A Carta aos Romanos: Capítulo XII
Quando foi a última vez que você se admirou com algo? Talvez com algum maravilhoso pôr do sol, majestosos picos de montanhas cobertos de neve, o rugido de uma cachoeira, ou talvez com a quietude de uma paisagem enevoada e intocada que envolvia tudo em um misterioso véu?
Paulo se admira ainda de outra coisa, a saber, da profundidade do evangelho de Jesus Cristo e da impossibilidade de compreendê-lo, de modo que ele exclama: “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!” (Rm 11.33a).
Paulo ficou abalado ao constatar que “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus. Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua enganam, veneno de víbora está nos seus lábios. A boca, eles a têm cheia de maldição e amargura; os seus pés são velozes para derramar sangue. Nos seus caminhos há destruição e miséria; eles não conhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante dos seus olhos” (Rm 3.10b-18).
Esse é o estado da nossa humanidade. Todos nós somos a todo tempo capazes de cometer algum pecado.
Em oposição a isso, porém, está o amor de Deus em seu Filho Jesus Cristo, que ele enviou a este mundo para nos reconciliar consigo. Isso se resume na declaração de que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
Deus amou o mundo de tal maneira que ele mesmo morreu por nós na pessoa de Jesus Cristo. Ele, o justo, em favor do injusto, o santo em favor do pecador. O puro paga pelo impuro.
Enquanto nós o esbofeteamos, cuspimos nele, batemos nele, o coroamos de espinhos e, por fim, o pregamos no madeiro da maldição, Jesus nos ama continuamente. Sim, ele morreu por nós quando nós ainda não queríamos ter nada com ele: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8).
Para Paulo, essa admiração com a obra de Deus resultou em dedicação, como uma reação ao amor de Deus. Ele ficou tão profundamente tocado, que isso gerou nele uma paixão e disposição de dedicar-se inteiramente a Jesus e à sua causa.
Dedicação admirada (v. 1-2)
Klaus Günter Pache disse certa vez: “A santidade de Deus transforma o nosso discipulado. Quanto melhor o conhecemos, tanto mais nos admiramos e tanto mais santa se torna nossa vida”.
Será que também eu me admiro com a obra de Jesus, com sua pessoa e seu caráter, com sua graça que se efetivou em minha vida? Admiro-me com o amor de Deus pelo pecador perdido que sou? Quanto mais nos admirarmos, tanto menos poderemos levar uma vida focada em nós mesmos, mas a colocaremos à disposição do Senhor Jesus para fazer o que Paulo diz: “Portanto, irmãos, pelas misericórdias de Deus, peço que ofereçam o seu corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês” (Rm 12.1).
A habitação do Espírito Santo
Hoje vivemos numa sociedade egocêntrica e focada no corpo. Como cristãos, porém, nosso corpo não pertence a nós, mas a Deus. Por isso não podemos simplesmente fazer com ele o que queremos, mas devemos nos perguntar se Deus pode sentir-se bem em nosso corpo.
Uma particularidade do templo veterotestamentário era a ampla visibilidade da presença de Deus: “A Casa do Senhor, se encheu de uma nuvem, de maneira que os sacerdotes não puderam permanecer ali para ministrar, por causa da nuvem, porque a glória do Senhor encheu a Casa de Deus” (2Cr 5.13-14). Essa nuvem era um sinal visível de que Deus habitava naquele templo.
Aos crentes neotestamentários, Paulo escreve: “Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?” (1Co 3.16). Deus só se sentirá à vontade em nosso corpo se também tratarmos ele de acordo com a sua Palavra.
Assim, Jesus diz sobre o nosso estilo de vida: “Tenham cuidado para não acontecer que o coração de vocês fique sobrecarregado com as consequências da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo” (Lc 21.34a); e, a respeito da adaptação a este mundo, Paulo adverte: “E não vivam conforme os padrões deste mundo, mas deixem que Deus os transforme pela renovação da mente, para que possam experimentar qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). Devemos sempre nos perguntar se algo é bom, se agradaria a Deus e se conduz ao alvo.
Em meu trabalho com jovens, muitas vezes ouço a pergunta: o que ainda posso, o que ainda é permitido? Tal atitude demonstra que Jesus ainda não me domina, mas que estou sujeito a alguma outra coisa. Por isso, a pergunta fundamental é: será que ainda me admiro com Jesus Cristo, com o seu evangelho, com a salvação que ele destinou a mim? Com a sua graça que ele dedica a mim? Com a sua misericórdia? Admiramo-nos com a esperança que ele concede, de podermos no futuro viver com ele em glória? Admiramo-nos com a grande salvação que ele concede a mim, o pecador perdido?
“Quanto mais Jesus habita em mim, tanto menos este mundo me interessa, e passo a desejar apenas uma coisa: colocar-me inteiramente à disposição dele.”
Quanto mais me admiro com ele, quanto mais Jesus habita em mim, tanto menos este mundo me interessa, e passo a desejar apenas uma coisa: colocar-me inteiramente à disposição dele.
A convivência amorosa na igreja (v. 3-8)
Infelizmente nem sempre nos colocamos inteiramente à disposição do nosso Senhor, razão por que Paulo escreve: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um de vocês que não pense de si mesmo além do que convém. Pelo contrário, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3).
Corremos o perigo de nos autoelogiarmos, de nos contentarmos com o que já alcançamos e até de nos tornarmos orgulhosos e arrogantes. Aqui, especialmente os “fortes” correm perigo, por terem a tendência de pensarem em si mesmos em nível superior ao que convém, olhando então com desprezo para os “mais fracos”. Por isso, Paulo apela para a moderação, no sentido de enxergar o irmão e a irmã como aquilo que são: redimidos, agraciados como filhos do único Pai e participantes da graça. Nessa graça somos todos um, já que somos todos salvos e justificados sem mérito próprio. Assim também devemos levar em conta que estamos todos sobre a mesma base, todos somos justificados pelo sangue de Jesus e temos todos o mesmo Senhor e, com isso, o mesmo alvo e a mesma esperança.
Uma imagem que a Bíblia adota com frequência para ilustrar o relacionamento de Jesus com sua igreja é a do corpo. A igreja é simbolicamente o corpo de Cristo. Ele é a cabeça, nós somos os membros. E, como no corpo humano nenhuma parte pode viver ou sobreviver sem a conexão com as outras, na igreja de Jesus dependemos uns dos outros. Ajudamos, complementamos e encorajamos uns aos outros e, se necessário, também nos admoestamos mutuamente, buscando assim o alvo comum da disseminação do evangelho de Jesus Cristo, a maravilhosa mensagem da redenção. Lembrando o que Corrie ten Boom disse certa vez, o que importa na igreja de Jesus “não é simpatia e antipatia, mas a afirmação mútua respeitosa e amorosa”. Nessa “mutualidade” amorosa, Deus concede diferentes dons para mútuo apoio e ajuda.
O dom da profecia
O sentido exato da palavra profecia é a transmissão da Palavra de Deus. É a proclamação da Palavra de Deus que discerne, revela e é aplicável a determinada situação com base no contexto geral da Bíblia. Com isso revelam-se o passado, o presente e o futuro. Significa interpretar a situação com base na Palavra de Deus, sabendo o que esta diz sobre o futuro, reconhecendo o tempo em que vivemos e, em consonância com as Escrituras, transmitir palavras de consolo, admoestação e encorajamento para a respectiva situação.
O dom de servir
Uma versão bíblica alemã diz isso de modo bem simples e singelo: “Outro está capacitado a assumir tarefas práticas, e deve aplicar esse dom”.
Quantas vezes esse ministério é subestimado! Servir como dom de Deus? O Senhor Jesus elogia esse dom ao extremo. Ele se destaca por fidelidade, dedicação e consciência do dever. São qualidades que enobrecem aquele que as exerce. A tal pessoa se aplica a maravilhosa promessa divina: “Muito bem, servo [escravo, ou até mesmo garçom] bom e fiel; você foi fiel no pouco, sobre o muito o colocarei; venha participar da alegria do seu senhor” (Mt 25.21).
Onde estaria hoje a igreja de Jesus sem todas aquelas pessoas que se dedicam a ajudar? Os auxiliares no cuidado das crianças, por trás dos bastidores, no serviço técnico, na manutenção predial, na limpeza dos sanitários? Todos esses dons têm origem divina e devem ser aplicados para o bem da igreja e para a glorificação de Deus. É interessante como na Bíblia os escravos e servos são enobrecidos, recebendo a promessa de uma herança maravilhosa.
O dom do ensino
Trata-se de saber conduzir os ouvintes à presença de Deus por meio de instrução bíblica, tal como aconteceu com aqueles discípulos a caminho de Emaús. Com base na Palavra de Deus, Jesus lhes expôs os contextos espirituais. Diante disso, o coração deles ardeu, cheio de alegria. É a alegria de subitamente conseguir reconhecer a totalidade. Fica-se admirado com a Palavra de Deus e a maravilha que se revela por meio dela. Para isso, a vida do instrutor deve ser coerente com o seu ensino e corresponder ao contexto geral da Bíblia: “As tuas palavras são em tudo verdade” (Sl 119.160).
Toda igreja precisa de irmãos que transmitam uma doutrina bíblica clara e cuja vida reflita a glória de Deus.
O dom da assistência espiritual
“O que exorta, faça-o com dedicação” (Rm 12.8a). O sentido exato do termo é de chamar alguém de lado para consolá-lo e encorajá-lo. Trata-se de animar a pessoa a prosseguir em sua caminhada com Jesus.
Barnabé (que significa “filho da consolação” – At 4.36) era um desses encorajadores e assistentes espirituais. Quando Paulo não conseguiu ter comunhão com a igreja depois de sua conversão, foi Barnabé quem se empenhou pela alma de Paulo e buscou uma solução.
Para o assistente espiritual, a Bíblia será sempre a base para sua atuação. Ele vive impregnado do amor e é movido por misericórdia, com toda a clareza e decisão necessárias. O objetivo disso não é criar dependência das pessoas, mas conduzi-las a um relacionamento correto com Deus. Esse cristão também fará isso dando o exemplo em seu próprio estilo de vida pessoal.
O dom da mediação e contribuição
“O que contribui, [faça-o] com generosidade” (Rm 12.8b). Contribuir ou doar faz parte da vida cristã e é fundamentalmente responsabilidade de todos. Todos devem ajudar a apoiar financeiramente e a edificar o reino de Deus. Há, porém, quem tenha uma habilidade especial para esse ministério por lhe terem sido confiados mais recursos financeiros do que a outros. Este, como administrador fiel, deve aplicar os bens que lhe foram confiados, antes de tudo para o bem dos irmãos na fé e para a promoção do evangelho.
“Se um irmão ou uma irmã estiverem com falta de roupa e necessitando do alimento diário, e um de vocês lhes disser: ‘Vão em paz! Tratem de se aquecer e de se alimentar bem’, mas não lhes dão o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” (Tg 2.15-16). “Ora, se alguém possui recursos deste mundo e vê seu irmão passar necessidade, mas fecha o coração para essa pessoa, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (1Jo 3.17).
Cristãos ricos são canais por meio dos quais Deus distribui o seu dinheiro por meio do apoio a missionários, projetos missionários e agências missionárias. Paulo caracteriza então esse serviço assim: “[Quem] contribui [oferta, apoia], [faça-o] com generosidade” (Rm 12.8b). Isso significa que todas essas dádivas devem ser oferecidas com retidão e sem segundas intenções. Quem oferece, deve fazê-lo como ao Senhor, e quem recebe deve aplicar essas dádivas em responsabilidade perante Deus. Se não for assim, aquilo rapidamente desandará em política de poder, o que prejudicará a igreja de Jesus.
O dom de assumir responsabilidade
“O que preside, [faça-o] com zelo” (Rm 12.8c). Liderar uma igreja é um dom de Deus. Significa assumir responsabilidade, presidir os santos liderando-os de modo bíblico, de forma amorosa e altruísta, com grande empenho e zelo, prestando assistência e com plena dedicação.
“Liderar uma igreja é um dom de Deus. Significa assumir responsabilidade, presidir os santos liderando-os de modo bíblico, de forma amorosa e altruísta, com grande empenho e zelo, prestando assistência e com plena dedicação.”
Paulo diz: “Vocês sabem como me conduzi entre vocês em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na província da Ásia, servindo o Senhor com toda a humildade, com lágrimas e com as provações que me sobrevieram pelas ciladas dos judeus. Vocês sabem que jamais deixei de anunciar o que fosse proveitoso e de ensinar isso a vocês publicamente e também de casa em casa, testemunhando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.18-21).
Importa nisso anunciar toda a orientação de Deus: “Porque jamais deixei de lhes anunciar todo o plano de Deus” (At 20.27). Não é sem motivo que Paulo escreve a Timóteo, seu filho espiritual: “Mantenha o padrão das sãs palavras que de mim você ouviu com fé e com o amor que há em Cristo Jesus” (2Tm 1.13).
Um líder de igreja deve orientar-se rigorosamente pela doutrina bíblica no contexto geral daquilo que a Bíblia diz. Paulo escreve que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino” (2Tm 3.16). A Bíblia inteira, Antigo e Novo Testamentos, tem autoridade para proclamar e ensinar. Somente quando isso é feito fielmente, o crente individual e também a igreja de Jesus podem crescer espiritualmente e sobreviver.
O dom de exercer misericórdia
“Quem exerce misericórdia, com alegria” (Rm 12.18d). Trata-se do dom de cuidado amoroso e tratamento de enfermos, debilitados e idosos. Dito figuradamente: com semblante alegre. O objetivo é restaurar o miserável e oferecer compaixão ao sofredor.
Friedrich von Bodelschwingh expressou isso assim: “Quem experimentou o amor redentor também pode exercer o amor salvador, e quem vive da misericórdia pode expressar misericórdia”.
Instruções práticas (v. 9-21)
Como cristãos, devemos viver de modo condizente. Quanto mais estivermos impregnados de Jesus, tanto mais poderemos aplicar essas instruções práticas também na nossa vida.
Quanto a “abençoem aqueles que perseguem vocês; abençoem e não amaldiçoem” (Rm 12.14), a obra missionária Portas Abertas, em um relato de 22 de janeiro de 2015 sobre o Níger, disse o seguinte:
“Depois da publicação da nova edição da revista Charlie Hebdo, irrompeu no país em 16 de janeiro uma onda nunca vista de violência contra os cristãos. Com início em Zinder, a segunda maior cidade do país, também ocorreram agressões violentas na capital Niamey e em outras localidades. Até o momento registrou-se a destruição de 72 igrejas, sete escolas cristãs, trinta casas de cristãos e várias residências pastorais. Foi necessário cancelar cultos por causa do extremo risco para os cristãos. Pelo menos dez pessoas perderam a vida. ‘O que os cristãos fizeram para merecer isso?’, o presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, confrontou aqueles muçulmanos violentos numa transmissão pela televisão. ‘O que os cristãos no Níger fizeram para merecer isso? Onde cometeram injustiças contra vocês?’ O pastor Sani Nomau dirigiu-se aos cristãos do país num comovente apelo: ‘Apelo a cada crente individual a perdoar e a esquecer e a amar os muçulmanos de coração sincero e a seguir a Cristo com todo amor. Digo isso com lágrimas nos olhos. Tudo isso é muito doloroso e difícil, mas nós somos filhos de Deus. Temos de amar aqueles que nos perseguem e convidá-los para as nossas casas. Vamos alimentá-los quando estiverem famintos e lhes dar de beber quando tiverem sede. Somos gente de paz. Ninguém deve buscar retribuição. O Senhor está do nosso lado nesses mementos difíceis. Muçulmanos no Níger – amamos vocês com o amor de Cristo!’”.