos então? Que a lei é pecado? De modo nenhum!...” (Rm 7.7). O problema não é a Lei e também não é as exigências de Deus, mas nós mesmos. Nós somos pecadores e o problema jaz em nós.

Por isso, Paulo precisa complementar e explicar o sentido da Lei: “... Mas eu não teria conhecido o pecado, a não ser por meio da lei. Porque eu não teria conhecido a cobiça, se a lei não tivesse dito: ‘Não cobice’” (Rm 7.7).

A Lei é como a luz que revela a sujeira. Como um farol, ela ilumina a escuridão do nosso coração e com isso resulta no seguinte: “Mas o pecado, aproveitando a ocasião dada pelo mandamento, despertou em mim todo tipo de cobiça. Porque, sem lei, o pecado está morto” (Rm 7.8).

Isso não soa familiar? Uma proibição torna as coisas bem mais interessantes. Nenhum chocolate é mais doce do que aquele que é proibido! Uma placa na estrada nos desafia a testar ainda mais a velocidade. Assim é também com a Lei de Deus: ela desperta ainda mais o pecado e nos desafia a praticá-lo. E a Lei desperta em mim “todo tipo de cobiça”. Com isso, a Lei manifesta em mim justamente o quanto estou perdido e preso. Sim, Paulo enfatiza mais uma vez: “Houve um tempo em que, sem a lei, eu vivia. Mas, quando veio o mandamento, o pecado reviveu, e eu morri” (Rm 7.9).

A Lei torna manifesto o pecado. Por meio da sua luz, ela faz as sombras do pecado se destacarem ainda mais escuras.

Seria a Lei o problema?

“... eu morri. E verifiquei que o mandamento que me havia sido dado para vida, esse se tornou mandamento para morte” (Rm 7.9-10). A Lei que havia sido destinada à vida acaba se revelando para mim um instrumento de morte. Isso também comprova que, por mim mesmo, eu jamais conseguirei praticar a vontade de Deus. Embora eu queira, não consigo.

E assim o redemoinho se acelera cada vez mais: “Porque o pecado, aproveitando a ocasião dada pelo mandamento, me enganou e, por meio do mandamento, me matou” (Rm 7.11). Estando totalmente enredado no pecado, a Lei se torna a punhalada que sela o meu fim “e, por meio do mandamento, me matou”. Assim Paulo encerra sua argumentação e registra: “Assim, a lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom” (Rm 7.12).

“Então, aquilo que é bom se tornou morte para mim? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para mostrar-se como pecado, por meio de uma coisa boa causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, o pecado mostrasse toda a sua força de pecado” (Rm 7.13). Seria mesmo a Lei o problema? De quem é a culpa? De Adão? Ou de Eva? Seriam as circunstâncias, conforme a psicologia quer nos convencer hoje?

O ambiente social? As deprimentes circunstâncias da vida? As experiências negativas da primeira infância? Paulo sonda essa questão ao expô-la perguntando: “Então, aquilo que é bom se tornou morte para mim?” (Rm 7.13).

“De modo nenhum!” De forma clara e decidida, Paulo repudia tal pretensão porque Deus não tenta ninguém: “Ninguém, ao ser tentado, diga: ‘Sou tentado por Deus.’ Porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo não tenta ninguém” (Tg 1.13).

O problema da carne (v. 14-25)

O problema não é Deus nem os seus mandamentos. O problema somos nós, os homens: “Porque bem sabemos que a lei é espiritual. Eu, porém, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Rm 7.14). Ainda que o homem não queira reconhecê-lo, ele sabe que a Lei de Deus é boa e perfeita.

Toda pessoa percebe sua própria incapacidade de viver segundo os mandamentos de Deus. Mesmo a pessoa renascida não consegue isso por sua própria força: “Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto” (Rm 7.15).

Somente pessoas renascidas trazem em si o desejo de viver de acordo com os mandamentos de Deus, porque o Espírito Santo que habita nelas detesta o pecado e anseia por pureza e santidade.

“Os cristãos estão em meio a um grande conflito: a luta do velho homem com a nova natureza concedida por Deus.”

E, assim, os cristãos estão em meio a um grande conflito: a luta do velho homem com a nova natureza concedida por Deus! Paulo descreve esse conflito dizendo: “Ora, se faço o que não quero, concordo com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim, mas não o realizá-lo. Porque não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7.16-19).

Eles constatam consternados que, em seu íntimo, lutam dois poderes: o bem e o mal. Apesar do novo nascimento, o pecado continua presente. Eles confessam, e aquilo soa como o grito de socorro de alguém se afogando: “Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7.22).

Por meio do novo nascimento e da habitação do Espírito Santo, querem corresponder à vontade de Deus e viver na semelhança de Jesus. Na vida diária, porém, constatam: “Mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.23).

Assim, desanimam cada vez mais. Por não conseguirem, as dúvidas e perguntas acabam desgastando seu coração, surgindo até mesmo esta pergunta assustadora: será que realmente nasci de novo? Em meio a todas essas lutas, levanta-se por fim em seu coração este grito: “Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24).

Não pare, vá em frente!

“Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, sou escravo da lei do pecado” (Rm 7.25).

“Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, sou escravo da lei do pecado” (Rm 7.25).

Quando nos sentimos apertados contra a parede, tendemos a procurar uma desculpa. Sim, na verdade Jesus é vencedor, mas comigo não funciona! Sim, Jesus é vencedor, mas parece que tenho muito pouca fé. Sim, Jesus é vencedor, mas o meu pecado e o meu passado são excessivamente fortes e pesam demais. Já tentei de tudo, mas não há jeito!

Se a sua vida for assim, não pare por aí! Deus dispõe da solução. Busque-a! Se isso for o que se passa na sua vida, então comece a procurar a resposta no capítulo 8 da carta aos Romanos!

Leia esse capítulo repetidamente em oração até que Deus mesmo lhe dê uma resposta às suas dúvidas. Enquanto isso, o seguinte versículo bíblico pode lhe servir de ajuda e estímulo: “Da mesma maneira, também o Espírito nos ajuda na nossa fraqueza...” (Rm 8.26).

Em outras palavras: aprenda a desviar o olhar de si mesmo! Olhe para Jesus. Conte com ele em todas as situações e circunstâncias da vida.

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Outubro 2022

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