Por último, mas não menos importante

1ª Carta a Timóteo | Parte Final | 1Timóteo 6.20-21

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

Primeira Carta de Paulo 20Timóteo, guarde o que foi confiado a você. Evite as conversas inúteis e profanas e as ideias contraditórias do que é falsamente chamado conhecimento; 21professando-o, alguns desviaram-se da fé. A graça seja com vocês.

Os últimos dois versículos da primeira carta de Paulo a Timóteo começam com a expressão “E você, ó Timóteo” (NAA), que demonstra o quanto o coração de Paulo estava envolvido, o quanto estava comovido, bem como a seriedade e a profundidade com que tratava do assunto. Trata-se de um apelo amoroso final. As exortações são necessárias, mas deveriam sempre ser feitas com base no coração.

Vemos logo depois a contradição entre guardar e evitar: “... guarde o que foi confiado a você. Evite as conversas inúteis e profanas e as ideias contraditórias do que é falsamente chamado conhecimento; professando-o, alguns desviaram-se da fé” (v. 20-21a). A sã doutrina deve ser guardada enquanto a falsa deve ser evitada.

Existem coisas profanas, inúteis, contraditórias, falsas e um chamado “conhecimento” que, porém, é um falso conhecimento, porque contraria o “fio escarlate” da Palavra de Deus. Essas coisas se opõem à sã, verdadeira e boa doutrina da Escritura Sagrada (cf. 1.10; 2.7; 4.6). Tudo o que for contrário à pura doutrina bíblica – por mais piedoso que se apresente – não passa de falatório inútil. Isso gera insegurança e contradiz a doutrina geral da Palavra de Deus. A verdadeira doutrina não entra em conflito com outras passagens bíblicas. A falsa doutrina, pelo contrário, muitas vezes é separada do contexto, pontos básicos recebem interpretações erradas, diferenças apontadas na Bíblia ou revelações neotestamentárias não são consideradas, a verdade é barateada ou recebe aditivos da Lei. Desse modo são difundidas as falsas doutrinas na igreja.

Para guardar o que nos foi confiado, a seguinte citação é útil:

Um dos critérios mais importantes a observar para uma explanação bíblica é ler e estudar a Escritura Sagrada em seu contexto. Essa primeira chave – e a mais importante – é encontrada em 2Pedro 1.20-21: “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”. Nenhuma profecia, por si só, já é suficiente para que se compreenda o seu sentido completo e verdadeiro. Ela não é autoexplicativa, mas deve ser considerada como parte de um todo maior...[1]

Devemos nos prevenir contra esse falso chamado “conhecimento” ou “saber” (ARA), evitá-lo conscientemente e, em contrapartida, guardar o bom tesouro da Palavra de Deus.

No final da carta a Timóteo somos novamente dirigidos ao início dela. Existe apenas uma (no singular) doutrina sã e verdadeira, mas existem muitas falsas doutrinas (no plural – 1.3,10; 4.1,6; 6.1,3).

Não devemos nos esquecer de que nossa vida possui um alvo de fé. “Professando-o, alguns desviaram-se da fé” (v. 21a). No entanto, também existe aceitação pública e teimosa de falsas doutrinas que levam a pessoa a desviar-se do seu alvo de fé, do mesmo modo como a crença na verdadeira doutrina bíblica a leva corretamente ao alvo de fé.

Não é apenas com a teoria que conseguimos avançar em direção ao alvo, mas através da aplicação prática da Escritura em nossa vida.

Vemos, então, que a ênfase das cartas pastorais paulinas (1Tm; 2Tm; Tt) está focada no manuseio correto da Palavra de Deus. Quem desrespeita essas recomendações pode até errar o alvo de fé. Aqui são mencionadas pessoas que erraram esse alvo ao seguirem teorias falsas e contraditórias. Foi justamente a isso que o apóstolo se referiu já no início da carta: “O objetivo desta instrução é o amor que procede de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera. Alguns se desviaram dessas coisas, voltando-se para discussões inúteis” (1Tm 1.5-6). Somente através da sã doutrina alcançaremos o alvo, e, para tanto, é necessário que tenhamos fé (alvo de fé). Precisamos relacionar a verdadeira, pura e sã doutrina com nossa fé para que alcancemos o alvo proposto. Não é apenas com a teoria que conseguimos avançar em direção ao alvo, mas através da aplicação prática da Escritura em nossa vida.

O teólogo Hans Bürki faz a seguinte observação sobre isso: “A fé é a penúltima palavra da carta e reitera o significado central e pleno que ela confere a todas as afirmações: não são as obras nem o conhecimento, mas a fé que é o dom e a tarefa decisiva que o evangelho traz”.[2] Se perdermos a fé na Palavra e nos submetermos à influência de outras doutrinas, é possível que não alcancemos o alvo. É o que o apóstolo nos apresenta em sua última carta: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (2Tm 4.7-8).

A carta termina mencionando a graça: “A graça seja contigo” (1Tm 6.21, BKJ). A palavra “graça” significa “dedicação amável”. Outras traduções dizem “A graça seja com vocês” (NVI) ou “A graça esteja com vocês” (NAA). Isso significa que a carta também vale para a igreja, e não apenas para Timóteo.

É a fé na pura Palavra de Deus que nos mantém na graça. Se vivermos nela, também a experimentaremos. Além disso, é algo confortador ver que a graça transparece em todas as recomendações que Paulo faz em 1Timóteo. Só a graça nos capacita a permanecer em Cristo e em sua Palavra. Somente no poder dessa graça é que Timóteo e a igreja tiveram e têm condições para resistir às falsas doutrinas, desviar-se da sua influência e viver na salvação de Deus. Por isso, para solidificar nossa vontade, necessitamos da graça de Deus e essa última frase nos mostra que Deus nos concede essa graça. A graça está disponível para que possamos aplicar a Palavra em nossa vida, com fé e obediência. Podemos viver no poder da graça!

 

Notas

  1. Dirk Schürmann e Stephan Isenberg, Der vergessene Reichtum (Retzow: Daniel Verlag, 2006), p. 106-107.
  2. Hans Bürki, Wuppertaler Studienbibel: Der erste Brief des Paulus an Timotheus, eds. Werner de Boor e Adolf Pohl, 2ª ed. (Wuppertal: R. Brockhaus Verlag, 1976) p. 212.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Maio 2021

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