Israel em Cantares
Cantares ou o Cântico dos Cânticos pode ser lido e entendido de três maneiras: (1) como descrição literal do amor de Salomão por sua noiva sulamita; (2) é uma analogia do relacionamento do Messias com Israel, o povo de sua aliança; (3) seria uma parábola sobre Jesus e sua igreja.
Certamente a primeira interpretação é essencial. Mesmo assim, porém, podemos presumir que o Espírito Santo também aplica o Cântico dos Cânticos em termos da história sagrada. Podemos enxergar nele a história profética e o futuro de Israel, que termina com as bodas do Cordeiro: “Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque chegou a hora das bodas do Cordeiro, e a noiva dele já se preparou” (Ap 19.7). O que também pode muito bem ser espiritualmente aplicado a nós.
O primeiro amor
“Beije-me com os beijos de sua boca! Porque o seu amor é melhor do que o vinho... Leve-me com você!... O rei me introduziu nos seus aposentos. Exultaremos e nos alegraremos por sua causa; do seu amor nos lembraremos, mais do que do vinho...” (Ct 1.2,4).
O encontro de Deus com Israel é uma pura história de amor com todos os altos e baixos. É um amor único, maravilhoso, misterioso e incomparável.
É um amor extremamente dedicado; de nenhum povo Deus se aproximou tanto como de Israel. O amor de Deus é pessoal e íntimo, cheio de anseio e séria dedicação: “Beije-me com os beijos de sua boca...” (1.2). Você ainda se lembra do seu primeiro beijo?
O amor de Deus excede tudo e oferece infinitamente mais do que aquilo que o mundo nos pode dar: “Porque o seu amor é melhor do que o vinho” (1.2). O vinho é expressão de alegria, comunhão e sensualidade. O vinho também representa preciosidade e riqueza, e apesar de encontrarmos partes de tudo isso no mundo, ele nunca alcança aquilo que o Senhor nos oferece.
O que Deus concedeu a Israel superou tudo. Talvez seja por isso que o Cântico dos Cânticos ganhou essa designação no hebraico – porque o amor nele descrito supera de longe tudo o mais.
O amor de Deus é poderoso: “Leve-me com você! Vamos depressa! O rei me introduziu nos seus aposentos” (1.4).
O amor sempre é atraente. Ele não permite pensar em mais nada. O amor sequestra. O amor busca a proximidade do amante.
O amor de Deus por meio de Jesus Cristo nos atrai para a mais íntima comunhão com Deus. Ele quer abraçar-nos totalmente, segurar-nos e incluir-nos naquilo que é de Deus – em seus aposentos, sua santa habitação. Tudo isso Israel experimentou. Contudo, o amor também sempre será contestado. Não é raro que o amor inclua lutas.
O abandono do primeiro amor e as consequências disso
“Mas a minha vinha, que me pertence, não a guardei” (Ct 1.6c).
Essa é uma confissão muito amarga. Sempre é doloroso quando não prestamos atenção, não vigiamos e não fazemos mais nada em favor do primeiro amor – tanto no casamento quanto em nosso relacionamento com o Senhor.
A noiva estava dedicada a seguir o seu noivo, mas com o tempo tornou-se negligente e abandonou o primeiro amor. Isso lembra as palavras de Jeremias, que Deus dirigiu a Israel: “Lembro-me... da sua afeição quando era jovem, do seu amor quando noiva e de como você me seguia no deserto, numa terra que não é semeada” (Jr 2.2).
Qual foi a consequência de a noiva não cuidar da sua vinha, abandonando o primeiro amor? Isaías diz:
“Agora cantarei ao meu amado o seu cântico a respeito da sua vinha. O meu amado teve uma vinha numa colina fértil. Ele cavou a terra, tirou as pedras e plantou as melhores mudas de videira. No meio da vinha ele construiu uma torre e fez também um lagar. Ele esperava que desse uvas boas, mas deu uvas bravas. E agora, ó moradores de Jerusalém e homens de Judá, peço que julguem entre mim e a minha vinha... E agora lhes darei a conhecer o que pretendo fazer com a minha vinha: vou tirar a cerca que está ao redor, para que a vinha sirva de pasto; derrubarei o seu muro, para que ela seja pisoteada. Farei dela um lugar abandonado...” (Is 5.1-6).
Primeiro vieram os assírios (722-720 a.C.), conquistaram Israel e deportaram os habitantes. Mais tarde, os babilônios conquistaram Judá e, em 586 a.C., tiraram do povo de Deus Jerusalém e o templo. Com isso, o candelabro e o templo no qual ardia a Menorá foram removidos do seu lugar.
Isso nos lembra a carta dirigida à igreja de Éfeso: “Tenho, porém, contra você o seguinte: você abandonou o seu primeiro amor. Lembre-se, pois, de onde você caiu. Arrependa-se e volte à prática das primeiras obras. Se você não se arrepender, virei até você e tirarei o seu candelabro do lugar dele” (Ap 2.4-5).
Quem abandona o primeiro amor, não ilumina mais. O amor sempre é a chama que arde e emana calor.
O amor do Senhor não deixa Israel cair
“O seu rosto fica lindo com os enfeites, o seu pescoço, com os colares. Faremos para você enfeites de ouro, com incrustações de prata” (Ct 1.10-11).
“Quem abandona o primeiro amor, não ilumina mais. O amor sempre é a chama que arde e emana calor.”
Quem quer reavivar um amor, muitas vezes dá presentes – e com que abundância o Senhor nos presenteou! O ouro representa na Bíblia a glória divina, e a prata, a redenção. Com a redenção por meio do nosso Senhor podemos ser glorificados. Permitamos então que o amor de Jesus volte a nos atrair.
No Novo Testamento lemos sete parábolas sobre o reino dos céus. A sexta dessas parábolas fala de uma pérola: “O Reino dos Céus é também semelhante a um homem que negocia e procura boas pérolas. Quando encontrou uma pérola de grande valor, ele foi, vendeu tudo o que tinha e comprou a pérola” (Mt 13.45-46).
No início da história de Israel, quando Deus elegeu seu povo (Ez 16.11), consta que o Senhor adornou sua esposa e lhe colocou um colar no pescoço. Ao término da história de Israel vemos a Jerusalém celestial, a cidade que tem doze portas, cada uma feita de uma pérola (Ap 21.12,21).
O começo e o fim da história de Israel estão adornados com a imagem da pérola. O Senhor deu tudo por essa pérola a fim de poder adquiri-la para si.
A primeira vinda de Jesus
“Enquanto o rei está assentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume” (Ct 1.12). “Ele me levou à sala do banquete, e o seu estandarte sobre mim é o amor” (Ct 2.4).
O primeiro sinal que Jesus ofereceu no início do seu ministério na terra ocorreu num casamento – uma festa do amor. Nas bodas de Caná, ele transformou água no melhor dos vinhos (Jo 2.1-11), e, enquanto Jesus esteve nesta terra em comunhão à mesa com seus discípulos, seu perfume se transmitiu a eles e deles a outros.
Os discípulos representam o verdadeiro Israel. Pelo poder do seu Senhor eles tinham autoridade. Sem ele, nada podiam fazer, mas com ele tudo era possível. No entanto, ao ler no Cântico dos Cânticos “enquanto o rei está assentado à sua mesa” (Ct 1.12), vemos com isso também a alusão de que ele não permaneceria com eles para sempre. Ele deixaria o seu povo quando fosse rejeitado.
Com o tempo formou-se uma igreja composta de judeus e gentios. Nela se preserva um remanescente de Israel (Rm 11.5), e essa igreja aguarda com grande e amoroso anseio o retorno do seu Senhor.
Visando ao seu retorno
“Ouço a voz do meu amado. Eis que ele vem... O meu amado fala e me diz: Levante-se, minha querida, minha linda, e venha comigo” (Ct 2.8-10), e: “A figueira começou a dar seus figos, e as vinhas em flor exalam o seu aroma. Levante-se, minha querida, minha linda, e venha comigo” (Ct 2.13).
Desde que o noivo celestial se ausentou, seu retorno tem sido anunciado e esperado. Um dos sinais do seu retorno iminente é a figueira: “Aprendam a parábola da figueira: quando já os seus ramos se renovam e as folhas brotam, vocês sabem que o verão está próximo” (Mt 24.32). Lucas acrescenta que então o Reino de Deus estará próximo (Lc 21.31).
Israel voltou a marcar presença como figueira, mas ainda não despertou. Ainda não brotam folhas. Isto só acontecerá durante a tribulação, mas é claro que, para isso, a figueira precisa primeiro existir.
A noite da grande tribulação
Durante esse período de tribulação, mais um remanescente de Israel o encontrará.
“De noite, na minha cama, busquei o amado de minha alma; busquei-o, mas não o achei. Eu me levantarei agora e rodearei a cidade, pelas ruas e pelas praças; buscarei o amado da minha alma. Busquei-o, mas não o achei. Os guardas, que rondavam a cidade, me encontraram. Então lhes perguntei: ‘Vocês viram o amado da minha alma?’ Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha alma. Agarrei-me a ele e não o deixei ir embora, até que o fiz entrar na casa de minha mãe e no quarto daquela que me concebeu” (Ct 3.1-4).
Os judeus começarão a buscar o Senhor, mas pessoa nenhuma poderá ajudá-los. Finalmente, acabam por encontrá-lo sem ajuda humana. “Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha alma...”. Basta lembrar a aplicação do selo nos 144 mil de Apocalipse 7. É evidente que são selados sem concurso humano. Depois, eles o seguram e se preparam para as bodas: “... não o deixei ir embora, até que o fiz entrar na casa de minha mãe...”. É como diz Apocalipse 19.7: “... a noiva dele já se preparou”.
Cântico dos Cânticos 4 descreve o amor do noivo pela sua noiva e o anseio de ambos pela união. Todavia, antes disso ocorre uma grande provação, válida para todos os tempos. Ela se aplica ao casamento, ao remanescente crente de Israel e à igreja.
“Eu dormia, mas o meu coração estava acordado. Eis a voz do meu amado, que está batendo: ‘Deixe-me entrar, meu amor, minha querida, minha pombinha sem defeito, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, e os meus cabelos, das gotas da noite’. Já tirei a minha túnica! Como posso vesti-la outra vez? Já lavei os pés! Como voltar a sujá-los?” (Ct 5.2-3).
Aqui ressoa o chamado da meia-noite: “Eis o noivo! Saiam ao encontro dele!” (Mt 25.6).
O noivo esteve a caminho o tempo todo. Ele defendeu sua noiva, agiu, trabalhou e orou por ela. Presenteou-a, elogiou-a e honrou-a. Representou-a e defendeu-a. Nunca deixou seu amor esmorecer. Ela, porém, se acomodara. Não queria mais se esforçar, não queria se vestir novamente e estava satisfeita com seus pés lavados. O conforto do seu próprio corpo era prioritário. Pensei aqui nas admoestações às igrejas em Apocalipse.
Disso resultou uma grande aflição íntima: “O meu amado meteu a mão pela fresta, e o meu coração estremeceu. Eu me levantei para abrir a porta ao meu amado. As minhas mãos destilavam mirra, e os meus dedos deixavam escorrer mirra preciosa sobre a tranca da porta. Abri a porta ao meu amado, mas ele já tinha se afastado e ido embora. Eu tinha estremecido, quando ele me falou. Busquei-o, mas não o achei; chamei-o, mas ele não respondeu. Os guardas, que rondavam a cidade, me encontraram; eles me espancaram e me feriram; os guardas das muralhas tomaram o meu manto. Filhas de Jerusalém, jurem: se encontrarem o meu amado, digam que estou morrendo de amor” (Ct 5.4-8).
Embora em seu amor o Senhor não desista, ele também lança mão de medidas educativas. Assim, ele diz aos laodicenses: “Eu repreendo e disciplino aqueles que amo. Portanto, seja zeloso e arrependa-se. Eis que estou à porta e bato...” (Ap 3.19-20).
Não é o egoísmo que precisa ser tratado, mas o amor. A negligência no amor causa muitas dores. Mas onde o amor se estende, a cura transparece.
Acaso com o tempo você excluiu o Senhor porque outras coisas se tornaram mais importantes? Ele continua procurando acesso a você.
Israel ainda passará por uma noite profunda. Será espancado e perseguido. Tentarão roubar o seu “manto”, ou seja, o que o protege. Também os ataques verbais aumentarão: “‘O que é que o seu amado tem que os outros não tenham, ó mais bela das mulheres? O que é que o seu amado tem que os outros não tenham, para que você nos faça jurar?’ O meu amado é alvo e rosado, o mais destacado entre dez mil” (Ct 5.9-10).
As cores do amado, alvo e rosado, representam a justiça e a redenção pelo sangue do Senhor. Jesus é incomparável. “O seu falar é muito suave; sim, ele é totalmente desejável. Assim é o meu amado, assim é o meu esposo, ó filhas de Jerusalém” (Ct 5.16).
O final feliz
“Quem é esta que vem subindo do deserto, apoiada em seu amado?” (Ct 8.5).
Segundo Apocalipse 12, um remanescente de Israel encontra refúgio no deserto, onde será guardado e suprido pelo Senhor por 1 260 dias. Ao final, o Senhor trará em triunfo seu povo do deserto para levá-lo ao reino messiânico. Então, Israel se apoiará somente no Senhor e não mais em sua própria força (Zc 4.6).
“Naquele dia, os restantes de Israel e os da casa de Jacó que tiverem escapado nunca mais se apoiarão naquele que os feriu, mas se apoiarão no Senhor, o Santo de Israel” (Is 10.20).
No final, o amor terá vencido
“A história de Israel começou com o amor de Deus e terminará no amor, para então permanecer eternamente.”
“As muitas águas não poderiam apagar o amor; nem os rios, afogá-lo. Ainda que alguém oferecesse todos os bens da sua casa para comprar o amor, receberia em troca apenas desprezo” (Ct 8.7).
A história de Israel começou com o amor de Deus (Ez 16.8; Dt 7.7-8; Rm 11.28) e terminará no amor, para então permanecer eternamente.
O amor cobre a multidão dos pecados (1Pe 4.8). O amor não desiste – sempre toma novo impulso: “Com amor eterno eu a amei; por isso, com bondade a atraí” (Jr 31.3). O amor é o bem supremo que excede tudo o mais (1Co 13).
No início do Cântico dos Cânticos lemos: “... mas a minha vinha, que me pertence, não a guardei” (Ct 1.6). E o fim da história diz: “A minha vinha, que me pertence, dessa cuido eu!” (Ct 8.12a).
Israel recuperará tudo – Deus seja louvado eternamente!