As profecias de Jacó a respeito de seus filhos

Os momentos finais da vida de Jacó revelam que ele estava fisicamente fraco ao se aproximar da morte. Contudo, em vez de concentrar-se em sua própria fraqueza, ele pôde proferir uma benção àqueles ao seu redor. Ele se tornou um instrumento das bençãos do Senhor para as futuras gerações.

Deus prometeu a Jacó: “Eu irei com você para o Egito e certamente farei com que você volte de lá. A mão de José fechará os seus olhos” (Gn 46.4). As bençãos de Abraão estão na terra de Canaã, não no Egito. O resultado da escravidão egípcia (Êx 1.8-14) foi que o povo de Deus habitou no Egito, e não em Canaã. Assim, quando estava prestes a morrer, Jacó exigiu que seu filho José lhe prometesse algo: enterrar o seu corpo em Canaã. “[Ele] chamou o seu filho José e lhe disse: ‘Se agora alcancei favor diante de você, peço que ponha a sua mão debaixo da minha coxa e use de bondade e fidelidade para comigo... você me levará do Egito e me colocará na sepultura [de meus pais]” (Gn 47.29-30).

José prometeu que não sepultaria seu pai no Egito, mas Jacó insistiu: “Jure para mim” (v. 31). Colocar a mão debaixo da coxa de alguém era uma forma de fazer um juramento. O mesmo pode ser visto quando Abraão exigiu um juramento de seu servo, o qual foi enviado a Harã a fim de encontrar uma esposa para Isaque (24.9). Jacó queria ter certeza de que as circunstâncias não impediriam José de deixar o Egito, por isso insistiu que seu filho fizesse um juramento que o deixaria obrigado. Mais tarde, José foi até o faraó e disse: “Meu pai me fez jurar” (50.5a). Assim, o faraó permitiu que José deixasse o país e sepultasse seu pai em Canaã.

Jacó adorou a Deus, percebendo que ele cumpriria sua promessa por meio de José. A promessa divina da terra era importante para ele, mesmo que fosse apenas (por enquanto) seu local de descanso final (1Cr 16.13-18). Jacó chamou seus filhos, sentindo que a morte se aproximava, e os doze homens se reuniram em torno de sua cama. “Ajuntem-se”, disse Jacó, “e eu lhes farei saber o que vai acontecer com vocês nos dias que virão” (Gn 49.1). Ele então profetizou a respeito de seus doze filhos.

Rúben (49.3-4) era o primogênito. Devido à sua posição como primeiro filho de Jacó, ele deveria ter tido preeminência sobre seus irmãos e a porção dupla da herança que foi dada a José (48.5-6; 1Cr 5.1-2). Contudo, essas coisas foram tiradas de Rúben por causa de seu estado precário. Ele perdeu seu direito de nascença e lugar de honra por ter cometido incesto com a concubina de Jacó. Não se vê uma punição imediata no momento em que o pecado originalmente ocorreu (Gn 35.22), contudo, este teve consequências progressivas, não apenas para Rúben, mas também para os seus descendentes. Como resultado, Rúben não teria o caráter para liderar as tribos.

Simeão e Levi são mencionados em seguida. Raiva e crueldade eram o seu legado. Como uma consequência de seu caráter, eles seriam espalhados. A tribo de Simeão foi eventualmente unificada com a tribo de Judá, mas a tribo de Levi nunca ganhou terras próprias. Eles receberam cidades para ocupar, as quais estavam espalhadas pela terra de Israel. Sua herança é o dízimo, em vez da terra (Nm 18.22-23).

As profecias mais extensas proferidas por Jacó envolvem Judá e José. Eles eram os dois líderes entre os irmãos, e os filhos cujas tribos – Judá e Efraim – estavam destinadas a serem dominantes na Terra Prometida. Efraim seria proeminente no norte e se tornaria o reino do norte. Este caiu na idolatria, e o julgamento de Deus sobre o seu pecado foi o exílio pela Assíria. Após o reino de Salomão, o reino do norte teve um total de vinte reis; nenhum deles foi creditado como um homem piedoso.

O reino do sul, Judá, testemunhou períodos de apostasia e avivamento; de seus vinte reis, apenas aproximadamente metade deles são mencionados como tendo feito “o que era reto aos olhos do Senhor”. Mesmo entre a metade dos vinte reis, houve uma séria deterioração à medida que seus reinos progrediam, e apostasia do Senhor em seus últimos anos. O que não é evidente é se esses homens eram realmente filhos de Deus, ou se simplesmente fizeram o correto ao obedecer a lei de Deus na primeira parte de seus reinos, e então manifestaram seu caráter apóstata mais tarde em suas vidas. Deus julgou o reino do sul também por meio do exílio, para a Babilônia. Depois do cativeiro babilônico, o reino do sul retornou à sua terra para reconstruir o templo.

Judá foi caracterizado como um leãozinho; isto é, um leão que se agacha (“quem o despertará?”). Sua tribo era poderosa. Judá não apenas governaria sobre seus irmãos nos dias vindouros, mas também derrotaria seus inimigos (Gn 49.8). Seu poderio militar foi comparado à força de um leão (v. 9). A preeminência que foi tirada de Rúben foi dada ao seu irmão mais novo, Judá.

Gênesis 49.10 (“O cetro não se afastará de Judá, nem o bastão sairá de entre os seus pés, até que venha Siló; e a ele obedecerão os povos”) tem sido uma passagem difícil de traduzir. A Nova Almeida Atualizada traduz a penúltima parte como “até que venha Siló”. Há boas razões para se traduzir esse versículo como o fez a Nova Versão Internacional: “Até que venha aquele a quem ele pertence”. Victor P. Hamilton percebeu esse problema de tradução: “Essa linha provocou mais diferenças de opinião entre os hebraístas do que talvez qualquer outra em todo o livro de Gênesis”.1 Hamilton traduziu-a assim: “Até que ele possua aquilo que lhe pertence”. O significado de Gênesis 49.10 parece ser de que a realeza permanecerá no clã de Judá até que venha o rei que pode reivindicá-la por direito. Obviamente, muitos interpretam o rei legítimo como ninguém menos que o “Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi” (Ap 5.5). “Siló” pode se referir a um local específico, como se vê em outras passagens do Antigo Testamento (cf. Js 18.1,8-9; 1Sm 1.3). Na passagem de Gênesis, é melhor entender esse termo como sendo uma leve alusão à pessoa do Messias. O Targum Onkelos ofereceu a seguinte interpretação: “Até que o Messias venha, a quem pertence o reino, e a ele as nações obedecerão”.

A Zebulom foi prometido um comércio marítimo. Sua tribo faria fronteira com o mar Mediterrâneo e a cidade de Sidom. A tribo de Issacar seria caracterizada pelo trabalho forçado. Em vez de usar sua capacidade para trabalhar para si mesmo, Issacar trabalharia por comida e descanso entre os cananeus, o que era o oposto de como essa relação deveria ter sido. Dã deveria ajudar as outras tribos contra os seus inimigos. Ele era “uma serpente junto ao caminho”. A imagem é de sua absolvição. Ele seria uma das menores tribos, mas seria uma tribo vitoriosa sobre as outras.

Jacó estava agora na metade das profecias a respeito de seus filhos. Tendo profetizado sobre Dã, o patriarca declarou: “A tua salvação espero, ó Senhor!” (Gn 49.18). Obviamente, sua declaração era uma expressão de que a esperança da nação não estava em seus filhos; antes, a esperança estava no Deus que o havia carregado durante seu breve tempo. A essência das palavras de Jacó era que a salvação certamente não viria de seus filhos, mas de Deus.

 “A essência das palavras de Jacó era que a salvação certamente não viria de seus filhos, mas de Deus.”

Grupos de guerrilheiros atacariam Gade, “mas no final ele prevalecerá” (BKJ). Aser seria muito produtivo e frutífero em seu trabalho. Ele levaria sua abundância e a entregaria à corte, indicando desse modo que a comida era mais uma iguaria do que alimento comum. Naftali seria rápido na batalha. Sua tribo habitaria nas montanhas. A profecia quanto ao futuro de Naftali é de liberdade e crescimento desimpedidos. Embora a NAA traduza o versículo 21 com o termo “palavras” na segunda linha, parece ser preferível traduzir de forma mais natural como “filhotes de cervo”.

José recebeu a profecia mais longa. Há imagens de vinhas frutíferas e arcos firmes, supridos pelo “Poderoso de Jacó, sim, pelo Pastor e pela Pedra de Israel, pelo Deus de seu pai, que o ajudará, e pelo Todo-Poderoso, que o abençoará” (v. 24-25). “Estejam elas sobre a cabeça de José e sobre o alto da cabeça do que foi distinguido entre seus irmãos” (v. 26). O versículo final reconhece José como líder e como aquele que era preeminente entre seus irmãos.

Benjamim recebeu a décima-segunda benção: ele era “lobo que despedaça; pela manhã devora a presa e à tarde reparte o despojo” (v. 27). Foi profetizado que ele teria sucesso e que o dividiria com outros. Então, Jacó deu instruções finais a respeito do lugar de seu sepultamento. “Quando Jacó acabou de dar essas ordens a seus filhos”, diz a Escritura, “recolheu os pés na cama, expirou e foi reunido ao seu povo” (v. 33). Ele que fora abençoado por Deus, agora terminara de abençoar seus doze filhos, que estavam com ele no fim de sua vida.

Todos os filhos de Jacó foram abençoados, no sentido de que seriam uma parte da nação de Israel. Todos os filhos de Jacó entrariam na terra de Canaã e teriam herança ali. De acordo com as profecias, alguns certamente receberiam uma benção maior do que os outros. Contudo, mesmo aqueles que foram repreendidos por Jacó foram abençoados. A aplicação é óbvia: o futuro de alguém não é independente do passado, mas é uma extensão direta deste.

“Para os doze filhos de Jacó, o caráter deles não apenas afetaria seu próprio futuro, mas também as gerações posteriores.”

A qualidade da benção para Rúben, Simeão e Levi foi baseada nos pecados que eles haviam cometido no passado. José foi traído por seus irmãos, contudo, permaneceu fiel ao seu Senhor (v. 23-24). Alguns dos filhos descobriram que suas bençãos estavam relacionadas ao nome que haviam recebido ao nascer. Por exemplo, o nome de Judá é derivado da raiz hebraica “louvar” (29.35). Seus irmãos o louvariam (49.8). A respeito de Dã, cujo nome significa “julgar” (30.6), foi predito que “julgará o seu povo” (v. 16). A profecia bíblica não está separada da história, mas é uma extensão direta dela e continua em direção ao futuro.

Para os doze filhos de Jacó, o caráter deles não apenas afetaria seu próprio futuro, mas também as gerações posteriores. Eles aprenderiam a mesma lição que Jacó havia aprendido. Realmente, as ações no presente têm um impacto no futuro. Por exemplo, a astúcia de Jacó foi vista em seus dois filhos Simeão e Levi. As profecias de Jacó lembraram seus filhos que a vida que levavam afetaria a nação nos anos por vir. Se eles vivessem vidas piedosas, isso seria uma benção para as gerações futuras. Se eles se esquecessem de Deus, então a nação experimentaria o juízo divino (um padrão exemplificado na benção e maldição de Dt 28–30).

“Todas as profecias de Jacó a respeito de seus filhos ou foram cumpridas, ou serão cumpridas no plano futuro de Deus para Israel.”

Todas as profecias de Jacó a respeito de seus filhos ou foram cumpridas, ou serão cumpridas no plano futuro de Deus para Israel. As profecias divinas para a nação serão cumpridas literalmente, da mesma forma como foram dadas aos seus destinatários originais. Aos descendentes dos doze filhos de Jacó, as profecias eram tanto um alerta contra esquecerem-se de Deus, quanto uma expressão de esperança na fidelidade ao Senhor. As palavras de alerta e esperança encontram significado apenas por meio da graça providenciada por Deus, a qual os protegeria do pecado enquanto eles estivessem procurando honrá-lo. O alerta do pecado e suas consequências deveria compelir a humanidade para longe do pecado e na direção do Messias, pois é somente nele que a salvação viria. Os filhos de Jacó (assim como o próprio patriarca) precisam declarar: “A tua salvação espero, ó Senhor!”.

Nota

  1. Victor P. Hamilton, Genesis 18-50 (Grand Rapids: Eerdmans, 1995), p. 654.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

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