A Carta aos Romanos: Capítulo 4

“Anulamos, então, a lei por meio da fé? De modo nenhum! Pelo contrário, confirmamos a lei” (Rm 3.31). Entre os leitores judeus e fiéis à lei essas palavras devem ter provocado agitação, pois se Paulo prega baseado unicamente na fé, será que então os 613 mandamentos, proibições e prescrições do Antigo Testamento estariam obsoletos?

Paulo, com essa sua nova doutrina você desmonta o judaísmo!

Paulo previu essa argumentação, por isso ele se reporta ao maior dos judeus: Abraão, o pai de todos os judeus! Quando então os judeus piedosos argumentam: “Somos justificados diante de Deus por nossas obras, nossos próprios esforços”, Paulo os confronta com o exemplo de Abraão. Se Deus tivesse realmente justificado Abraão em razão do próprio esforço dele ou da observância da lei, todos os defensores de uma teologia das obras teriam razão.

O exemplo de Abraão (v. 1-5)

Quando Deus chamou Abraão em Ur para segui-lo, num primeiro momento Abraão chegou somente até Harã. Só depois que seu pai morreu ele estava novamente disposto a prosseguir. Para benefício próprio, por duas vezes ele permitiu que algum soberano alheio requisitasse sua própria esposa (Gn 12.15; 20.2). E quando a promessa de Deus se fez esperar, Abraão engravidou a escrava da sua esposa Sarai.

Essas não foram propriamente obras capazes de justificar um Abraão.

“Pois o que diz a Escritura? Ela diz: ‘Abraão creu em Deus, e isso lhe foi atribuído para justiça’” (Rm 4.3; Gn 15.6). Para os judeus que achavam poder recorrer a Abraão, aquilo se revelou um bumerangue, porque Abraão não foi justificado por suas obras. Antes, foi sua fé nas promessas de Deus, sua fé apesar das suas debilidades!

Justificado pela fé

A carta aos Hebreus diz de forma maravilhosa:

“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber como herança; e partiu sem saber para onde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque Abraão aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e construtor” (Hb 11.8-10).

Essa aceitação “pela fé” é tremendamente difícil para nós, já que atinge o nosso orgulho, nosso ego, nós que tanto queremos merecer o céu e contribuir um pouco para a nossa salvação. No entanto, Paulo se opõe a essa intenção quando escreve: “Ora, para quem trabalha, o salário não é considerado como favor, mas como dívida” (Rm 4.4).

Todos os mosteiros, as romarias, as flagelações, o celibato, as renúncias e dores – todos esses esforços humanos muitas vezes têm intenção boa e sincera, provindo de um profundo desejo de satisfazer as exigências de Deus e de levar uma vida impecável, um estilo de vida exemplar e um comportamento honrado. Ainda assim, Deus nada nos deve. O devedor não é Deus, mas o homem.

O que Deus espera de nós

“Mas, para quem não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” (Rm 4.5).

 “Deus justifica exclusivamente por meio da fé todo aquele que crer nele. Deus justifica incondicionalmente todo o que crê e reivindica para si aquilo que Deus põe à sua disposição.”

Deus justifica o pecador, o promíscuo, ladrão e assassino – todos aqueles que não têm como apresentar obras diante de Deus. Deus justifica exclusivamente por meio da fé todo aquele que crer nele. Deus justifica incondicionalmente todo o que crê e reivindica para si aquilo que Deus põe à sua disposição.

Paulo havia citado Abraão em sua argumentação, e foi precisamente Abraão que Deus declarou justo quinhentos anos antes de ser promulgada a lei do Sinai. Abraão nem poderia ter sido justificado pelo cumprimento da lei, mas apenas pela fé.

O exemplo de Davi (v. 6-8)

Davi viveu quinhentos anos depois da promulgação da lei no Sinai. O que diz ele sobre a observância da lei? Paulo responde citando Salmos 32.1-2.

A fé abre a porta (v. 9-13)

Essa justiça vale para quem? Seria só para os judeus ou também para os gentios? Paulo responde a essa pergunta assim: “Porque dizemos: ‘A fé foi atribuída a Abraão para justiça’” (Rm 4.9b). Com isso ele diz que todo aquele que confia nas promessas de Deus e que, pela fé, as assume para si, será declarado justo por Deus.

A fim de eliminar qualquer dúvida, Paulo pergunta mais uma vez: “Como, pois, [a fé] lhe foi atribuída? Estando ele já circuncidado ou sendo ainda incircunciso?”. A resposta é imediata: “Não foi no regime da circuncisão, mas quando ele ainda não havia sido circuncidado. E Abraão recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda não havia sido circuncidado. E isto para que ele viesse a ser o pai de todos os que creem, embora não circuncidados, a fim de que a justiça fosse atribuída também a eles” (Rm 4.10-11).

Isso deixa claro que não foi o ato da circuncisão que tornou Abraão justo, mas sua fé.

O argumento de que Abraão teria sido declarado justo por meio da sua circuncisão é errado porque Abraão só foi circuncidado cerca de 25 anos depois, após Deus o ter reconhecido como justo com base em sua fé. Assim, Abraão nascera pagão, como pagão foi declarado justo por Deus e só depois foi circuncidado.

Isso demonstra que Abraão se tornou o pai de todos os crentes não por meio da circuncisão, mas pela fé, “para que ele viesse a ser o pai de todos os que creem, embora não circuncidados” (Rm 4.11).

Qualquer um pode se chegar a Deus. A única condição que Deus estabelece é a fé.

Paulo enfatiza: “Ele é também pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas também andam nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai, antes de ser circuncidado. A promessa de que seria herdeiro do mundo não veio a Abraão ou à sua descendência por meio da lei, e sim por meio da justiça da fé” (Rm 4.12-13).

O apóstolo insiste nas repetições para nos incutir clara e nitidamente que não é a lei, não é nosso próprio esforço, não são prescrições religiosas e nem perfeição moral o que importa, mas apenas a fé.

Lei contra fé (v. 14-25)

Chega quase a parecer que, nesse processo judicial da carta aos Romanos, Paulo teve de convencer os jurados da inocência do réu. Assim, ele diz: “Pois, se os da lei é que são os herdeiros, anula-se a fé e cancela-se a promessa” (Rm 4.14).

Com isso ele quer dizer que, se eu pudesse conquistar minha redenção por meio da observância da lei, Deus estaria em dívida comigo! Sim, se eu me tornasse herdeiro do céu pela observância da lei, eu mereceria o céu. Impossível!

Honestamente, qual é, afinal, o efeito da lei? “Porque a lei suscita a ira...” (Rm 4.15). A lei de Deus me posiciona sob a ira de Deus porque com isso se manifesta a santidade de Deus e, desse modo, também a minha plena pecaminosidade.

E as pessoas sem lei?

Paulo também considera esse aspecto e escreve: “... mas onde não há lei, também não há transgressão” (Rm 4.15b). Acaso não haveria pecado ou transgressão onde não existe uma lei divina revelada? Olhando melhor, temos de dizer: Adão caiu mesmo sem a lei de Moisés. A morte veio como salário do pecado, mesmo sem a lei do Sinai.

Com seu questionamento, Paulo quer nos mostrar com toda a clareza: com ou sem lei somos incapazes; com ou sem lei não temos como conquistar o céu. O que precisamos é graça. Precisamos da intervenção de Deus. Em nosso estado de perdidos, só ele pode nos tirar da nossa pecaminosidade por meio da sua iniciativa salvadora.

É só por meio da fé que entraremos no céu, e, para comprovar isso, Paulo encerra o assunto: “Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja garantida para toda a descendência, não somente à descendência que está no regime da lei, mas também à descendência que tem a fé que Abraão teve – porque Abraão é pai de todos nós, como está escrito: ‘Eu o constituí por pai de muitas nações’ – diante daquele em quem Abraão creu, o Deus que vivifica os mortos e chama à existência as coisas que não existem” (Rm 4.16-17; Gn 17.5).

Pai de muitos por meio da fé

Por meio da fé, Abraão respondeu ao chamado de Deus e se pôs a caminho. Sim, Abraão creu em Deus e o incluiu conscientemente em sua vida. Assim Abraão tornou-se não só o patriarca de Israel, mas também o pai espiritual de todos os que creem em Jesus Cristo!

Pela natureza era impossível Abraão e Sara terem descendentes para com isso se apossar da promessa, mas pela fé Abraão fez o que pôde: “Abraão, esperando contra a esperança, creu, para vir a ser pai de muitas nações, segundo lhe havia sido dito: ‘Assim será a sua descendência’” (Rm 4.18; Gn 15.5).

Abraão depositou toda a sua esperança naquele que não pode mentir. Assim, Abraão contou com o sobrenatural, com a intervenção de Deus mesmo em situações sem saída, crendo mesmo onde, do ponto de vista humano, não havia mais esperança.

Quantas vezes Abraão tropeçou nessa trajetória! Ainda assim, a Bíblia diz sobre ele: “E, sem enfraquecer na fé, levou em conta o seu próprio corpo já amortecido, tendo ele quase cem anos, e a esterilidade do ventre de Sara” (Rm 4.19).

Apesar de todas as derrotas e debilidades humanas, Abraão se manteve fiel à promessa de Deus e com isso se fortaleceu (Rm 4.20). No fim das contas, só importava uma coisa: a fé na promessa de Deus. A esta o céu se abre para levar a um fim glorioso: “Assim, também isso lhe foi atribuído para justiça. E as palavras ‘lhe foi atribuído’ foram escritas não somente por causa dele” (Rm 4.22-23).

Assim como foi para Abraão, também a nós a justiça divina será atribuída por meio da fé, “a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou para a nossa justificação” (Rm 4.24-25).

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Abril 2022

Confira