A Mensagem de Jonas

Parte Final – Caminhar contra Deus

Uma das piores atrocidades na história mundial foi o genocídio contra os tutsis em Ruanda, um pequeno país na África central, em 1994. Pelo menos 800 mil pessoas foram massacradas por milhares de hutus em cem dias. O país era aproximadamente 90% “cristão” naquela época, e a noção de que tal violência em massa pudesse ocorrer era impensável.

O fator que contribuiu para o genocídio foi o tribalismo desenfreado. Ruanda tem dois grupos étnicos primários: hutus (fazendeiros) e tutsis (criadores de gado). O problema começou com esses grupos fazendo referência a si mesmos de forma étnica e tribal ao invés de ruandeses. O país ficou dividido, com cada grupo desumanizando o outro; os hutus acreditavam que os tutsis não possuíam qualidades positivas, e vice-versa. O ódio entre eles tornou-se aceitável, e essa animosidade eventualmente se manifestou de maneira brutal.

O mesmo ocorrerá nos Estados Unidos ou no Brasil se não houver o reconhecimento de que todas as pessoas são igualmente criadas à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26-27). “Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). Certamente, “o mundo” inclui todos os grupos étnicos e raciais.

“O livro de Jonas retrata o que acontece quando uma pessoa deixa de refletir o amor de Deus, e, ao invés disso, permite que desejos e preconceitos pessoais a consumam por inteiro.”

Ódio e preconceito sempre resultarão em desprezo pelo plano amoroso de salvação de Deus, com destruição e vingança como consequência. O livro de Jonas retrata o que acontece quando uma pessoa deixa de refletir o amor de Deus, e, ao invés disso, permite que desejos e preconceitos pessoais a consumam por inteiro. Jonas permitiu que ódio e intolerância devorassem sua vida, o que o levou à beira da morte. Deus, no entanto, ama tanto o mundo que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13). A salvação em Cristo torna possível que “nós, que somos muitos”, vivamos como “um corpo” (Rm 12.5), e até mesmo que alguém ame seus inimigos e ore por eles (Mt 5.44).

A raiva de Jonas e a compaixão de Deus (Jn 4.1-11)

“A coisa mais importante a se aprender com Jonas é a compaixão de Deus pelo seu povo.”

Com base no arrependimento de Nínive (cap. 3), seria possível concluir que o livro de Jonas terminaria aí. O fato de que resta mais um capítulo indica que o livramento divino dos ninivitas da destruição iminente não é o ápice do livro. A coisa mais importante a se aprender com Jonas é a compaixão de Deus pelo seu povo.

Jonas ficou “profundamente descontente” – até mesmo enfurecido – com o arrependimento de Nínive, pois isso fez com que Deus retivesse o juízo (4.1). Embora o Império Assírio estivesse em declínio na época de Jonas, o profeta ainda buscava a destruição da capital, uma vez que a nação poderia recobrar sua antiga soberania e então rivalizar com Israel. Jonas esperava que os ninivitas não se arrependessem e que o julgamento de Deus acontecesse. Obviamente, o coração do profeta não estava correto diante de Deus. Jonas fez a coisa certa ao ir para Nínive, mas o fez com a mentalidade errada. O fato de que Deus está tão preocupado com nossas motivações quanto com nossas ações é a ênfase do capítulo final.

O grande descontentamento de Jonas, na verdade, era maligno. Ele sentiu mais do que raiva; ele estava irritado e contrariado com as ações de Deus. Os ninivitas haviam sido anteriormente descritos como “maus” (hebraico, re’eh), mas agora essa palavra caracterizava Jonas. Ele agora era “mau” aos olhos de Deus, e, portanto, merecia juízo assim como o povo de Nínive (cf. Rm 2.1). Contudo, o Senhor seria compassivo com Jonas, assim como fora com os ninivitas. Quando o Senhor abandonou a sua ira (3.9-10), Jonas permitiu que uma raiva pecaminosa entrasse em sua vida. A conjunção “porém” (4.1) enfatiza o contraste imensurável entre a compaixão divina e o desgosto do profeta.

O comportamento de Jonas foi similar ao do servo impiedoso (Mt 18.21-35) e do irmão mais velho na parábola do filho pródigo. Sua atitude estava em contraste evidente à do apóstolo Paulo, que tinha “grande tristeza e constante angústia” em seu coração por aqueles que estavam separados de Cristo (Rm 9.2-3; cf. Êx 32.30-35). Paulo expressou grande exultação e alegria com sua própria experiência (Rm 8.38-39), mas sinceramente desejava a salvação de outros, e até mesmo fez grandes sacrifícios por isso (Fp 3.8).

A oração de Jonas indica por que ele preferia fugir para Társis do que proclamar o julgamento iminente a Nínive, além de por que ele preferia morrer a obedecer a Deus (4.3). Ele sabia que Deus é “misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que prometes castigar, mas depois te arrependes”. Jonas conhecia a sua Bíblia, já que citou Êxodo 34.6-7. Ele não gostava da noção de que Deus pudesse ter compaixão por Nínive. Aparentemente, ele esperava que Deus violasse seu próprio caráter para demonstrar misericórdia. O profeta não só deixou de ter compaixão pelos ninivitas; ele estava aborrecido com os atributos de Deus. No entanto, a misericórdia do Senhor é inseparável de sua justiça. Ele é imutável, infinito e infalível em sua misericórdia.

Anteriormente, Jonas tinha celebrado o livramento de Deus (Jn 2), mas agora tinha se tornado como o “servo mau” que tinha sido perdoado e não expressou misericórdia para seu “conservo” (Mt 18.21-35). Talvez ele também estivesse irritado porque o anúncio do juízo não tinha se concretizado, o que poderia provocar questionamentos a respeito de sua autenticidade como um profeta verdadeiro (cf. Dt 18.21-22). Estranhamente, Jonas realmente esperava que seu ministério fracassasse.

Outra tradução das palavras “profundamente descontente” (v. 1) poderia ser: “isso era mau para Jonas, um grande mal”. O termo “isso” se refere às ações de Deus, o que significava que Jonas discordava veementemente com a demonstração de misericórdia por parte de Deus para com os inimigos de Israel. A imensa corrupção de atitudes e valores é evidente no fato de que Jonas acreditava que salvar Nínive era algo mau, e sua destruição seria boa. Ele atacou a ação de Deus ao declarar que os ninivitas não mereciam receber a graça e misericórdia do Senhor. A verdade é que nenhuma pessoa merece a compaixão de Deus (cf. Rm 3.10-12)!

A misericórdia de Deus sempre é imerecida. Toda a compaixão genuína do Senhor precisa ser incondicional, pois misericórdia merecida é um termo impróprio para justiça. Nenhum pecador merece a misericórdia salvadora de Deus. Todos os pecadores nasceram mortos “em suas transgressões e pecados”, e, portanto, são “por natureza merecedores da ira” (Ef 2.1,3). Se toda a humanidade decaída fosse condenada de uma vez à retribuição eterna, todas as pessoas teriam justamente merecido a perdição.

A graça soberana é a única causa para que qualquer pecador seja liberto da ira divina, pois não existe nada no pecador que mereça salvação. “Pois ele diz... ‘Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão’. Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus” (Rm 9.15-16, ênfase acrescentada). Não haveria esperança de redenção longe da misericórdia de Deus. “Pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). E “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Os pecadores arrependidos não recebem aquilo que merecem somente por causa da misericórdia divina.

O adjetivo hebraico rachum, traduzido como “compassivo” (Jn 4.2), significa “misericordioso” (no sentido de “salvar” ou “poupar”). O substantivo rechem significa “ventre” em hebraico, indicando que a compaixão de Deus é comparável à profundidade do amor que uma mãe tem por seu filho ou filha. Jonas teve compaixão pela planta que o protegeu do sol (v. 6), mas não pelo povo de Nínive. O problema de Jonas é muito comum. As pessoas muitas vezes têm “compaixão” por pessoas ou coisas que tem um benefício ou valor intrínseco para elas pessoalmente, mas não têm essa misericórdia para aquilo que (a seus olhos) não tem essas características. Mesmo assim, o Senhor Deus é gracioso e compassivo, e isso não é baseado em algum benefício que ele possa obter. Portanto, o livro de Jonas instrui pessoas de todas as idades a terem compaixão.

A natureza compassiva de Deus é novamente evidente na forma bondosa como ele confrontou Jonas ao lhe fazer perguntas (v. 4,9,11; cf. Jó 38–39). Jonas condenou a Deus por abandonar a sua ira, e o Senhor desafiou o profeta por sua fúria. O Senhor então confrontou Jonas com sua atitude pecaminosa (v. 5-9). Jonas não respondeu e partiu petulantemente (v. 5). Deus tinha feito “com que um grande peixe engolisse Jonas” (1.17), e agora o Senhor “fez crescer uma planta” para livrar o profeta “do calor” (v. 6; a palavra hebraica ra’, “mau, maligno”, é traduzida como “desconforto” na NAA).

“O ápice do livro de Jonas não é o arrependimento dos ninivitas; antes, é Deus desafiando Jonas a reconhecer o imenso erro de seu nacionalismo amargo.”

A soberania de Deus é mais uma vez evidente quando ele “mandou uma lagarta” (v. 7) e “um vento oriental muito quente” (v. 8) para disciplinar seu profeta e ensinar-lhe uma lição. Pela primeira vez desde o versículo 4, Deus falou novamente fazendo a mesma pergunta (v. 9a). Jonas respondeu à pergunta retórica de forma errada (v. 9b). O questionamento repetido (v. 4,9) é certamente fundamental para a mensagem que Deus queria expressar. O ápice do livro de Jonas não é o arrependimento dos ninivitas; antes, é Deus desafiando Jonas a reconhecer o imenso erro de seu nacionalismo amargo e quão apropriado foi para o Senhor expressar sua compaixão pelos assírios em Nínive.

“Compaixão” (v. 10-11, NAA) é a atitude fundamental. A compaixão de Deus se estende não somente a plantas, mas ainda mais a pessoas. O conhecimento de Jonas de um Deus gracioso, compassivo e soberano deveria tê-lo tornado mais responsivo à vontade de Deus – o que significava ser compassivo para com as pessoas que não tinham tal conhecimento e relacionamento com o Senhor (cf. Mt 20.1-16; Lc 15.25-32). Quando uma pessoa negligencia o amor de Deus pelos outros e é consumida por desejos e preconceitos pessoais, a vida se torna autocentrada ao invés de centrada em Deus.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Agosto 2021

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