O sepultamento no judaísmo

Parte 2

Ao longo dos séculos e milênios, o judaísmo produziu numerosos usos, costumes e tradições que parecem estranhos a quem não é daquele meio. Muitas vezes trata-se de exterioridades que os distinguem de outras pessoas. É claro que o observador se perguntará de onde provém tudo isso. Teriam algum fundamento bíblico ou trata-se apenas de tradições judaicas acrescentadas no decorrer do tempo?

A maneira pela qual os judeus sepultam os seus mortos tem uma longa e antiga história prévia que pode ser acompanhada na Bíblia até o surgimento do povo israelita.

É possível encontrar, em Jerusalém e em outras localidades de Israel, sepulturas dos tempos do primeiro templo. Com isso pode-se observar como o modo de sepultar mudou ao longo do tempo.

As famílias mais ricas mandavam esculpir na rocha sepulturas com várias câmaras, em parte tão grandes como casas de família. Estas eram utilizadas pela família ao longo de gerações. Os defuntos não eram alojados em nichos fechados ou sarcófagos, mas, depois de serem envoltos em lençóis de linho, depostos em bancos de pedra feitos para isso. Após um ano nas condições climáticas da terra de Israel, apenas os ossos restavam nessas sepulturas rochosas. Nessa condição, eram então empilhados em um local previsto para isso dentro da instalação sepulcral. É claro que apenas famílias de certa riqueza tinham condições de adotar esse tipo de sepultamento em túmulos esculpidos na rocha.

Em sepulturas semelhantes dos tempos do segundo templo pode-se então constatar que os ossos dos falecidos não eram mais empilhados, mas depostos de forma bem ordenada em caixas de pedra às vezes artisticamente adornadas a fim de que nenhum osso se perdesse. O que havia mudado?

As noções sobre a ressurreição

Na época do segundo templo, o judaísmo passou a se ocupar cada vez mais com a ideia de uma futura ressurreição. Encontramos uma referência a isso no Novo Testamento, em Atos 23.8, onde se lê: “Os saduceus dizem que não há ressurreição nem anjos nem espíritos, mas os fariseus admitem todas essas coisas”.

Os fariseus criam numa ressurreição do corpo. (O tema da ressurreição de fato levanta muitas questões, e em 1Coríntios 15 Paulo responde a isso detalhadamente.) No judaísmo, então, chegou-se à conclusão baseada em Ezequiel 37, onde se descreve a visão dos esqueletos, de que para a ressureição era necessária a presença dos ossos – apesar de a passagem acima evidentemente querer dizer outra coisa.

Essa opinião extraída de Ezequiel determina até hoje a forma do sepultamento no judaísmo. O sepultamento em túmulos esculpidos na rocha também deixou de ser usual mais tarde porque nele os ossos eram recolhidos e depositados numa caixa de pedra. De acordo com as novas noções, porém, os ossos nem deveriam mais ser tocados, a fim de que permanecessem tão inteiros e completos quanto possível até a ressurreição. Por isso os judeus rejeitam decididamente o deslocamento de sepulturas. Isso pode causar sérios problemas para obras viárias, escavações arqueológicas ou outros projetos de construção. Dessa forma fica evidente a razão de a cremação ser tabu para os judeus e decididamente rejeitada. Existem, no entanto, raras exceções de judeus ateus que são cremados.

A sepultura de Jesus

Como se sabe, o cadáver de Jesus foi depositado no túmulo de um homem rico, José de Arimateia. Por que isso é tão importante a ponto de até o profeta Isaías mencionar a questão (Is 53.9)?

“Se Jesus tivesse sido depositado como um homem pobre em uma sepultura comum e coberto de terra, ninguém poderia ter sido testemunha da sua ressurreição.”

Se Jesus tivesse sido depositado como um homem pobre em uma sepultura comum e coberto de terra, ninguém poderia ter sido testemunha da sua ressurreição. Deus, porém, quis que a sepultura vazia fosse vista e documentada. No entanto, isso só seria possível com uma sepultura esculpida na rocha – assim como faziam os ricos da época. Esse detalhe mostra que nada foi casual na morte e ressurreição de Cristo, mas tudo ocorreu conforme Deus Pai havia predeterminado para que seu plano se cumprisse.

Tumba do primeiro século semelhante à de Jesus, localizada em Nazaré, Israel.Tumba do primeiro século semelhante à de Jesus, localizada em Nazaré, Israel.

Vale notar o fato de que, pouco depois, essa forma de sepultamento – em que o defunto envolto em linho é deitado sobre um banco de pedra num túmulo rochoso – deixou de ser praticada no judaísmo. A partir daí passou-se a sepultar os mortos em nichos nos túmulos rochosos, que eram fechados e não mais abertos, para que os ossos permanecessem intactos. Assim, podemos dizer que a forma de sepultamento na qual o defunto, envolto em linho e ungido de óleos perfumados, era deitado num banco de pedra num túmulo rochoso foi de importância decisiva no sepultamento de Jesus, mas que curiosamente deixou de ser usual depois disso.

A propósito, os perfumes acrescentados não se destinavam a embalsamar o corpo (como os egípcios fazem) com a finalidade de conservá-lo na medida do possível, mas apenas para mascarar o cheiro de decomposição, já que esses túmulos rochosos podiam ser abertos a qualquer momento, havendo acesso a eles.

A origem do culto aos mortos no judaísmo

Depois da destruição do segundo templo, o judaísmo passou por uma transformação que se expressou no Talmude. Assim, de acordo com a opinião consolidada na época, as almas dos defuntos iam para o Gehena, podendo ser elevadas de lá para uma condição de bem-aventurança superior por meio de orações dos familiares ou de suas boas obras, oferendas e similares. Esse processo duraria 12 meses, durante os quais a alma poderia ser purificada por meio de orações, esmolas e outras boas obras. Talvez seja surpreendente que muito disso é bem semelhante ao que se pratica na Igreja Católica Romana.

A festa de Lag BaÔmer

O período de Ômer consiste em sete semanas entre a Páscoa e o Shavuot, ou Pentecostes. A palavra “ômer” provém de uma medida de volume bíblica de aproximadamente quatro litros, usada para medir cereais. No primeiro dia do período de Ômer oferecia-se no templo um ômer de cevada – daí o nome.

O Lag BaÔmer é o trigésimo terceiro dia do Ômer. “Lag” escreve-se em hebraico com as letras lâmede-guímel. O lâmede tem o valor numérico de trinta, e o guímel, de três. Originariamente, quando o templo ainda existia, o período de Ômer era festivo.

Judeus ortodoxos dançando na colina do rabino Shimon bar Yochai, em Meron, Israel, no feriado de Lag BaÔmer. Judeus ortodoxos dançando na colina do rabino Shimon bar Yochai, em Meron, Israel, no feriado de Lag BaÔmer.

Depois que a segunda rebelião contra os romanos foi derrotada de modo sangrento entre 132 e 135 e os romanos executaram Barcoquebas, o líder da rebelião, além de outros eruditos judeus, o período se tornou um tempo de luto.

O dia de Lag BaÔmer é considerado o dia da morte de Shimon bar Yochai, um dos grandes criadores da doutrina da Cabala. Nesse dia, centenas de milhares de judeus ortodoxos visitam o túmulo dele em Meron, na Galileia superior, onde neste ano 45 pessoas perderam a vida numa ocorrência de pânico coletivo.

É verdade que ainda existem centenas de outros túmulos de rabinos e santos judeus famosos e milagreiros que os judeus visitam durante o período de Ômer ou em outras ocasiões a fim de ali orar e com isso obter poderes místicos e ajuda. Aí também é novamente espantoso observar os paralelos com as práticas de algumas igrejas.

Fredi Winkler é guia turístico em Israel e dirige, junto com a esposa, o Hotel Beth-Shalom, em Haifa, que é vinculado à missão da Chamada.

sumário Revista Chamada Outubro 2021

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