Uma carta de Jerusalém para o mundo
Não sou nenhum extraterrestre, como você talvez pensará. Sou alguém natural de Jerusalém, um homem de carne e osso como todos nós. Sou cidadão da minha cidade e parte integrante do meu povo.
Venho carregando comigo algumas questões que preciso passar adiante. Como não sou diplomata, não preciso pesar com cuidado cada uma das minhas palavras. Não preciso conquistar sua amizade nem convencê-lo. Não lhe devo nada. Não foi você quem construiu essa cidade, você não mora aqui, não a defendeu quando apareceram inimigos para destruí-la – e estaremos perdidos se lhes permitirmos que a tirem de nós.
Muito antes de existir Nova York, Jerusalém já estava lá. Numa época em que Berlim, Moscou, Londres e Paris não passavam de florestas e brejos contaminados, vivia aqui uma florescente comunidade judia. Ela forneceu ao mundo o que vocês rejeitam nas nações desde que se instalaram neste mundo – um código moral humano.
Por aqui andaram os profetas cujas palavras iluminaram o mundo como raios. Aqui vivia um povo que não pedia nada mais que poder viver em paz, que lutava contra ondas de agressores pagãos, um povo que sangrava e morria nos campos de batalha, que se lançou nas chamas do seu templo incendiado em vez de se render e que, quando acabou subjugado numericamente e foi levado ao cativeiro, jurou: “Que nossa língua se apegue ao céu da boca e nossa destra resseque se nos esquecermos de Jerusalém!”.
Ao longo de dois dolorosos milênios, durante os quais fomos os seus indesejados hóspedes, oramos diariamente por um retorno a essa cidade. Três vezes por dia levávamos nossa demanda à presença do Onipotente: “Reúne-nos dos quatro cantos da terra, conduze-nos de volta à nossa terra, volta com tua graça para Jerusalém, para a cidade, e habita nela como prometeste”.
A cada grande Dia da Expiação e a cada festa da Páscoa erguemos insistentemente a nossa voz na esperança de que no ano seguinte nos reencontraríamos em Jerusalém. Os seus tribunais da Inquisição, os pogroms, os exílios, os guetos nos quais nos confinaram, seus batismos forçados, seus sistemas de cotas, seus finos antissemitismos e finalmente o inexprimível horror do Holocausto (e pior, seu terrível desinteresse) – tudo isso não nos abateu. Aquilo pode ter roubado de vocês as suas últimas reservas morais, mas a nós forjou como aço. Vocês acham que podem nos quebrar depois que tivemos de passar por tudo aquilo? Vocês acham mesmo que depois de Dachau e Auschwitz as suas ameaças, bloqueios e outras medidas podem assustar-nos? Estivemos no inferno – e voltamos de lá – um inferno que você prepararam para nós. O que mais você poderiam ter em seu arsenal que nos atemorizasse?
Vi duas vezes a cidade debaixo da saraivada de bombas das nações – nações que chamam a si mesmas de “civilizadas”. Em 1948, enquanto vocês olhavam inertes, vi mulheres e crianças sendo dilaceradas, e isso depois de atendermos à demanda de vocês por “internacionalização” da cidade. Quem executou essa tarefa foi uma união mortal de oficiais britânicos e canhoneiros árabes manejando canhões americanos.
A isso seguiu-se o violento saque e a destruição da Cidade Velha: o assassinato proposital, a destruição indiscriminada de cada sinagoga e escola religiosa, a profanação de cemitérios judeus, a venda de lápides por um governo diabólico como material de construção para aviários, arsenais e até sanitários públicos.
E vocês nunca comentaram nada a respeito!
Nunca levantaram o mínimo protesto quando os jordanianos fecharam o acesso ao mais sagrado dos nossos lugares sagrados, o Muro das Lamentações. Uma guerra que eles travaram contrariando uma decisão da ONU a respeito. Nada se ouviu da parte de vocês quando os mercenários encapuzados abriram fogo contra os nossos cidadãos a partir das suas seguras posições atrás dos muros.
Seus corações sangraram quando Berlim sofreu o bloqueio. Apressaram-se a ajudar os “corajosos berlinenses” por meio de uma ponte aérea, mas não mandaram nenhum grama de alimentos para a Jerusalém sitiada e esfomeada. Trovejaram contra a construção do muro que os alemães orientais construíram através de Berlim, mas nenhum pio seu por causa do outro muro que dividiu o coração de Jerusalém.
Quando então, vinte anos depois, aconteceu o mesmo de novo e os árabes desencadearam sem provocação um furioso bombardeio sobre a Cidade Santa, alguém de vocês tomou alguma providência? Só depois que a cidade ficou definitivamente unida, vocês acordaram para a vida. Aí torceram as mãos e disseram grandiosas palavras sobre “direito” e falaram da ética “cristã”, especialmente quanto a estender a outra face!
A verdade, que vocês certamente conhecem intimamente, é que vocês prefeririam muito mais ver a cidade destruída do que vê-la nas mãos dos judeus. Por mais diplomáticas que as frases sejam torneadas, os antigos preconceitos transparecem em cada palavra.
Caso o retorno à cidade tenha criado emaranhados de dificuldades em sua teologia, seria o momento de reexaminar os seus catecismos. Depois de tudo que passamos, não aceitaremos passivamente as suas ideias distorcidas, segundo as quais teremos de suportar a permanente falta de uma pátria até que nos tornemos “cristãos”.
Pela primeira vez desde o ano 70 d.C. existe liberdade religiosa em toda a Jerusalém. Pela primeira vez desde que os romanos lançaram suas tochas incendiárias contra o templo há direitos iguais para todos. Abominamos a espada – mas vocês nos obrigaram a empunhá-la. Ansiamos por paz – mas não retornaremos à paz de 1948, conforme vocês exigem de nós.
Finalmente chegamos ao lar. Essa é uma sensação maravilhosa para nós como nação, depois que vocês nos forçaram a nos deslocar por toda a face desta terra. Não sairemos daqui. Saldamos o penhor dos nossos antepassados: Jerusalém será reedificada. Ano após ano e após ano e depois até o fim dos tempos – em Jerusalém!
Eliezer Ben Yisrael
Esta carta emocionada dirigida do fundo do coração ao mundo foi escrita em 1970. Nela, um judeu se manifesta representando o seu povo, que sofreu incrivelmente sob as nações chamadas “cristãs” durante a diáspora. A carta é hoje ainda tão atual como na ocasião em que foi escrita, há mais de 50 anos. Desde então, o mundo político não se modificou muito, Jerusalém continua sendo o pomo da discórdia das nações ou, como diz Zacarias, o “cálice de atordoamento” (Zc 12.2) – até que o Senhor conceda paz a Jerusalém! Por ocasião dos 75 anos da existência de Israel, lembremo-nos dessa promessa de Deus e oremos pela paz de Jerusalém (Sl 122.6).