A face nobre da sociedade israelense

A situação econômica atual de Israel não está fácil: a taxa de desemprego subiu celeremente e muitos pequenos autônomos e empresas de porte médio parecem estar à beira da falência. Uma coisa, porém, parece firme e forte: a oferta do dízimo bíblico.

No mundo inteiro, as pessoas têm estado preocupadas não só por causa do vírus, mas os apertos econômicos e medos existenciais também se multiplicaram. Israel faz parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento. Mesmo em meio à crise, os institutos internacionais de avaliação têm classificado a credibilidade do país como estável, e a economia continua sendo considerada robusta. No entanto, para muitos israelenses a situação se deteriorou rapidamente. Para um país economicamente bem-sucedido, como é o caso de Israel, a rede de serviços sociais não está muito bem estruturada. Neste período de crise do Covid-19, as providências de assistência emergencial do governo israelense ficaram balançando bem na rabeira de todas as estatísticas comparativas entre países – e todos foram atingidos: grandes corporações, fábricas e empresas, o pequeno comércio e principalmente os autônomos. E, num país com porcentagem relativamente alta de população vivendo no nível da pobreza ou até abaixo dele, muitos cidadãos ficaram quase imediatamente sem reservas não só para as contas de água e luz, mas também para o suprimento de alimentos.

Em períodos de regularidade, sempre há, por ocasião das festas judaicas, associações beneficentes tratando de suprir famílias carentes com alimentos para que, ao menos nas grandes festas judaicas, elas não sofram carências. Se em tempos normais muitos se queixam de que o Estado não assume sua responsabilidade ao largar o suprimento alimentar de famílias carentes quase totalmente nas mãos do setor privado, a crítica aumentou ainda mais durante a crise do Covid-19. A economia vem pressionando os tomadores de decisão até com ultimatos: se o comércio não puder reabrir imediatamente, pretendem-se convocar manifestações em massa. Diante do apelo por distanciamento social, o pesadelo por excelência das autoridades foi desencadeado poucos dias antes pelos artistas nacionais. Eles se reuniram em Tel Aviv, na praça Rabin, quando ainda estava em vigor a determinação de não se afastar mais do que 500 metros da residência. No protesto, eles não cumpriram os dois metros de distância para segurança.

Ao mesmo tempo, em outros países também ficou claro que os principais atingidos são restaurantes, artistas, organizadores de casamentos, salões de beleza e cabeleireiros. Em Israel não se tratou de prejuízos, mas de sobrevivência nua e crua, porque apenas poucos pagamentos de impostos puderam ser postergados, os bancos não respondiam a consultas de crédito e muito mais. Também se inclui nisso que em Israel não existe subvenção estatal para jornadas de trabalho reduzidas. No início da crise, havia menos de 200 mil desempregados registrados; no fim de abril, 1,2 milhão.[1] Um quarto dos empregados israelenses ficou desempregado. Foi assustador e, como resultado, muitas associações que cuidam de pessoas carentes também chegaram à beira da falência.

Aqui, porém, quase todas as empresas de alta tecnologia do país intervieram – aceitando solicitações de doações de associações beneficentes, processando estas em parte de forma bem informal e rápida. Outro aspecto interessante: com exceção de uma empresa, elas contribuíram de forma bem discreta, sem grande exposição midiática. A famosa exceção foi a muito exaltada empresa israelense Mobileye, que ocupou as manchetes em 2017 com 15,3 bilhões de dólares de faturamento. O convite da Mobileye pela imprensa a associações beneficentes foi considerado de significativo efeito publicitário. Entretanto, é justo acrescentar que dificilmente alguma outra empresa israelense terá oferecido uma doação de valor semelhante: 100 milhões de shekels (aprox. 155 milhões de reais).

Comenta-se em muitos países que as crises revelam tanto o pior como também o melhor do ser humano. Em quase todas as nações se ouviu algo sobre campanhas de ajuda solidária de empresas e de pessoas particulares. Em Israel, levaram-se muito a sério os mandamentos religiosos: cadeias de comércio de alimentos voltadas para uma clientela judaica religiosa entregaram toneladas de alimentos sem fazer alarde (tal como é costume nas doações entre os judeus, pois devem ser anônimas). No entanto, no mandamento bíblico do dízimo, também os mais fracos se empenharam: o movimento nacional jovem Sayeret Chesed Yehudit [União das boas ações] compõe-se em muitos lugares de jovens classificados como de risco por provirem de famílias à margem da sociedade. Na verdade, eles não têm o que doar. Mesmo assim, porém, doaram porque assumiram pequenos trabalhos, juntaram garrafas e pediram ofertas em dinheiro ou objetos a terceiros para repassar a renda a outros necessitados. Foi uma cadeia particular de doação, que resgata uma frase do Talmude: Kol Yisrael Arevim zeh la zeh [Todos os judeus são mutuamente responsáveis].

Antje Naujoks

Nota

  1. Sami Peretz, “Panicky Response to Israel’s Unemployment Surge Leaves Existing Problems to Fester”, Haaretz, 2 jun. 2020. Disponível em: <https://bit.ly/2ZveTiB>.

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Agosto 2020

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