Apesar de tudo, vamos em frente

O que fazer quando desanimamos? Eis o que nos ensinam um maratonista sem pernas e o apóstolo Paulo.

Não é raro ficarmos bem decepcionados ou desanimados no nosso trabalho para o Senhor. Talvez ouçamos de outros crentes como sua igreja ou seu ministério andam bem, e então dizemos: “Infelizmente não é o caso para mim em meu ambiente”.

Contudo, convém lembrar que qualquer um tem problemas, dúvidas e provações. Nem tudo que fazemos funcionará. Talvez tenhamos perdido membros de nossa igreja. Talvez outros nos abandonaram. Talvez nem haja uma boa igreja em nossas imediações que proclame com clareza a Palavra de Deus. Talvez tenhamos problemas na família. Talvez sejam dificuldades no emprego ou com a saúde. Talvez até tenhamos perdido alguém muito querido. Pode também ser que alguém tenha nos tratado injustamente. Talvez tenhamos enfrentado oposições por causa do evangelho. Talvez nossos amigos ou até irmãos da igreja nos tenham decepcionado. Talvez tenhamos passado por alguma dificuldade. Talvez o trabalho a que nos dedicamos não tenha produzido os frutos esperados. Talvez nos sintamos como se todo esforço tivesse sido em vão. Talvez estejamos esgotados e decepcionados com tudo.

Haveria uma solução para tudo isso? Ainda dá para continuar?

As maratonas de Nova York são um evento bem conhecido. O recorde para essa trajetória de 42 quilômetros é de 2h17min e data de 1998. O mesmo ano também registrou o maior número de participantes na largada: foram 50 mil. Destes, 31 mil corredores não terminaram a corrida. Desistiram antes. É um número normal para tais corridas. O tempo médio dos que atingem o alvo é de cerca de quatro horas. Naquela maratona, porém, bateu-se um recorde. Um homem chamado Robert Wyland precisou de quatro dias, 17 horas e 21 minutos para vencer o trajeto. Ele não tinha pernas e movia-se apenas por meio dos braços no chão.

Qual foi a razão de 31 mil pessoas munidas de pernas e capazes de correr desistirem prematuramente da corrida, enquanto aquele que nem podia andar persistiu até o fim apesar de todas as dificuldades? Como correr quando não se tem pernas?

Examinemos a vida de um grande missionário – o apóstolo Paulo (At 20.17-24). Ele estava a caminho de Jerusalém, apesar de o Espírito Santo lhe ter revelado antes que ele seria preso ali. Ele poderia ter decidido permanecer na Europa, prosseguindo em seu abençoado ministério de plantação de igrejas. Por que ele haveria de se expor desnecessariamente ao perigo de ir parar na prisão? Mas ele disse: “Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo” e seguiu adiante.

Alguém que não conheça a vida do apóstolo Paulo poderia talvez dizer: “É fácil ele falar. Ele não conhece os meus problemas. É fácil dizer que se vai prosseguir apesar de tudo”.

A realidade, porém, é bem diferente (cf. At 20.19). Em 2Coríntios 11.23-29 o apóstolo fornece uma lista das suas provações: cinco vezes açoitado pelos judeus, três vezes açoitado com varas, uma vez apedrejado, até aquele momento tendo passado por três naufrágios. Ele estava em constante perigo em viagens por desertos, no mar, atravessando rios e em estradas solitárias. Passou por perigos entre judeus e gentios e mesmo entre falsos irmãos. Sofreu toda espécie de pavores e tribulações, a que se acrescentava a constante preocupação com os irmãos e as igrejas etc.

Em termos simbólicos, poderíamos dizer que há tempo já lhe tinham sido amputadas as pernas. Mesmo assim, ele diz que “em nada considero a vida preciosa para mim mesmo” e se pôs a caminho para Jerusalém.

Em Jerusalém, Paulo quase foi linchado, foi preso e difamado, mas permaneceu firme. Por dois anos ele permaneceu na prisão em Cesareia sob Félix. Quanto tempo desperdiçado, que ele poderia ter investido tão bem plantando igrejas! Félix estava convicto da inocência de Paulo, mas esperava receber propina dele para o libertar. Paulo também poderia ter pedido à igreja local que resolvesse o “problema” – afinal, aquilo beneficiaria a igreja do Senhor e a divulgação do evangelho. Mas ele não fez isso e não admitiu “jeitinhos”. A isso, seguiu-se a entrevista com Festo, que poderia tê-lo posto em liberdade, mas ele apelou para o imperador porque sabia que Deus queria que ele fosse a Roma. No entanto, Paulo sabia bem o que implicava esse apelo ao imperador. Significava permanecer preso até que o imperador se dispusesse a recebê-lo.

A isso, seguiu-se a desastrosa viagem marítima a Roma, com o seu quarto naufrágio, incluindo uma picada de serpente. Ao se aproximar de Roma, irmãos da igreja de lá foram ao seu encontro para animá-lo (At 28.15). Ao que parece, ele precisava disso. Em seguida, ele permaneceu dois anos acorrentado a um soldado romano (At 28.16). Se nos imaginarmos na situação dele, ainda poderíamos dizer: “Que injustiça, que absurdo! Quatro anos de prisão sem condenação, e além de tudo ainda inocente (At 28.30)”. Novamente: quanto tempo perdido que poderia ter sido tão bem aproveitado com plantação de igrejas e viagens missionárias! Paulo, porém, não desanimou, nem desistiu, dizendo que “não adiantava mais nada”. Não, ele usou esse tempo para continuar a anunciar o evangelho (At 28.31) e escreveu as maravilhosas cartas aos efésios, filipenses e colossenses, bem como a Filemom.

Depois disso, ele foi posto em liberdade por algum tempo. Aí ele poderia ter dito: “Bem, agora sofri e trabalhei o suficiente. Está na hora de aproveitar uma bem-merecida aposentadoria”. Em lugar disso, porém, ele voltou totalmente ao trabalho, organizou ajuda para diversas igrejas e ainda escreveu alguns livros. Pouco tempo depois, ele foi preso novamente, o que também foi a prisão definitiva que lhe trouxe o martírio.

O grande apóstolo Paulo, por meio de quem tantos conheceram o evangelho, que havia prestado serviços tão abençoados, certamente teria podido recorrer a muitos irmãos que se encarregassem amorosamente dele na prisão. Certamente muitos o visitariam, suprindo suas necessidades e consolando-o na difícil situação em que se encontrava... Mas não foi o caso: Demas o abandonou por amar mais o mundo (2Tm 4.10). Ao que parece, um certo Alexandre depôs contra ele em vez de a favor (2Tm 4.14). O grande e abençoado homem de Deus estava só. Seus melhores amigos e colaboradores estavam em viagem ou doentes, como Trófimo (2Tm 4.20). O único que ficou com ele foi Lucas (2Tm 4.11). Talvez a atitude do apóstolo estivesse sendo questionada. Talvez as pessoas considerassem essas repetidas prisões como juízo de Deus. Seja como for, ele foi abandonado.

Seu abandono chegou ao ponto de ele nem sequer poder abrigar-se direito do frio. Ele teve de pedir ao seu amigo Timóteo que lhe trouxesse sua capa. Será que não havia ninguém em Roma que ao menos lhe pudesse emprestar uma coberta ou uma capa? Ao que parece, não. Sob tais circunstâncias ele escreveu sua segunda carta a Timóteo, a qual também foi sua última e seu legado. Ele pressentia que o fim estava próximo e escreveu: “Quanto a mim, já estou sendo oferecido por libação, e o tempo da minha partida chegou” (2Tm 4.6). Ele sabia que haveria de morrer por amor a Cristo.

Na sua primeira audiência, não houve nenhum irmão que o acompanhasse ou dissesse algo a seu favor. Ninguém o apoiou na tribunal (2Tm 4.16). Ele teve de encarar Nero sozinho, e, finalmente, morreu como mártir por amor a Cristo.

Retornando ao exemplo do maratonista, àquele homem sem pernas, poderíamos dizer figuradamente a respeito de Paulo que não lhe faltavam apenas as pernas, mas também os braços. Mas como ele pôde permanecer firme e continuar apesar de tudo isso? Qual foi o segredo da sua persistência, sua coragem e firmeza?

Entendo que há três principais razões para isso:

1. A Certeza do Chamado

“... o ministério que recebi do Senhor...” (At 20.24). Ele sabia que Deus o chamara e o pusera naquele lugar. Aí as circunstâncias que enfrentaria não fariam diferença. Ele podia ir em frente.



A respeito disso, cabe nos questionarmos se nos encontramos no lugar onde Deus quer que estejamos. Talvez ele chame você a ocupar certo lugar, mas você não quer. Ou você se encontra num outro lugar escolhido por você mesmo, que Deus nem sequer determinou para a sua vida. Mas se você se encontrar no lugar que Deus determinou para você, pode também ter certeza de que ele cuidará de tudo o mais. Paulo foi obediente ao chamado de Deus. Ele sabia que aquele era o lugar em que Deus o queria ter, e ali ele trataria de cumprir seu ministério.

2. A Certeza da Presença e da Ajuda de Deus

Paulo recebera de Deus a promessa de que “a minha graça é o que basta para você, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.9).

Ele se baseou nessa promessa até o fim da vida, dizendo: “Mas o Senhor esteve ao meu lado e me revestiu de forças, para que, através de mim, a pregação fosse plenamente cumprida, e todos os gentios a ouvissem...” (2Tm 4.17).

Se essa era a certeza do apóstolo Paulo, ela pode ser nossa também. Talvez você se sinta abatido, sem forças, derrotado e com vontade de largar tudo. Então olhe para o Senhor, autor e consumador da nossa fé, e você não só irá em frente, como até voará por cima dos obstáculos como uma águia, como Isaías diz de forma tão bela. Você voará alto e não se cansará nem se esgotará. O Senhor sempre concede novas forças. Estas não estão em nós, mas no Senhor. Precisamos sempre tratar de buscar essas forças nele!

3. A Certeza de Logo Podermos Estar com o Senhor

“[Paulo] sabia que em breve estaria com o Senhor. Isso o tranquilizava, mas também o enchia de zelo pela causa do Senhor.”

Ao término de sua vida, o apóstolo Paulo disse: “O Senhor... me levará salvo para o seu Reino celestial...” (2Tm 4.18). As cartas do apóstolo citam repetidamente sua certeza da breve vinda do Senhor. Isso o deixava totalmente tranquilo, de modo que ele chegou até a escrever aos tessalonicenses: “Portanto, consolem uns aos outros com estas palavras” (1Ts 4.18). Ele sabia que todo o trabalho e sofrimento logo passaria e que ele entraria na eternidade. Esse era o seu consolo. Quando escreveu aos coríntios a respeito do arrebatamento, ele encerrou dizendo: “Portanto, meus amados irmãos, sejam firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o trabalho de vocês não é vão” (1Co 15.58).

Ele sabia que em breve estaria com o Senhor. Isso o tranquilizava, mas também o enchia de zelo pela causa do Senhor. Restava pouco tempo e ainda havia muito para fazer, para ainda alcançar tanta gente com o evangelho. Esta, caros leitores, é também a nossa certeza. Por isso, avancemos na trajetória que Deus determinou para nós.

Stephan Beitze dedica-se ao ensino da Bíblia em igrejas, seminários, acampamentos de jovens e conferências. Junto com sua esposa, é missionário na Chamada da Argentina.

sumário Revista Chamada Fevereiro 2023

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