O Que Devemos Pensar Sobre o Direito de Israel à Terra?

Não é fácil saber como devemos pensar sobre a terra de Israel. Por um lado, a Bíblia registra que Deus a deu ao povo judeu nos tempos antigos. Por outro lado, a terra foi ocupada e reivindicada por outros povos e nações no passado e no presente. A propriedade legítima da terra continua sendo o maior ponto de discórdia nas negociações políticas envolvendo as três religiões do mundo que fizeram sua reivindicação lá. Em particular, o debate cristão sobre o assunto afetou atitudes e ações políticas em relação ao povo judeu e ao Estado de Israel.

Alguns cristãos, embora admitam que Deus prometeu a terra de Israel a Abraão e seus descendentes em Gênesis 12.1-3 e 15.1-6, afirmaram que a primeira vinda do Messias mudou isso. Em vez de sustentar que Deus ainda planeja cumprir fielmente a promessa original a Abraão, eles afirmam que quando Jesus deu a “grande comissão” (cf. Mt 28.19) e enviou seus discípulos a todo o mundo, e não apenas a Israel, ele ampliou a promessa de terra original para incluir todos os povos da terra. Seu apoio a essa visão se baseia em uma afirmação das bem-aventuranças de Jesus: “Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (Mt 5.5).

“Certamente isso significava”, argumentam alguns, descuidadamente, “que Deus havia rescindido sua antiga promessa da terra de Canaã a Israel e, em vez disso, a estava dando aos ‘humildes’, que ‘receberão a terra por herança’.”[1] Proponentes dessa visão argumentam que o Novo Testamento deve ser interpretado em um sentido espiritual e dizem que Deus não está mais preocupado com um grupo étnico distinto (o povo judeu) ou com uma parcela marginal de terra chamada Canaã. Em vez disso, Deus agora está trabalhando em uma escala cósmica. Dizem que Jesus veio para iniciar uma nova religião (cristianismo) que consiste em um novo grupo de pessoas. É dito que o presente anterior de Deus da terra para o povo judeu foi revogado por causa da incredulidade judaica, e que Jesus recomeçou com todas as pessoas do mundo, transferindo a promessa aos “humildes” entre aqueles que “herdariam a terra”.

Essa visão, no entanto, não está de acordo com o ensino das Escrituras, que afirma claramente que Deus prometeu pela sua própria vida (ver Gn 15.10,17-21) dar a terra de Canaã a Abraão e seus descendentes étnicos para sempre (Gn 13.15; cf. Is 60.21; Jr 7.7; 25.5; 33.26) – uma verdade reafirmada no Novo Testamento (Rm 9.4-5).

A hipótese insustentável de uma aliança abraâmica condicional

No ritual da aliança descrito em Gênesis 15, Abraão estava passivo enquanto Deus estava ativo, assumindo sobre si a obrigação de cumprir a aliança ou sofrer as consequências. Mas nem todos os intérpretes estão satisfeitos com essa descrição do que aconteceu. Alguns argumentaram que a aliança estava condicionada à obediência de Abraão porque o ritual exigia que ele abatesse e arranjasse os animais sacrificados. Por ser um participante ativo, isso não condicionou a aliança? Não – Abraão foi ativo na preparação do ritual, não no ritual em si. A provisão da aliança era claramente separada da participação e dos participantes na aliança.

No entanto, argumenta-se ainda que qualquer participação em uma aliança que inclua condições exige que a aliança seja condicional. Por exemplo, o mandamento em Gênesis 12.1 – “Então o Senhor disse a Abrão: ‘Saia da sua terra... para a terra que eu lhe mostrarei’” (NVI) – é visto por alguns intérpretes como uma obrigação clara imposta a Abrão. No entanto, o texto não diz: “Se Abrão deixar Ur e ir ao lugar que Deus lhe mostrará, então ele receberá as bênçãos divinas que se seguem”. Em vez disso, o texto diz para Abrão “saia” e “eu...”. A “saída” de Abrão é a primeira de uma sequência de eventos que ocorrerão conforme Deus efetua sua aliança incondicional anunciada anteriormente. Portanto, a obediência de Abrão ao mandamento de Deus não era uma condição, pois ele não saiu imediatamente da casa de seu pai, mas teve que esperar até seu pai morrer em Harã. Ele também não entrou imediatamente na terra, mas precisou esperar até estar separado de Ló. Isso indica que sua “saída” fazia parte do plano divino, não a condição para seu cumprimento.

Declarações de condicionalidade dentro de uma aliança referem-se apenas à invalidação individual e pessoal dos benefícios da aliança e não afetam a certeza de que Deus cumprirá seu juramento. É por isso que Hebreus 8.8, com referência à primeira aliança, afirma especificamente que Deus encontrou falhas com “o povo”, mas não com a própria aliança. O mesmo aviso aparece em Jeremias 31.32 – “pois eles quebraram a minha aliança”. Claramente, a existência de condições dentro de uma aliança não significa que ela seja condicional, mas que a dispersão das bênçãos (por obediência) ou disciplina (por desobediência) é governada pela resposta humana no relacionamento. Não é permitido ao fracasso humano anular ou dificultar o cumprimento final da aliança, que é baseado em Deus.

O foco das promessas de Deus

Deus não pode mentir, nem mentiu quando fez promessas sobre a semente, a terra e as bênçãos a todas as famílias da terra (Gn 12.2-3). A igreja gentia sempre foi convidada a participar pela fé da rica raiz da oliveira (Rm 11.17-24), a aliança abraâmica (cf. Gl 3.14). Deus não fez essa aliança diretamente com a igreja – e as alianças bíblicas, incluindo a aliança da terra, devem ser cumpridas pelo Israel étnico nacional. Deus prometeu a terra para eles.

A menos que os crentes gentios dentro da igreja estejam ancorados na oliveira de Israel, eles não estão amarrados à promessa, pois a raiz é somente Israel. Como Paulo disse: “... lembre que não é você que sustenta a raiz, mas é a raiz que sustenta você” (Rm 11.18). Por essa razão, Israel hoje continua a ter o direito à terra prometida, e devemos agradecer a Deus por suas promessas feitas por meio de Israel para todos.

Nota

  1. Para exemplos, veja Gary M. Burge, Jesus and the Land: The New Testament Challenge to “Holy Land” Theology (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2010), p. 33-35, 59.
O que devemos pensar sobre Israel

Walter C. Kaiser Jr. é ex-presidente e professor de Antigo Testamento no Gordon-Conwell Theological Seminary, em South Hamilton (EUA).

sumário Revista Chamada Julho 2022

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