Véu ou cobertura da cabeça

O que se pretende em 1Coríntios 11? Preciso como mulher cobrir minha cabeça no culto ou não?

Os versículos bíblicos em 1Co 11.5-16 já têm gerado muita discussão, divergências de opinião, conflitos e até cisões de igrejas. No entanto, era justamente isso o que Paulo queria evitar com toda ênfase! Ao examinar o texto, é preciso levar em conta que essa questão é um assunto marginal na fé cristã. O pai da igreja Agostinho comenta: “No essencial, unidade, no secundário, liberdade, mas em tudo amor!”. Com isso ele acertou bem no alvo, e então vamos considerar que, nessa questão, existem diferentes opiniões. Respeitando os outros, vamos abençoá-los ainda que talvez tenhamos opiniões diferentes nessa questão ou em outras.

Algumas informações sobre a situação: Corinto era uma cidade portuária fundada por Roma, com todas as características de tal situação. Sua população era composta em grande parte de escravos, ex-escravos e soldados aposentados do exército romano que viviam sua aposentadoria nessa guarnição militar romana. Tudo isso marcava a mente e o comportamento das pessoas. Além disso, Corinto também era conhecida por seu grande templo da deusa Afrodite, sua imoralidade e seu estilo de vida devasso. Além disso, seus numerosos escravos e libertos, e também os soldados aposentados, estavam habituados a claras estruturas de liderança e ordem. Assim, eles tinham algum desconforto com a recém-conquistada liberdade e não sabiam bem como lidar com ela conforme Paulo pregava por meio do evangelho (cf. a carta aos Gálatas).

Um outro importante aspecto a levar em conta era a mentalidade dos coríntios, marcada por uma noção dualista, o que representava a opinião de que aquilo que faço com meu corpo não influenciaria minha personalidade interior. Assim, podia acontecer de os crentes comparecerem embriagados à ceia do Senhor (1Co 11.21) e um crente poderia manter contato sexual com sua sogra sem que a comunidade cristã se escandalizasse com isso (1Co 5.1). Essa mal compreendida liberdade chegava ao ponto de se poder tranquilamente visitar as prostitutas cultuais de Afrodite para depois comparecer à mesa do Senhor. Para os coríntios, aquilo era um procedimento perfeitamente “normal”. Paulo, então, reage a essa mentalidade e a esses costumes com toda a sua autoridade apostólica e diz aos crentes em Corinto: “Vocês não sabem que o corpo de cada um de vocês é membro de Cristo? E será que eu tomaria os membros de Cristo e os faria membros de uma prostituta? De modo nenhum! Ou não sabem que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, ‘os dois se tornarão uma só carne’. Mas aquele que se une ao Senhor é um só espírito com ele. Fujam da imoralidade sexual! Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica imoralidade sexual peca contra o próprio corpo. Será que vocês não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo, que está em vocês e que vocês receberam de Deus, e que vocês não pertencem a vocês mesmos? Porque vocês foram comprados por preço. Agora, pois, glorifiquem a Deus no corpo de vocês” (1Co 6.15-20). Esse raciocínio errado, essa liberdade malcompreendida, a falta de conhecimento bíblico e também de maturidade espiritual foram os motivos que geraram os problemas na igreja em Corinto, levando-a ao seu procedimento ímpio.

Com essas informações sobre a situação, podemos agora compreender um pouco melhor o que se passava. As mulheres coríntias que se haviam convertido à fé em Jesus Cristo e que agora viviam na “liberdade de Cristo”, pensavam que poderiam fazer o que bem entendessem, que não precisavam mais se submeter às regras de uso e decência válidas em seu ambiente cultural, e que as regras válidas para o público não teriam mais importância para elas. Baseadas nisso, então, as mulheres casadas dispensavam o véu. Esse véu, porém, era o sinal do seu estado matrimonial e sinalizava que não estavam mais disponíveis, mas subordinadas a alguém outro. Estavam ligadas ao seu marido por seu compromisso matrimonial. No entanto, em sua equivocada “liberdade”, elas passavam a sinalizar que ainda estavam disponíveis, solteiras. Ainda se poderiam expor a olhares. Com isso, porém, elas afrontavam o que na época era o procedimento decente e escancaravam a porta ao pecado (vemos o resultado na situação catastrófica daquela igreja). Para acabar com isso, Paulo determinou que as mulheres casadas exibissem o sinal identificador da sua condição naquela época. Com isso elas diziam claramente: estou casada. Pertenço a um homem. Não estou mais disponível. Não ando brincando com o pecado! Fica claro, portanto, que na cultura coríntia o véu identificava a mulher casada. Assim como foi por muito tempo usual também na Europa que mulheres casadas usassem um capuz como sinal do seu estado civil.

Paulo cita mais um aspecto em sua argumentação ao perguntar aos coríntios em 1Co 11.14: “Ou a própria natureza não lhes ensina que é desonroso para o homem usar cabelo comprido?”. Novamente, Paulo se dirige explicitamente aos coríntios ao perguntar: “A própria natureza não lhes ensina...?”. Para os coríntios marcados pela cultura romana, era usual e honroso o homem usar cabelo curto, e a mulher, comprido. Honestamente, temos de dizer que a natureza não nos ensina nada sobre o comprimento do cabelo. Existem até países, como nas zonas muito quentes do Sahel, em que os cabelos das mulheres se rompem a partir de uma certo comprimento (apenas alguns centímetros). Se Paulo tivesse se referido aqui a uma lei geral da natureza, isso não deveria acontecer, mas essa “lei da natureza” deveria valer sempre e em toda parte. É interessante que as opiniões sobre o comprimento do cabelo variam conforme a cultura e as opiniões. Assim, por exemplo, os índios, inclusive os homens entre eles, muitas vezes usam cabelo comprido. Também os antigos chineses deixavam o cabelo crescer e o trançavam. Hudson Taylor, o conhecido missionário na China, tornou-se uma bênção depois que se adaptou à cultura do país hospedeiro. Ele despiu sua vestimenta ocidental, vestiu indumentária chinesa tradicional e deixou crescer uma trança. Além disso, falava chinês e com isso teve acesso àquelas pessoas, podendo assim conquistar milhares de chineses para Cristo.

Com isso quero enfatizar que tanto a cobertura da cabeça como o comprimento do cabelo são determinados pela cultura. No entanto, o que a Bíblia ensina inequivocamente é que em todas as culturas e épocas sempre existiram dois sexos – homem e mulher. Criados por Deus com especificidades sexuais, intencionalmente diferentes, com incumbências diferentes e responsabilidades diferentes. De acordo com isso, homens devem ser homens, e mulheres, mulheres, desempenhando os papeis e incumbências específicas do seu sexo, conforme Deus determinou.

Aqui, porém, surge agora uma grande dúvida naquilo que Paulo diz em 1Co 11.10: “Portanto, por causa dos anjos, a mulher deve trazer um sinal de autoridade na cabeça”. Argumenta-se então que a mulher precisa de fato ter uma autoridade sobre a cabeça, defendendo-se assim o véu. No entanto, deveríamos levar em conta que em todo o capítulo 11 trata-se de domínio – o domínio na área destinada a mim por Deus como homem ou como mulher.

Trata-se da questão sexual em si, que também em nossos dias se manifesta cada vez mais enfaticamente: sou mulher? Sou homem? E é bem nesse aspecto que Deus requer de nós a concordância plena com o modo pelo qual Deus nos imaginou e criou. Ou como homem, ou como mulher. Consigo dizer “sim” ao meu sexo? A como Deus me imaginou e criou? Consigo confirmar de todo o coração minha natureza, minha espécie, meu sexo e também minhas incumbências e responsabilidades? Se eu fizer isso, sinalizarei diante do mundo visível e invisível que concordo com o “domínio” que Deus me designou. Concordo com minha feminilidade ou com minha masculinidade e me disponho a desempenhar minha incumbência e o papel que Deus determinou para mim. Com isso estabelecerei um claro e visível sinal diante do mundo visível e invisível, inclusive diante do mundo dos anjos. Concordo com as decisões e caminhos de Deus, aceitando, preenchendo e exercendo as tarefas e os domínios atribuídos a mim, bem ao contrário do mundo angelical caído (e também das atuais tendências), que abandonaram as atribuições destinadas a eles ao rebelarem-se contra Deus e o seu propósito, perdendo assim sua área de domínio.

Se então eu concordar com os propósitos de Deus para a minha vida e o meu corpo ou sexo, serei um sinal visível para minha cabeça – para Cristo, e foi isso o que as mulheres e os homens de Corinto haviam perdido de vista. Para eles, o centro não era mais o Jesus crucificado, um risco que a igreja de Jesus sempre corre. Por isso, Paulo os adverte, mas ao mesmo tempo encoraja, a manter sempre somente Jesus Cristo no centro.

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Maio 2023

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