Quando Israel abandonou suas colônias no deserto do Sinai

Há quarenta anos, Israel encerrou sua evacuação do Sinai: não só militares mas também civis tiveram de abandonar a península. Dois dos colonos se lembram do trabalho sionista pioneiro, da vida entre areia e palmeiras e dos seus pensamentos sobre sua própria evacuação.

Quando Zvi Weizmann chegou em 1972 ao Sinai, o que mais havia ali era areia, areia e mais areia. A primeira vez que Israel se apossou da península com sua profundidade estratégica e localização decisiva em torno do golfo de Acaba e até o canal de Suez foi em 1956, durante a Guerra de Suez, mas diante da maciça pressão internacional teve de abrir mão dele. A segunda e abrangente conquista se deu em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias.

Dessa vez, o Estado judeu não aceitou ser simplesmente expulso. Em vez disso, o governo controlado pelo bloco partidário socialista decidiu estabelecer também civis ali. Weizmann, ele mesmo combatente da Guerra dos Seis Dias e da Guerra do Yom Kippur, foi um dos primeiros a serem atraídos para aquele deserto – junto com alguns amigos do exército. Antes disso, ele já cooperara na instalação de uma nova localidade em Golã, antes pertencente à Síria.

“O governo nos chamou”

“A razão de termos vindo foi que o governo nos chamou”, foi como Weizmann, agora com 75 anos de idade, relatou em um telefonema os motivos para ter ido ao Sinai. “Ali, ao sul da Faixa de Gaza, Israel quis criar uma espécie de tampão entre Gaza e o Egito”, explica. Para isso, alguns beduínos que viviam lá foram reassentados. Para Weizmann, que como muitos outros colonos do Sinai tinha um fundo secular, aquilo foi um projeto sionista: “Tratava-se de trabalho pioneiro, de criar uma terra”.

“Ali, ao sul da Faixa de Gaza, Israel quis criar uma espécie de tampão entre Gaza e o Egito.”

O novo lar daquele judeu originário da Argentina passou a ser Sadot, o primeiro moshave no Sinai, um conglomerado agrícola. Não era uma vida mansa: “Era tudo areia e não havia energia elétrica. Nem os meus sogros entendiam como conseguíamos viver ali quando nos foram visitar”, lembra-se Weizmann. “Mas quem é jovem não enxerga essas coisas. E tudo cresceu rapidamente e o deserto despareceu. Aprendemos depressa.”

De fato, rapidamente se desenvolveram grandes planos, inclusive em nível governamental. A partir de 1975, brotou da areia do deserto a cidade de Jamit, também na extremidade nordeste da península. Jamit seria a capital da região e acabou dando a esta também o seu nome – Chevel Jamit. O governo tinha grandes planos com ela. Pretendia-se que algumas centenas de milhares de pessoas chegassem a morar ali. Havia a visão de que, depois de Tel Aviv e Haifa, Jamit se tornasse a terceira maior cidade litorânea de Israel, inclusive com porto de águas profundas.

Na década de 1970, porém, a atmosfera ali era bem diferente, idílica, nada metropolitana. Apesar da colonização, do cultivo e do desbravamento, o Sinai continuava desértico com todas as consequências disso para a vida diária, sobre as quais também Sarah Fleisch tem o que contar: “Levávamos uma vida muito simples”, relata ela, que é natural da África do Sul, tendo imigrado para Israel em 1975 e chegado em 1979 à região de Jamit para se estabelecer em Talmei Josef, um moshave de trinta famílias.

Uma particular atmosfera de liberdade

Também a decisão dela teve motivações sionistas, além da vontade de criar algo para a sua família. O governo disponibilizou assistentes aos colonos, chamados madrichim, que acompanhavam a implementação do trabalho agrícola. Cultivavam em estufas tomates e flores para exportação. Verdade é que o dinheiro sempre era escasso. Sarah relata que, para frequentes viagens ao interior do país, visitas ao cinema ou similares, ele não era suficiente.

Esse, porém, não é o núcleo da sua narrativa, pelo contrário: ainda hoje se nota nela o prazer da vida no Sinai, tanto pela paisagem junto ao mar, com seu clima agradável, mas principalmente por causa da “liberdade” – um termo com o qual ela melhor consegue descrever o que sentia ali. “Se olharmos objetivamente para essa região, teremos de constatar que havia areia e mais areia, tudo amarelo e mais nada. Mas a atmosfera e as pessoas...” – ela começa a sonhar.

Havia muitas famílias jovens vivendo naquela região. A própria Sarah tinha 25 anos, os vizinhos eram também os amigos, todos se conheciam. As crianças podiam brincar livremente umas com as outras, sem sapatos, só de calção e camiseta. “Nunca precisávamos temer por elas. Também isso era parte da liberdade que tornava aquele local tão mágico.”

Terra por paz

As colônias ainda não existiam há muito tempo quando Israel e o Egito empreenderam negociações sobre suas futuras relações depois das guerras de 1948 (Guerra da Independência), 1956 (Guerra do Suez), 1967-1970 (Guerra dos Seis Dias seguida de uma guerra de desgaste) e 1973 (Guerra do Yom Kippur). Já em 1975 ambas as partes haviam entrado em um segundo acordo de desmembramento de tropas que formulava esperança de uma paz definitiva. Em 1977, o presidente egípcio Anwar al-Sadat viajou para Jerusalém e discursou diante do Knesset.

Sadot, o primeiro moshav israelense no Sinai, em 1972. Foto: Moshe Milner/GPOSadot, o primeiro moshav israelense no Sinai, em 1972. Foto: Moshe Milner/GPO

A isso seguiram-se duras negociações mediadas pelo governo americano, durante as quais o presidente americano Jimmy Carter de modo nenhum protegeu os israelenses. Sadat já havia enfatizado por seu lado no seu discurso no Knesset: “Exigimos a completa evacuação dos territórios árabes”. Quanto ao Sinai, seus negociadores também firmaram essa posição. Nenhuma das considerações contrárias teve sucesso, nem mesmo a proposta de permitir que os colonos continuassem a residir ali sob soberania egípcia.

Sadot, o primeiro moshav israelense no Sinai, em 1972. Foto: Moshe Milner/GPOSadot, o primeiro moshav israelense no Sinai, em 1972. Foto: Moshe Milner/GPO

Assim, Israel realmente se comprometeu no tratado de paz com o Egito em março de 1979 a abandonar todo o Sinai num prazo de três anos e a entregar a região com seu espaço vital, suas bases militares e suas jazidas de petróleo em troca da paz. Shtachim tmurat Shalom – terra por paz – foi a famosa fórmula aplicada ali. Pela primeira vez, o Estado judeu retirou-se voluntariamente de uma região conquistada, pela primeira vez evacuou voluntariamente sua própria população civil.

“Para mim foi um bom motivo para ir embora”

Para Israel, essa parte do acordo deve ter sido a mais difícil. Os colonos reagiram de forma muito variada à perspectiva da evacuação. Alguns saíram de boa vontade. Entre estes estava Sarah Fleisch, que abandonou o Sinai já em 1981. Ela acompanhara o processo de pacificação com grande empolgação, já quando Sadat foi a Jerusalém e ela mesma ainda nem morava no Sinai. “Meus filhos tinham só alguns meses de idade, mas coloquei-os diante do televisor porque ali se encenava história.”

Sarah viu aquilo como oportunidade de avançar por novos caminhos. “Para mim foi um bom motivo para sair”. No sul de Israel já havia novos campos esperando por cultivo: “Fui porque tive de recomeçar minha vida. Era para o bem do país, e também isso era para mim um ponto de vista sionista.”

Outros moradores, porém, decidiram lutar. Alguns exerceram pressão sobre o governo para negociar para si uma indenização justa. Por fim, disponibilizou-se um total de cinco bilhões de siclos em indenizações. Mais ao norte, em Tel Aviv ou Jerusalém, alguns israelenses não concordaram com isso e acusaram os colonos de terem chantageado valores exagerados.

“Begin e companhia não entenderam nossas raízes”

Finalmente, um terceiro grupo lutou contra a própria evacuação, que consideravam ser um “suicídio nacional”. Entre esses estava Zvi Weizmann, que na verdade não tinha experiência política. Ele se tornou personagem líder do “Movimento pela Suspensão da Evacuação no Sinai”, o mais importante dos movimentos de protesto contra a evacuação. “Para pessoas que amam Israel não é fácil empreender algo contra o governo”, ponderou Weizmann em uma entrevista. “Não sou amigo de protestos, mas precisávamos fazer aquilo.”

O que importava àquele colono do Sinai que na entrevista manifestou seu amor pela terra de Israel não era sua casa e muito menos indenizações. Seu desconforto era muito mais profundo: para ele, a luta contra a evacuação era uma questão de valores sionistas e judeus. Muito conscientemente, a organização denominou-se de “Movimento pela Suspensão da Evacuação no Sinai” e não “do Sinai”. “Era um movimento fundamentalmente contrário à ideia de evacuar uma terra que é parte de Israel”, explicou ele. Seu temor era que a evacuação do Sinai pudesse fornecer um perigoso precedente, que por fim poderia resultar em mais evacuações, talvez da Judeia e da Samaria (Cisjordânia).

Forças de segurança israelenses demolindo as casas em Jamit. Foto: Beni Tel Ou/GPO.Forças de segurança israelenses demolindo as casas em Jamit. Foto: Beni Tel Ou/GPO.

Weizmann também enfrentou os políticos responsáveis, falou com o premiê Menachem Begin, em quem não confiava, com o ministro do exterior Moshe Dayan e o ministro da defesa Ariel Sharon. “Creio que um dos problemas de Israel – que se refere tanto a Begin como a Dayan e também a Sharon – é que não entendiam nossas raízes, nossas raízes judias. Nossa terra não é nova, ela não tem só setenta anos. É a terra de Avraham Avinu [Abraão, nosso pai]” diz Weizmann. Após a evacuação, o nome Begin tornou-se “uma espécie de tabu” na família, comenta seu filho Jonathan.

Quanto mais a evacuação se aproximava, tanto mais os protestos se exacerbavam. Enquanto muitos colonos abandonavam a terra sem opor maior resistência, muitos adeptos do movimento religioso sionista Gush Emunim [Bloco dos crentes] penetravam de fora no Sinai para dificultar a evacuação por meio da sua presença. Eles também ocuparam a casa abandonada de Sarah Fleisch, como ela constatou ao voltar para ainda retirar algumas coisas. “Aquilo me incomodou muito”, conta ela. “Eu os via como radicais. Tivemos algumas graves discussões com eles. Eles tentavam convencer-nos a ficar”.

Combates nos telhados de Jamit

Por fim, as divergências culminaram em Jamit. Ali, em abril de 1982, principalmente jovens travaram combates nos telhados com forças de segurança israelenses, que tentavam escalar as casas usando escadas. Os soldados acabaram aplicando espuma e jaulas, com as quais retiraram os rebeldes do telhado.[1] Em um abrigo fortificado, seguidores do rabino radical Meir Kahane chegaram a ameaçar até cometer suicídio coletivo.

Para o público israelense, aquilo foram imagens dramáticas e traumáticas. Finalmente, porém, o governo conseguiu cumprir sua parte no acordo sem derramamento de sangue intra-israelense. Mesmo o assassinato de Sadat por extremistas egípcios não conseguiu mais impedir a evacuação, como alguns colonos esperavam. Com exceção da localidade de Taba, junto ao Mar Vermelho, em torno da qual ainda persistiram conflitos com o Egito sobre reivindicações de propriedade, em 25 de abril de 1982 o Sinai estava completamente evacuado. Mais de uma dúzia de colônias judias deixaram de existir localmente e vários milhares de israelenses foram evacuados.

Combates entre forças israelenses e jovens religiosos nos telhados de Jamit. Foto: Beni Tel Ou/GPO.Combates entre forças israelenses e jovens religiosos nos telhados de Jamit. Foto: Beni Tel Ou/GPO.

Zvi Weizmann foi um dos últimos a deixarem a região e, segundo ele declara, sua casa foi a última a ser destruída. O exército arrasou todas as casas para impedir que houvesse retorno de colonos, mas também para não proporcionar aos egípcios moradias diretamente junto à fronteira. “Cresci com essas imagens: ruínas por todo lado e escavadeiras, e depois a nossa casa, a única ainda em pé”, conta Jonathan, filho de Weizmann.

Para numerosos colonos do Sinai, a perda do seu lar foi uma experiência traumática. Eles não conseguiram lançar novas raízes em Israel e tiveram de lutar com depressão e a perda da alegria de viver. Houve casamentos arruinados. Também Zvi Weizmann fala de um trauma que ele só descobriu realmente anos depois, quando foi novamente confrontado em Nitzan, onde vivem pessoas evacuadas da Faixa de Gaza em 2005, com um filme mostrando imagens de casas destruídas.

“Para numerosos colonos do Sinai, a perda do seu lar foi uma experiência traumática. Eles não conseguiram lançar novas raízes em Israel e tiveram de lutar com depressão e a perda da alegria de viver.”

Sarah Fleisch digeriu melhor os acontecimentos, mas também ela sofreu perdas. Embora ela e seus vizinhos tenham sido realocados juntos, e isso só poucos quilômetros além, no outro lado da fronteira, desde então sua vida mudou. “É uma sensação de perda de liberdade, e isso foi duro”, descreve ela. “Eu também não era mais tão jovem e idealista”. Ela compreende bem que, para vizinhos que viviam há mais tempo no Sinai, a retirada foi mais difícil.

A própria Sarah continua até hoje aprovando a evacuação. “Temos agora quarenta anos de paz, o que é mais importante do que todo o resto. Valeu cada grão de areia que largamos lá.” Já Weizmann, que ao longo dos anos se transformou de judeu secular em religioso, sustenta sua crítica: “De uma perspectiva histórica, quarenta anos são um período muito, muito curto. Isso não me impressiona. Creio mesmo que aquilo foi um erro, um grande erro”.

Publicado com autorização
de israelnetz.com.

Nota

  1. https://www.youtube.com/watch?v=cEJn9XsjFrw

Sandro Serafin é estudante de história e escreve para vários meios de comunicação. Seu foco é Israel, mas também lida com a política interna alemã.

sumário Revista Chamada Agosto 2022

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