Os Manuscritos do Antigo Testamento São Confiáveis?
RECADO DO EDITOR SEBASTIAN STEIGER
O texto a seguir é o 26º capítulo do livro Guia Geral da Apologética Cristã, primeiro lançamento da Chamada de 2023. Com 75 capítulos no total, divididos em oito partes – questões sobre (1) apologética e verdade, (2) Deus, (3) Jesus, (4) Bíblia, (5) ciência e fé, (6) cristãos, interessados e céticos, (7) cosmovisões e (8) apologistas do passado –, esta obra é ideal para quem deseja ter, num só lugar, informações sucintas e fundamentadas para entender melhor a fé cristã.
Editado por Joseph M. Holden, o livro contém a colaboração de diversos autores, cada um escrevendo capítulos específicos de acordo com sua especialidade. Norman Geisler, Josh McDowell, Sean McDowell, Ed Hindson, Ron Rhodes, J. Randall Price, Randy Alcorn, Dillon Burroughs e H. Wayne House são apenas alguns dos nomes presentes nesta obra.
Se você se interessa por apologética ou deseja saber mais dessa área tão importante, este livro é uma ótima maneira para começar ou continuar a se aprofundar no assunto. Certamente será um grande auxílio em suas conversas com incrédulos sobre sua fé e em campanhas de evangelismo, bem como nos diálogos com outros membros de sua igreja sobre as diversas áreas da teologia.
Trinta e nove livros compõem o que hoje chamamos de Antigo Testamento. Esses livros foram escritos durante um período de quase um milênio, de 1400 a.C. a 400 a.C. Isso suscita uma questão crucial: como conseguimos esses 39 livros? E eles são confiáveis em sua reivindicação de serem a Palavra de Deus?
Como chegamos ao Antigo Testamento?
Esses 39 livros chegaram até nós exatamente como Hebreus 1.1 explicou: “... Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas”. Portanto, as “muitas vezes” cobriram o longo período desde os dias de Moisés e os mil anos seguintes até o último livro do Antigo Testamento ser concluído – o livro de Crônicas.[1]
Da mesma forma, as muitas ou “várias maneiras” podem ser vistas em tudo, desde Deus falando “face a face” (i.e., ele falou diretamente) a Moisés em Números 12.6-8; ou a vários salmistas, como o rei Davi em letras inspiradas; ou pelos profetas por meio de visões, sonhos e a revelação de sua palavra. Além disso, no que é considerado por muitos o livro mais antigo da Bíblia, Jó, Deus falou com Jó sobre dor e sofrimento à luz da sua bondade e do seu poder. Posteriormente, o restante dos 38 livros que formam o que é conhecido como Antigo Testamento seguiu o livro de Jó.
Os escritores do Antigo Testamento usaram fontes?
Na composição da primeira parte da revelação divina, não devemos nos surpreender pelo fato de que Deus também fez que seus escritores da Bíblia empregassem fontes enquanto escreviam. Por exemplo, Lucas 1.1-4 atesta que Lucas usou inúmeras fontes que estavam disponíveis para ele ao escrever a narrativa da vida e dos tempos de Jesus de Nazaré.
No entanto, há dois casos excepcionais em que somos expressamente ensinados que o registro inspirado nas Escrituras veio diretamente do próprio “dedo” de Deus, como Moisés nos ensinou cuidadosamente: “Quando o Senhor terminou de falar com Moisés no monte Sinai, deu-lhe as duas tábuas da aliança, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus” (Êx 31.18).
Em outro lugar, o Senhor ensinou: “Essas foram as palavras que o Senhor falou a toda a assembleia de vocês, em alta voz, no monte, do meio do fogo, da nuvem e da densa escuridão; e nada mais acrescentou. Então as escreveu em duas tábuas de pedra e as deu a mim.” (Dt 5.22)
Israel entendeu que os Dez Mandamentos representavam as próprias palavras de Deus para o povo, pois comentaram: “O Senhor, o nosso Deus, mostrou-nos sua glória e sua majestade, e nós ouvimos a sua voz vinda de dentro do fogo” (v. 24).
O segundo momento excepcional foi quando o Senhor se comunicou de uma forma direta no livro de Daniel. Isso aconteceu quando Deus escreveu sua mensagem diretamente na parede do salão de banquetes do rei Belsazar da Babilônia: “Mas, de repente apareceram dedos de mão humana que começaram a escrever no reboco da parede, na parte mais iluminada do palácio real. O rei observou a mão enquanto ela escrevia. Seu rosto ficou pálido, e ele ficou tão assustado que os seus joelhos batiam um no outro e as suas pernas vacilaram” (Dn 5.5-6).
Como esse rei pagão não humilhou seu coração diante de Deus nem o honrou, seus dias chegariam ao fim, como indicava a mensagem, e o Império Babilônico deixaria de existir!
Podemos mostrar que as reivindicações de autoridade divina são precisas e confiáveis?
Até agora, abordamos o fato de que Deus empregou muitas maneiras diferentes em muitos momentos diferentes para anunciar sua palavra aos mortais na terra. Mas isso não aborda a questão de quão confiáveis essas alegações eram. Além disso, a transmissão textual do Antigo Testamento por três milênios é outra causa de profunda preocupação se quisermos falar sobre a confiabilidade do texto. Isso leva a perguntas como: quem escreveu esses textos? Quem os copiou? Quais métodos eles usaram para garantir a integridade do que escreveram, copiando à mão com precisão as palavras contidas no autógrafo original (i.e., o primeiro documento que veio da mão do autor)?
Para começar a responder a essas perguntas, precisamos reconhecer as limitações impostas aos estudiosos setenta anos atrás, antes de descobertas mais recentes. Naquela época, havia apenas três fontes de comparação: (1) o Pentateuco Samaritano, (2) a Septuaginta Grega e (3) o Papiro Nash datado por volta de 1000 d.C. No entanto, com a sensacional descoberta dos manuscritos do mar Morto de 1946-1947, nossas evidências melhoraram, saltando no tempo de cerca de 1000 d.C. para, em alguns casos, o século III a.C. (muito mais próximo dos documentos originais do Antigo Testamento). Isso foi baseado em cerca de novecentos exemplares de textos bíblicos hebraicos do Antigo Testamento, variando de 50 d.C. a 250 a.C.
Ainda mais fascinante foi a descoberta de um minúsculo pergaminho de prata ao sul de Jerusalém, ao lado do vale de Hinom, que continha a bênção aarônica de Números 6.24-26 e datado do século VII ou VI a.C. O pergaminho foi redigido em uma escrita protocananeia (ou paleo-hebraica) e usado ao redor do pescoço como um amuleto na forma de um sinete.[2] O texto hebraico inscrito nesse rolo era, praticamente, palavra por palavra igual ao que foi transmitido desde os dias de Moisés até nossos dias no século XXI!
No livro de Isaías encontrado entre os manuscritos do mar Morto temos outro exemplo notável da pureza da transmissão ao longo dos séculos. Ele representa um estado inacreditavelmente perfeito de preservação, desde um autógrafo do século VIII (original) até nossos dias atuais. Curiosamente, em todo o manuscrito de Isaías, de 66 capítulos, descobriu-se que apenas três palavras hebraicas exibiam uma grafia diferente daquela encontrada em nossas cópias atuais. Essa é uma confirmação fascinante da cópia manual precisa de um livro bíblico que contém cerca de 100 ou mais páginas de texto hebraico! Embora este tenha sido o nosso melhor exemplar (comparado a outros textos hebraicos que tiveram mais variações), ainda é extremamente notável a maneira pela qual esse texto nos foi transmitido com precisão – um nível de precisão incomparável em documentos da história antiga!
Quem ou quais critérios decidiram que livros poderiam ser incluídos nas Escrituras?
Uma das porções de desinformação mais populares, que foi afirmada com muita frequência por muitos estudiosos nos últimos dois séculos, é que um grupo de estudiosos rabínicos compareceu a um concílio judaico realizado em Jamnia (90 d.C., também conhecida como Jabné), Israel, para decidir quais livros deveriam ser incluídos no Antigo Testamento.[3] No concílio, o rabino Yochanan ben Zakai, que havia escapado anteriormente do cerco de Jerusalém, recebeu permissão para montar uma escola que funcionava como o Sinédrio. Porém, três advertências devem ser observadas com relação à ação que essa escola tomou acerca de dois livros do Antigo Testamento – Eclesiastes e Cântico dos Cânticos: (1) suas deliberações não tinham autoridade vinculativa; (2) apenas os livros de Eclesiastes e Cântico de Cânticos foram discutidos, embora nada tenha sido concluído sobre sua canonicidade, porque a discussão centrou-se apenas em sua interpretação; e (3) os livros que esse concílio reconheceu como canônicos (autoritativos) em ações subsequentes foram os mesmos que os encontrados nas obras do historiador judeu secular Josefo, bem como nos de nossas atuais Bíblias. Jack Lewis comentou sobre essa longa história de informações erradas ao escrever: “Parece que a afirmação frequentemente feita de que uma decisão vinculativa foi tomada em Jabné [também Jamnia], cobrindo todas as Escrituras, é, na melhor das hipóteses, conjectural”.[4]
É digno de nota que houve uma cadeia contínua de elogios à contribuição de seus predecessores às Escrituras. Por exemplo, 1Crônicas 29.29 afirma que a história de Davi foi escrita nos livros dos profetas Samuel, Natã e Gade. Outro aviso existe em 2Crônicas 9.29 de que a história de Salomão foi escrita pelos profetas Natã, Aías e Ido. Da mesma forma, a obra do rei Roboão foi escrita pelos profetas Semaías e Ido (2Cr 12.15), enquanto a história do rei Abias foi escrita pelo profeta Ido (2Cr 13.22). Essa conexão verificável de versículos em Crônicas[5] mostra que os profetas passaram o bastão de um para o outro, estabelecendo assim um fluxo constante de eventos históricos e teologia. Como tal, também significava que havia um reconhecimento progressivo do que era uma palavra oficial de Deus.
E tem mais! Em Daniel 9.2, o profeta Daniel explicou que a profecia de Jeremias (Jr 25.11-12), que foi escrita apenas cem anos antes, era ao mesmo tempo a “palavra do Senhor” e fazia parte das “Escrituras”. Além disso, Daniel citou Jeremias nesse texto, ao prever que o cativeiro do povo judeu duraria setenta anos. Daniel leu que os setenta anos estavam prestes a chegar ao fim e esperava que Deus fosse fiel à sua palavra e libertasse Israel do cativeiro.
Da mesma forma, o profeta Jeremias tratou a profecia de Miqueias da mesma maneira, mesmo que Miqueias tenha precedido Jeremias em 125 anos; Jeremias anunciou que a previsão de Miqueias de que Jerusalém seria arada como um campo seria cumprida (cf. Jr 26.18; Mq 3.12). Assim, mais uma vez, um profeta posterior certificou a veracidade e confiabilidade do que um profeta anterior havia dito nas Escrituras e, em alguns casos, foi capaz de testemunhar o cumprimento real dessa predição, garantindo assim sua origem divina!
A tríplice divisão do cânon
Tanto o historiador do povo judeu Josefo quanto o próprio Jesus usaram a tríplice divisão do Antigo Testamento: a “Lei de Moisés, [os] Profetas e [os] Salmos” (Lc 24.44). Embora também houvesse outras referências a um resumo diferente do Antigo Testamento como contendo apenas duas divisões, geralmente “a Lei e os Profetas” (Lc 16.16-17; veja tb. Mt 5.17), parecia haver um uso mais amplo da divisão tríplice. Por exemplo, o livro não canônico e apócrifo de Eclesiástico recorreu à mesma divisão tríplice do Antigo Testamento em seu prólogo em 132 a.C. O significado dessa divisão em três partes é que ela permite que os pesquisadores projetem o conceito do cânon atual do Antigo Testamento até o século II a.C. Assim, com o reconhecimento progressivo de quais livros eram oficiais, como mostra a cadeia de referências dos profetas, aqui haveria mais um, mesmo se houvesse uma formalização posterior do mesmo conceito canônico.
Ademais, Moisés colocou os livros que havia escrito perante o Senhor no tabernáculo (Dt 31.26), com Josué fazendo a mesma coisa (Js 24.26). Mais tarde, o profeta Samuel escreveu “as leis do reino” em um pergaminho e também os depositou “perante o Senhor” (1Sm 10.25). Assim, a colocação desses escritos diante do Senhor (no templo) indicava a enorme consideração e reverência que eles tinham pelas Escrituras. Notoriamente, eles as viam como sendo de Deus, totalmente verdadeiras e dignas de confiança.
A visão de Jesus do Antigo Testamento
Não há dúvida de que Jesus apontou para esse mesmo conjunto de 39 livros como o corpo inspirado dos ensinamentos oficiais do Pai. Enquanto Jesus falou com ousadia sobre a destruição do templo (um local que o povo judeu considerava com o mais profundo respeito), ele não tratou os 39 livros do Antigo Testamento da mesma maneira. Em vez disso, declarou: “E são as Escrituras que testemunham a meu respeito” (Jo 5.39b).
Enquanto Jesus falou com ousadia sobre a destruição do templo, ele não tratou os 39 livros do Antigo Testamento da mesma maneira.
Se alguns ainda duvidam sobre quais livros estariam incluídos na afirmação de Jesus, então a resposta é encontrada em Mateus 23.35 e seu paralelo em Lucas 11.51. Nessas duas passagens, Jesus mostrou o que queria dizer com as “Escrituras” – ou seja, os 39 livros idênticos que temos hoje como o Antigo Testamento. Ele fez isso apontando os dois textos mencionados acima para “todo o sangue justo derramado na terra, desde o sangue do justo Abel, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem vocês assassinaram entre o santuário e o altar”. A referência a Abel vem do registro de Gênesis, o primeiro livro do cânon do Antigo Testamento. Mas a menção de Zacarias não é uma referência ao profeta que escreveu um livro com esse nome, mas a um Zacarias morto perto do templo (2Cr 24.20-22). Dado que a ordem dos 39 livros do Antigo Testamento vai de Gênesis ao último livro da ordem judaica (1 e 2Cr), Jesus estava apontando para o mesmo cânon que possuímos hoje – embora, hoje, os livros estejam em uma ordem diferente. Assim, Jesus apontou para o primeiro e o último homicídios relatados no Antigo Testamento.
O Antigo Testamento foi dado pela inspiração de nosso Senhor e ainda é útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e até para o caminho da salvação (2Tm 3.15-17). O texto é totalmente confiável e preciso em todos os seus detalhes.
Notas
- Para uma abordagem semelhante sobre esse mesmo tópico, veja Bruce Waltke, “How We Got the Old Testament”, Cruce 30 (dez. 1994), p. 14.
- Veja o artigo do arqueólogo-chefe da escavação na caverna, Gabriel Barkay, “The Priestly Benediction on the Ketef-Hinnom Plaques”, Cathedra 52 (1989), p. 37-76.
- O melhor trabalho acadêmico sobre essa questão foi realizado em uma dissertação de doutorado e, eventualmente, um artigo de Jack P. Lewis, “What Do We Mean by Jab- neh?”, Journal of Biblical Literature 32 (1964), p. 125-130.
- Ibid., p. 130.
- Sou grato ao meu professor R. Laird Harris por apresentar esse conceito em seu livro Inspiration and Canonicity in the Bible: An Historical and Exegetical Study (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1957), p. 166-179. Essa série de profetas e seu trabalho é continuada em textos como 2Crônicas 20.34; 32.32; 33.18-19.