Neemias: Foco no Essencial

A reação de Neemias atribulado por seu povo em Jerusalém como exemplo para nós hoje.

Neemias, que vivia no exílio judeu, era copeiro a serviço do rei persa. Sua função era selecionar o vinho adequado para cada refeição e provar o alimento antes de servi-lo. Era, assim, uma pessoa de confiança do rei. É bem possível que o rei também discutisse problemas com ele, e o copeiro informava o rei sobre as opiniões e os boatos da corte. Certo dia, ele recebeu a notícia de que a vida dos seus patrícios em Jerusalém não ia bem. Relataram-lhe que “os restantes, os que sobreviveram ao exílio e se encontram lá na província, estão em grande miséria e humilhação. As muralhas de Jerusalém continuam em ruínas, e os seus portões foram destruídos pelo fogo” (Ne 1.3).

Diante disso, Neemias lançou seu foco sobre o essencial – nosso Deus e Pai. Vemos isso naquilo que moveu o seu coração. O que move o nosso coração revela o nosso foco. Como reagiremos ao receber uma notícia ruim e triste? O que ou quem procuraremos? Para onde fugiremos? Em tais situações, revela-se o que nos passa pelo coração.

Neemias focou em Deus. Ele se assentou e chorou perante o Senhor. Passou vários dias de luto, jejuando e orando; “Estejam atentos os teus ouvidos, e os teus olhos, abertos, para que atendas a oração do teu servo, que hoje faço diante de ti, dia e noite, pelos filhos de Israel, teus servos. Faço confissão dos pecados dos filhos de Israel, os quais temos cometido contra ti. Eu e a casa de meu pai pecamos” (Ne 1.6).

Nota-se aqui o anseio de Neemias em fazer Deus agir. Não em seu interesse, mas por causa do nome de Deus e por amor aos seus servos. Dia e noite ele orava. Neemias estava tão focado em Deus que Israel se tornou importante para ele. Por quê? Por ter sido e continuar sendo importante para Deus. Neemias sabia das promessas e dos propósitos divinos para o seu povo de Israel e, porque o plano de salvação de Deus era importante para ele, ele se entristeceu com o juízo sobre o seu povo, que aparentemente havia chegado ao fim da linha.

Afinal, Israel é portador de toda a profecia bíblica. Por isso o muro era tão importante para Neemias. Ele queria fazer o possível para garantir o cumprimento da profecia bíblica sobre o muro da cidade. Como lemos a Bíblia? Apenas aplicando-a a nós mesmos ou interessam-nos as ideias e os planos de Deus? Ser focado em Deus inclui isso.

Assim, o propósito mais importante para Neemias era tornar-se um com seus patrícios. Ele sofreu com eles de longe e incluiu a si mesmo na confissão dos seus pecados. Ele não pretendeu ser melhor que eles ou superior. Não se considerou justo, mas reconheceu a si mesmo como alguém que estava perdido sem o seu Senhor, ficando aquém da glória de Deus. Se olharmos para Deus, vemos a nós mesmos como num espelho. Reconhecemos a nós mesmos e confessamos nossos pecados.

Quando o nosso coração se agarrar a outras coisas, tornamo-nos insensíveis e embotados, passando a nos importar só com aquilo. Todavia, assim que tivermos o foco certo na nossa vida, assim que Deus, seu Filho e sua Palavra tiverem prioridade em todo o nosso ser, isso trará consequências positivas. Então os nossos patrícios, os irmãos na fé da igreja, o corpo de Cristo, serão importantes para nós. Então o coração será impregnado de amor, porque sabemos que Deus ama todos os seus filhos, assim como foi com Neemias e o povo de Israel.

Propósitos de vida

Nossos tempos são marcados pelo princípio de que “parar é retroceder”. Conhece essa frase? De fato, ela é boa e correta se quisermos progredir na vida. No entanto, qual é o nosso foco? Apenas a autorrealização? Quais são as nossas motivações, nossas metas, os propósitos da nossa vida?

Para Neemias, os propósitos do Senhor eram tão importantes que aquilo que o preocupava o fez parecer doente. “Então o rei me disse: ‘Por que o seu rosto está triste, se você não está doente? Isso tem de ser tristeza do coração!’ Então fiquei com muito medo” (Ne 2.2).

Observar que, do ponto de vista humano, o plano de Deus com seu povo de Israel e o cumprimento da profecia bíblica haviam emperrado, mexeu com sua substância. Afinal, Israel era o maravilhoso povo de Deus! Ele havia falado com os seus, operara milagres em meio a eles, libertara-os de situações críticas, cuidara sobrenaturalmente do suprimento de todas as suas necessidades e lhes prometera que seriam a peça central do reino messiânico na terra. Agora, porém, Jerusalém jazia destruída e os utensílios do templo foram roubados. Os remanescentes em Jerusalém viviam em condições horrorosas. Do ponto de vista da história sagrada e também da vida espiritual, a situação era desgastante para Neemias.

Para ele, os planos de Deus eram mais importantes que seus próprios desejos e sua vida. Quando então o rei o viu e perguntou o que poderia fazer por ele, Neemias pôde expor abertamente seu pedido. Nos desejos da nossa vida importa o foco da nossa visão. Neemias não desejava nada para si mesmo, mas “se for do agrado do rei, e se este seu servo encontrou favor em sua presença, peço que o rei me envie a Judá, à cidade onde estão os túmulos dos meus pais, para que eu a reconstrua” (Ne 2.5).

O foco de Neemias sobre a causa de Deus despertou nele o desejo de também servir a essa causa. Suas intenções de vida estavam sintonizadas com o plano de Deus. Ele queria reconstruir a cidade e sua muralha para que o povo pudesse viver em segurança. E aquilo não era apenas uma decisão emocional, mas fora tomada em oração (v. 4). Ser focado em Deus significa também expor-lhe decisões e dizer: “Senhor, desejo fazer isso e aquilo. Se for da tua vontade, aplaina-me os caminhos, ou então fecha-os”.

Se vivermos de acordo com a vontade de Deus, ele conduzirá nossos caminhos como fez com Neemias: tudo de que ele necessitava para o seu projeto praticamente caiu aos seus pés. Talvez isso nem sempre aconteça de imediato e do modo como imaginamos. Portanto, cabe dirigir o foco para o essencial, e então os propósitos de Deus se tornarão nossos desejos na vida e ele nos dará aquilo de que necessitamos.

Encarando desafios

Não demorou para que surgissem resistências à reconstrução das muralhas de Jerusalém. É provável que todos tenhamos experiências semelhantes em nossa vida. Quando nos colocamos à disposição de Deus, também surgem resistências. Como lidamos nós com as dificuldades, mesmo com aquelas bem comuns e diárias? Lançaremos mão dos nossos próprios recursos ou nos lembraremos de Deus em tais circunstâncias? “O nosso Deus está no céu e faz tudo como lhe agrada” (Sl 115.3). Se ele estiver a nosso favor, quem poderá opor-se a nós?

Quando, a certa altura, o povo de Israel passou a confiar em si mesmo e em outras pessoas em lugar de Deus, o Senhor disse em Oseias 4 que a verdadeira benção é quando pouco alimento basta para saciar. Deus é capaz disso. Ele o demonstrou por meio de seu Filho com dois peixes e cinco pães. E, em contraste a isso, em Oseias 4 Deus também alertou para o julgamento: quando as pessoas não se saciam apesar da abundância de alimento.

Sigamos o exemplo de Neemias, que encorajou seu povo a confiar em Deus apesar de todas as resistências: “Depois de fazer uma inspeção, levantei-me e disse aos nobres, aos magistrados e ao resto do povo: ‘Não tenham medo deles. Lembrem-se do Senhor, grande e temível, e lutem pelos seus irmãos, seus filhos, suas filhas, pelas mulheres e pela casa de vocês’” (Ne 4.14).

Encorajador e animador

No capítulo 8 do livro de Neemias, lemos que muitos do povo de Israel choraram quando Esdras e Neemias ensinaram o povo e pregaram a Palavra de Deus. Muitos começaram a chorar porque reconheceram seus próprios erros e pecados.

Nossas falhas e insuficiências podem desanimar-nos e nos fazer pensar que não somos suficientemente bons para Deus. No entanto, é graça quando o Espírito Santo nos mostra que os erros e pecados doem por estarmos tão impregnados do nosso Deus. Por isso, Neemias encorajou o povo: levantem-se, mãos à obra! Eles haveriam de celebrar a Festa dos Tabernáculos, uma festa de alegria. “Neemias, que era o governador, e Esdras, sacerdote e escriba, e os levitas que ensinavam o povo disseram a todos: ‘Este dia é consagrado ao Senhor, nosso Deus, e por isso vocês não devem prantear nem chorar’. Porque todo o povo chorava, ouvindo as palavras da Lei. Então lhes disse: ‘Agora vão, comam e bebam o que tiverem de melhor. E mandem porções aos que não têm nada preparado para si. Porque este dia é consagrado ao nosso Senhor. Portanto, não fiquem tristes, porque a alegria do Senhor é a força de vocês’” (Ne 8.9-10).

A palavra “força” também pode ser traduzida como “castelo seguro”. Neemias desviou o foco do próprio fracasso para a graça de Deus. Quando reconhecemos o que nós mesmos somos, teremos uma boa base para a alegria no Senhor e a sua graça. Não é o homem que é forte e bom, mas Deus, o misericordioso. Ele entregou seu Filho em nosso favor. Aos seus olhos, você é algo especial. Paulo chama o dom do Filho de Deus de inexprimível, um presente impossível de descrever com palavras. E ele confessa o “Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). Isso também se aplica a você e a mim. Ao crer em Cristo, você se torna filho de Deus e passa a pertencer à família mais próxima de Deus. Esse é o seu castelo seguro.

“Neemias desviou o foco do próprio fracasso para a graça de Deus.”

A Festa dos Tabernáculos lembra a presença de Deus em meio ao seu povo. A respeito dos membros do corpo de Cristo, Paulo diz: Cristo em vocês! Nenhum pecado é grande demais para ser perdoado por Deus em seu Filho. Assim, podemos assumir a declaração de Neemias de que a graça de Deus é a nossa força. E com esse foco também podemos animar outros – como Paulo disse a respeito de Filemom: “Pois, irmão, o seu amor me trouxe grande alegria e consolo, visto que o coração dos santos tem sido reanimado por você” (Fm 7).

Deus vê o alvo

Neemias dedicou-se inteiramente a Deus e o deixou agir, e o Senhor o usou para reconstruir Jerusalém e a muralha da cidade. Assim, Deus escreveu história sagrada por meio de Neemias.

Em Daniel 9, Deus promete 70 semanas-anos – ou seja, 490 anos – que ocorreriam na história de Israel. Uma semana-ano se compõe de sete anos, assim como uma semana tem sete dias. Esses 490 anos não são uma contagem regressiva para horrores que acontecerão neste mundo – embora muitas vezes nos concentremos nesses horrores que ainda virão. É claro que precisamos ser realistas, mas os 490 anos da história de Israel passarão até que irrompa o domínio mundial do Messias em paz e justiça. É isso que importa! O povo de Israel experimentará plena restauração (Dn 9.24). Esse é o bom objetivo de Deus: paz e justiça.

Sete semanas-anos e 62 semanas-anos passariam até chegar o Ungido, o Príncipe. Segundo o calendário judeu, isso são 483 anos – o período em que Jerusalém e o templo foram reconstruídos. No Domingo de Ramos, então, Jesus Cristo se apresentou como Príncipe, mas cinco dias depois ele foi exterminado – tal como Daniel profetizara. A partir de então, a 70ª semana-ano ainda está em aberto.

Deus usou Neemias para dar o pontapé inicial dessas semanas-anos nas quais o Senhor começou a cumprir seus objetivos com seu povo. Consideremos: havia aquela aflição de que Neemias foi informado. Aquilo o preocupou a ponto de ele parecer doente. Deus, porém, via o fim glorioso, e quando veio a ordem de reconstruir a muralha e a cidade – por volta de 445 a.C. – começou o período das semanas-anos.

“Saiba e entenda isto: desde que foi dada a ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até a vinda do Ungido, o Príncipe, haverá sete semanas e sessenta e duas semanas. As ruas e as muralhas serão reconstruídas, mas será um tempo de muita angústia” (Dn 9.25).

Deus enxerga o alvo em meio a um tempo de angústia: Neemias pôde literalmente lançar a pedra fundamental da construção da muralha com foco no nosso Senhor. Deus determinou um maravilhoso alvo para a vida de cada um dos seus filhos, mesmo se estivermos passando por alguma crise. Deus jamais desiste dos seus filhos, porque Cristo assentou para isso a pedra fundamental, a segurança.

Deus vê o alvo também na sua vida.

Philipp Ottenburg estudou teologia na Bibelschule Breckerfeld, Alemanha, e agora trabalha nos setores editorial e de vendas da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Maio 2023

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