A Carta aos Romanos

Capítulo 2

A sentença de Deus sobre os gentios “conhecedores” (v. 1-16)

Entende-se como gentio instruído o intelectual com formação filosófica, mas sem um relacionamento autêntico com Deus. Também este é sentenciado por Deus, de modo que Paulo diz: “Por isso, você é indesculpável...” (Rm 2.1).

Seja quem você for, não há desculpa. Não importa o seu título: diante de Deus, todos teremos algum dia de nos justificar. Sim, Paulo confronta também essas pessoas com o espelho divino ao dizer: “... quando julga os outros, não [importa] quem você é. Pois, naquilo que julga o outro, você está condenando a si mesmo...” (Rm 2.1).

Acaso não temos o hábito de atribuir “padrões” aos outros? De esperar deles um determinado comportamento, de fazer isto e abster-se daquilo? Com isso mostramos que todos somos entes morais e que deve existir alguma instância moral definitiva. Esta, porém, não é ninguém outro senão Deus. Diante dessa instância somos responsáveis. “Por isso, você é indesculpável...” (Rm 2.1).

“Acaso não temos o hábito de atribuir ‘padrões’ aos outros? De esperar deles um determinado comportamento, de fazer isto e abster-se daquilo? Com isso mostramos que todos somos entes morais e que deve existir alguma instância moral definitiva.”

Mas a coisa ainda piora: “... porque [você] pratica as mesmas coisas que condena!” (Rm 2.1). Ao estabelecermos diretrizes, estas se transformam em acusação contra nós. É como Paulo escreve – condenamo-nos a nós mesmos, e com isso a acusação chega à seguinte conclusão lógica: “Bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade contra os que praticam tais coisas” (Rm 2.2). E assim a sentença de Deus sobre os gentios “conhecedores” também é: culpado, não há desculpa!

Desculpas inúteis

Paulo prossegue na sua argumentação e escreve: “E você, que condena os que praticam tais coisas, mas faz o mesmo que eles fazem, pensa que conseguirá se livrar do juízo de Deus?” (Rm 2.3).

Ninguém pode escapar de Deus. Não haverá mais desculpas, nem mentiras nem ocultações. De fato, o que Deus diz já deveria há tempo nos ter induzido ao arrependimento, tanto é que Paulo diz: “Ou será que você despreza a riqueza da bondade, da tolerância e da paciência de Deus, ignorando que a bondade de Deus é que leva você ao arrependimento?” (Rm 2.4).

Por sua bondade e paciência, Deus quer que retornemos e nos arrependamos! Mas o que fazemos nós? “Mas, por ser teimoso e ter um coração impenitente, você acumula contra si mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2.5).

Até parece que, quanto mais paciência Deus exerce, quanto mais graça ele nos concede e quanto mais misericórdia ele demonstra, tanto menos o reconhecemos. Assim, afirma-se que “todos nós vamos para o céu, somos todos filhos de Deus, afinal, tudo isso não pode ser assim tão grave!”.

“Tribulação e angústia virão sobre todo aquele que faz o mal, ao judeu primeiro e também ao grego; mas haverá glória, honra e paz a todo aquele que pratica o bem, ao judeu primeiro e também ao grego.” (Rm 2.9-10)

Paulo confronta-nos com essas desculpas quando escreve: “... que retribuirá a cada um segundo as suas obras: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignação para os egoístas que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre todo aquele que faz o mal, ao judeu primeiro e também ao grego; mas haverá glória, honra e paz a todo aquele que pratica o bem, ao judeu primeiro e também ao grego. Porque Deus não trata as pessoas com parcialidade” (Rm 2.6-11).

O que Deus dará a quem? A quem ele dá glória, a quem honra e incorruptibilidade? Aos que se justificam por obras? Aos que chegam ao céu por seu próprio esforço? Seria mesmo isso o que Paulo quer dizer? Não! Ele enfatiza que a autossalvação é impossível, que o esforço próprio corresponde a uma sentença de morte!

Sem consideração pessoal

Deus é e será um juiz justo. Ele não trata as pessoas com parcialidade. Ele pronunciará uma sentença justa: “Assim, todos os que pecaram sem lei também sem lei perecerão; e todos os que pecaram sob a lei serão julgados pela lei. Porque justos diante de Deus não são aqueles que somente ouvem a lei, mas os que praticam a lei é que serão justificados” (Rm 2.12-13).

Assim, as pessoas que não têm a lei de Deus serão condenadas sem essa lei (por não terem honrado a Deus apesar de saberem em seu coração que Deus existe!), e as pessoas que tinham a lei serão condenadas justamente por meio dessa lei.

Não há diferença: com ou sem lei a humanidade é culpada diante dele!

Impossível

Paulo quer deixar bem claro que é impossível justificar-se diante de Deus por mérito próprio. Por isso, ele expõe mais uma vez a opinião ilusória de que talvez ainda consigamos chegar lá e diz: “... os que praticam a lei é que serão justificados” (Rm 2.13).

Permita-me perguntar: quem, afinal, pratica a lei? Quem já foi salvo pela lei? Quem conseguiu merecer o céu por ter cumprido a lei? Ninguém. Homem nenhum. É impossível.

Paulo prossegue com seu raciocínio e enfatiza: “Quando, pois, os gentios, que não têm a lei, fazem, por natureza, o que a lei ordena, eles se tornam lei para si mesmos, embora não tenham a lei. Estes mostram a obra da lei gravada no seu coração, o que é confirmado pela consciência deles e pelos seus pensamentos conflitantes, que às vezes os acusam e às vezes os defendem” (Rm 2.14-15).

A lei (qualquer lei!) faz com que ela seja transgredida. Assim a lei, que na verdade se destinava ao bem, acaba tornando-se acusação e sentença de morte. Consequentemente, o dia do juízo de Deus revelará que ninguém, realmente ninguém, conseguiu cumprir a lei: “... no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos das pessoas, de acordo com o meu evangelho” (Rm 2.16).

Com isso se confirmará a sentença de que “não há justo, nem um sequer” (Rm 3.10).

A sentença de Deus sobre os judeus (v. 17-25)

Em seguida, Paulo dirige-se aos seus patrícios judeus e diz a respeito deles: “Mas, se você diz que é judeu, confia na lei e se gloria em Deus; se você conhece a vontade de Deus e aprova as coisas excelentes, sendo instruído na lei...” (Rm 2.17-18). Com isso, Paulo declara também Israel culpado.

Interessante! Afinal, os israelitas são o povo escolhido de Deus. A eles foi confiada a lei de Deus. É o povo dos profetas, a quem pertencem as promessas. Mas também a eles Paulo precisa dizer: “... se você está convencido de que é guia dos cegos, luz dos que se encontram em trevas, instrutor de insensatos, mestre de crianças, tendo na lei a forma da sabedoria e da verdade...” (Rm 2.19-20).

Então eles, os judeus, não possuíam a lei de Deus, sendo por isso privilegiados e destacando-se entre todos os povos? Mas também sobre eles Paulo precisa dizer: “Você, pois, que ensina os outros, não ensina a si mesmo? Você, que prega que não se deve roubar, rouba? Você, que diz que não se deve cometer adultério, adultera? Você, que detesta ídolos, rouba os templos? Você, que se gloria na lei, desonra a Deus pela transgressão da lei?” (Rm 2.21-23). 

Que tragédia e, ao mesmo tempo, que admoestação! Apesar do conhecimento de Deus, não há efeitos práticos na vida diária. Apesar de terem a palavra de Deus, não vivem de acordo com ela! E assim o nome de Deus é blasfemado: “Pois, como está escrito: ‘O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês’” (Rm 2.24).

Israel não havia sido destinado a ser um testemunho de Deus, luz e sal no mundo? Agora, porém, os filhos de Israel são objeto de zombaria. Eles deveriam destacar-se por um estilo de vida santo, mas cometeram as piores idolatrias (Ez 16.22; Jr 5.1-9). Por isso, Paulo precisa dizer-lhes: “A circuncisão tem valor se você pratica a lei; mas, se você é transgressor da lei, a sua circuncisão já se tornou incircuncisão” (Rm 2.25).

Com isso, fica claro que Deus não quer apenas a forma, mas o conteúdo; não uma tradição religiosa, mas um relacionamento vivo; também não atos sacramentais, mas a prática da sua vontade! E disso resulta uma sentença aniquiladora: culpados nos termos da acusação! “Não há justo, nem um sequer...” (Rm 3.10).

Requer-se mais do que exterioridades (v. 26-29)

Paulo quer mostrar-nos que há necessidade de mais do que exterioridades, esforços próprios, exercícios religiosos e comportamento decente.

É claro que, com força de vontade, o homem consegue moldar seu caráter até certo ponto e assim assumir um procedimento diferente, mas há uma coisa que ele não consegue: mudar seu coração! O judeu piedoso sempre se esforçará por apresentar-se a Deus como justo, o indígena se orientará pelas suas leis da natureza, e o gentio civilizado se esforçará em conduzir melhor sua vida. Um coração transformado, porém, ele só pode receber como dádiva.

Essa novidade é o que Paulo descreve ao dizer: “... circuncisão é a do coração, pelo Espírito, não segundo a letra...” (Rm 2.29). Ao mesmo tempo, então, Paulo constata que essa nova natureza só pode provir de Deus. Só ele pode criar algo novo, pode renovar um coração humano. Por isso ele continua e escreve: “... e cujo louvor não procede de seres humanos, mas de Deus” (Rm 2.29).

E assim, em meio a essas exclamações de “culpado!”, já se acende a luz da esperança.