O poder do silêncio

A quietude é uma postura íntima do coração que torna possível permanecer fortalecido mesmo em meio a pesadas tempestades. O versículo-chave sobre isso é Isaías 30.15, que já Martinho Lutero escolheu como diretriz naqueles agitados tempos da Reforma.

Em Isaías 30.15 lemos: “Na conversão e no descanso está a salvação de vocês”. O descanso no Senhor é uma das fontes de força mais negligenciadas dentre as que o Senhor nos deu. Muitas vezes se diz que vivemos tempos de estresse. Mas o descanso no Senhor está disponível a qualquer momento para todo crente! A grande tranquilidade do nosso Senhor expressou-se plenamente quando foi sujeito a um indescritível sofrimento, sendo xingado, escarnecido, espancado, cuspido e provocado – e o nosso Senhor permaneceu perfeitamente calmo. Isaías já predissera isso: “Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca. Como cordeiro foi levado ao matadouro e, como ovelha muda diante dos seus tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53.7).

Foi justamente no silêncio de Jesus que se desenvolveu seu maravilhoso e vitorioso poder. Os urros dos mortíferos poderes satânicos em torno dele não puderam afetá-lo, pelo contrário! Lemos várias vezes nos evangelhos: “Jesus, porém, guardou silêncio” (Mt 26.63). Nesse caso citado, Jesus se calou quando duas falsas testemunhas distorceram as palavras que ele dissera: “Destruam este santuário, e em três dias eu o levantarei” (Jo 2.19). Jesus falava ali do templo do seu corpo, não do templo terreno em Jerusalém. Embora ninguém viesse defendê-lo, nem mesmo seus discípulos mais íntimos, ele se calou. Com que então ele não quis se defender contra tais insinuações e baixarias? Não – Jesus calou-se! Também diante de Pilatos, o governador romano, nosso Senhor se calou (Mt 27.13-14).

Se amarmos o Senhor de todo o coração e o servirmos, seremos conduzidos do mesmo modo como ele. Bem que seus acusadores teriam gostado que ele mesmo se defendesse e justificasse. Pedro descreve isso muito bem e ao mesmo tempo nos alerta: “Porque para isto mesmo vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando exemplo para que vocês sigam os seus passos. Ele não cometeu pecado, nem foi encontrado engano em sua boca. Pois ele, quando insultado, não revidava com insultos; quando maltratado, não fazia ameaças, mas se entregava àquele que julga retamente, carregando ele mesmo, em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Pelas feridas dele vocês foram sarados” (1Pe 2.21-24).

Essa descrição do silêncio de Jesus faz brilhar o nosso chamado: o de permanecermos quietos no poder de Jesus. Só poderemos experimentá-lo se repousarmos no nosso Senhor, que conquistou sua grande vitória justamente quando ninguém lhe deu apoio e mesmo os seus melhores amigos se haviam retraído.

Também Paulo passou por essa experiência. De Roma, ele escreve: “Na minha primeira defesa, ninguém foi a meu favor; todos me abandonaram...” (2Tm 4.16). Mesmo o médico Lucas e seus melhores amigos o tinham abandonado. Paulo prossegue: “Que isto não lhes seja posto na conta! Mas o Senhor esteve ao meu lado e me revestiu de forças” (v. 16-17).

Toda a área do descanso no Deus vivo está aberta para cada filho de Deus depois que, na cruz do Gólgota, o nosso Senhor Jesus removeu a causa da falta de quietude – o pecado. “Portanto, resta um repouso sabático para o povo de Deus” (Hb 4.9). Também o profeta Isaías oferece uma maravilhosa previsão disso: “O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça será repouso e segurança, para sempre” (Is 32.17).

Quem é justo e terá acesso a esse descanso? Romanos 3.10 dá a resposta: “Não há justo, nem um sequer”. Todos somos pecadores, mas na cruz do Gólgota Jesus satisfez plenamente a exigência de justiça de Deus, o justo. Ao remover o nosso pecado, ele abriu o caminho para a justiça – e com isso para o descanso nele na medida em que tivermos sido justificados pela fé em Jesus Cristo. Você mesmo não poderá produzir esse descanso em você – é preciso crer em Jesus Cristo, que morreu por você. Por meio do novo nascimento, temos a justiça válida perante Deus, bem como o descanso eterno, e “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1Jo 1.7).

Podemos experimentar dia após dia essa tranquilidade que emana do Cordeiro. Basta estarmos dispostos a seguir o Senhor e também a nos acalmar. Afinal, o que foi que o Senhor Jesus fez, suspenso ali na cruz do Gólgota, sofrendo dores atrozes? Acaso ele censurou aqueles sádicos que cercavam a cruz? Não, ele orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23.34).

Vivemos em tempos nos quais precisamos testar esse descanso no confronto com o inimigo, assim como Israel também teve de fazer: “O Senhor lutará por vocês; fiquem calmos” (Êx 14.14). Imaginemos a situação de Israel naquela ocasião: tendo saído do Egito, não só foi perseguido pelo inimigo, como também não tinha por onde fugir – o povo inteiro estava cercado. Agora haveria de se evidenciar se o Senhor estava com eles. E como o Todo-Poderoso estava com eles, Israel finalmente pôde aquietar-se. O Senhor havia lhes imposto na prática o que se requer em Salmos 46.10: “Aquietem-se e saibam que eu sou Deus”. Quantas vezes somos cercados por dificuldades e poderes tenebrosos, não sabendo mais como agir! O que fazer então? O Senhor diz: “Aquietem-se e saibam que eu sou Deus”.

Lucas 8 relata um evento em que Jesus estava com seus discípulos no meio do lago de Genesaré. Irrompeu uma tempestade e, em vez de se aquietarem e confiarem no Senhor, os discípulos ficaram inquietos e lhe disseram: “‘Mestre, Mestre, estamos perecendo!’ Levantando-se, Jesus repreendeu o vento e a fúria da água. Tudo cessou e ficou bem calmo” (v. 24). A quietude dos discípulos chegou com atraso, porque eles deveriam ter permanecido calmos mesmo no furor da tempestade. Por isso, Jesus lhes pergunta: “Vocês não têm fé?” (v. 25). Foi como se ele dissesse: “Não lhes basta que eu esteja aqui com vocês? Por que não se acalmam?”.

“Temos de empenhar-nos em crer que Jesus realizou tudo. Não lutamos mais em direção à vitória, mas a partir da vitória de Jesus, e este é o nosso combate.”

Todavia, de modo nenhum a tranquilidade em Jesus significa retirar-se ofendido para um cantinho. Justamente o silêncio no Senhor é um poder tremendamente ativo, não uma retração em si mesmo. De modo nenhum ele significa um silêncio opressivo diante do ambiente. Uma autêntica tranquilidade íntima proporciona a capacidade de conduzir vitoriosamente o bom combate da fé. Que combate será esse? Nosso maior combate é o de que não precisamos mais lutar por nossa conta – o que não deixa de ser uma luta tremenda: “E se empenhem por viver tranquilamente...” (1Ts 4.11). Não haveria uma contradição entre esse “empenho” e o “descanso”? Não. Temos de empenhar-nos em crer que Jesus realizou tudo. Não lutamos mais em direção à vitória, mas a partir da vitória de Jesus, e este é o nosso combate.

Nosso Senhor voltará logo! Mais do que nunca, agora é necessário desvencilhar-se do estresse, porque só podemos ter um encontro com o Senhor a partir do silêncio íntimo – caso contrário não ouviremos sua voz. No Antigo Testamento lemos: “O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Hc 2.20). E em Zacarias 2.13: “Calem-se todos diante do Senhor, porque ele se levantou da sua santa morada”. O Senhor está a caminho e deseja agora renovar as nossas forças: “... na tranquilidade e na confiança reside a força de vocês” (Is 30.15).

Wim Malgo (1922-1992) é o fundador da Chamada da Meia-Noite. Autor de mais de 40 livros, pregou e ensinou durante décadas.

sumário Revista Chamada Abril 2022

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