Grandeza e sucesso na Bíblia

Uma análise dos elogios em 1 e 2Tessalonicenses.

Deve-se observar que o elogio à igreja nas cartas de 1 e 2Tessalonicenses não inclui coisas que as pessoas nos tempos modernos necessariamente considerariam importantes.

A Escritura, por exemplo, não se refere a coisas como um bom líder e uma boa organização, bom mentoreamento ou um bom evangelismo – itens geralmente considerados como evidências de uma igreja modelo. Essas coisas são certamente importantes; por exemplo: havia evangelismo em Tessalônica e as cartas pastorais (1 e 2Timóteo; Tito) dão bastante ênfase às qualificações pastorais e à organização da igreja. Contudo, as virtudes necessárias que são delineadas na Escritura indicam o que realmente constitui grandeza e sucesso. Sem essas qualidades, um bom líder, uma boa organização, um bom mentoreamento e um bom evangelismo não têm significado.

Paulo resumiu as três virtudes que são necessárias para um comportamento exemplar: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior deles é o amor” (1Co 13.13). A Escritura repetidamente enfatiza três virtudes como essenciais à vida cristã. Nesse versículo, elas são combinadas em uma só como as coisas que “permanecem”: fé, esperança e amor. Ocasionalmente, se for apropriado, a Escritura mencionará uma ou mais dessas virtudes como evidentes entre uma comunidade de cristãos. Por exemplo, em Romanos 1.8, os santos em Roma são louvados por sua fé, a qual “é proclamada no mundo inteiro”. Filipenses 1.9 menciona uma oração para que o amor de todos os santos em Filipos cresça (o que, é claro, presume um amor que seja digno de ser multiplicado). Os colossenses foram elogiados por sua fé em Cristo Jesus, o amor que tinham por todos os crentes e a esperança que tinham pelo céu (1.4-5). Em outras cartas do Novo Testamento (escritas por Paulo), pode não haver qualquer referência à presença dessas virtudes, mas isso não implica necessariamente que elas estivessem ausentes nas outras igrejas. Por exemplo, o fato de que não há referência ao amor e à esperança da igreja em Roma, ou à fé e à esperança da igreja em Filipos, não serve para indicar que essas virtudes não existissem ali.

Contudo, a menção de todas as três virtudes no texto introdutório (v. 1-4) dessa primeira carta aos tessalonicenses implica fortemente que essas virtudes precisam ser manifestas para que uma comunidade de crentes se reúna e sirva para a glória de Deus. Onde quer que o povo de Deus se ajunte, isso deve ser feito em um espírito de fé, esperança e amor. Espera-se dos cristãos que eles trabalhem tanto em conjunto quanto individualmente em um espírito de fé, esperança e amor.

Fé que opera (1.1-3)

Todos os crentes são justificados somente pela fé, mas é uma fé que produz obras (Rm 6–8): como João Batista proclamou (“Produzam fruto digno de arrependimento!”, Mt 3.8), como foi ensinado por Jesus e como Tiago escreveu no segundo capítulo de sua carta. A fé é o iniciador das obras.

Tiago 2.14: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Será que essa fé pode salvá-lo?”. Essa passagem nos dá uma ajuda adicional para diferenciar entre trabalho e obras. A palavra grega para “obras” é erga. Essa mesma palavra grega é traduzida como “obras” ou “ação”. Em Tiago 2.14, ela é traduzida como “obras” porque o contexto de ajudar a suprir as necessidades de um irmão é dado por Tiago como um exemplo de fé. A questão é que as “obras” da fé demonstram obediência aos mandamentos, propósitos e vontade de Deus para o seu povo. Isso incluiria obras como fazer “discípulos de todas as nações” (Mt 28.19), ou viver uma vida pura e piedosa (como descrito em 1Ts 4.1-12).

Amor que trabalha (1.3)

A frase “dedicação do amor” (“o esforço motivado pelo amor”, NVI) é semelhante à construção grega para “operosidade da fé”. Enquanto a fé se relaciona mais à obediência a Deus, o amor se relaciona mais ao trabalho incansável e sacrificial por outros cristãos. Um exemplo de um amor trabalhador é o tipo de sacrifício envolvido em cuidar de alguém que precisa se recuperar, ou simplesmente suprir as necessidades dos outros.

Esperança que permanece (1.3)

A frase “firmeza da esperança” é traduzida literalmente como “perseverança inspirada pela (a partir da) esperança”. A perseverança se baseia na realidade de que a pessoa crê (sabe) firmemente que o futuro está garantido; significa que a pessoa prossegue “para conquistar aquilo para o que também f[oi] conquistad[a] por Cristo Jesus” (Fp 3.12). A perseverança é prosseguir “para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (v. 14). Uma pessoa continua perseverando quando consegue ver o objetivo no final da corrida. Por esse motivo, Paulo exorta: “Corram de tal maneira que ganhem o prêmio” (1Co 9.24b). O presente desolador pode ser suportado se o indivíduo tem certeza quanto ao futuro.

Os genitivos “da fé”, “do amor” e “da esperança” são caracterizados pelos princípios geradores da “operosidade”, “dedicação” e “firmeza”, os quais deixam sua marca sobre cada um dos genitivos. Portanto, as obras são produzidas pela fé e são características da fé. A dedicação (trabalho) é motivada pelo amor e é característica do amor. A firmeza é caracterizada pela esperança e é característica desta. Aqui nos versículos 3 e 4 está a grande tríade das graças cristãs que são evidentes em um comportamento exemplar.

Com sua consciência cativa pela Palavra de Deus, um cristão de sucesso precisa possuir três virtudes: fé, amor e esperança. O sucesso é raramente medido em termos dessas virtudes. Talvez uma razão para isso seja que as virtudes são difíceis de medir. Outra razão pode ser que essas virtudes são obra soberana de Deus, e nenhum cristão pode receber reconhecimento por sua existência. As três virtudes são o ambiente do qual emergem o crescimento e serviço quantitativo e qualitativo autênticos.

Mudança que tem resultados específicos (1.4-7)

Nos versículos 4-5, chama-se atenção para o fato de que a transformação da vida do cristão é confirmação da escolha de Deus sobre ele. “Sabemos, irmãos amados por Deus, que ele os escolheu” (v. 4). A doutrina da escolha divina é ensinada aqui (ou doutrina da eleição, de acordo com o significado antigo em português da palavra grega eklogen [“chamados de”], de eklegomai, como vemos na versão Almeida Revista e Atualizada).

A dinâmica essencial na transformação espiritual é no “poder [e] no Espírito Santo”. Quando Deus Espírito Santo faz a sua obra, ele aplica a mensagem do evangelho com poder. O “poder” do Espírito trabalha dentro do evangelista, além daquele que está sendo evangelizado. Com base no que podemos aprender sobre evangelismo no livro de Atos e na natureza da depravação total da humanidade, o evangelista recebe poder do Espírito Santo para falar clara e ousadamente; e aquele que está sendo evangelizado recebe poder para vencer qualquer resistência ao evangelho e para entender a verdade da mensagem. O meio bíblico de Deus para impactar a humanidade é a proclamação das verdades proposicionais da Escritura e oferecer orações ferventes pelo poder do Espírito Santo, o que demonstra que somos totalmente dependentes de Deus. Além disso, o poder aplicado pelo Espírito Santo cria uma transformação que tem resultados específicos, conforme revelado nos versículos 6-7 (e também em 2Ts 1).

Vidas que repercutem (1.8-10)

“Porque a partir de vocês a palavra do Senhor repercutiu...” (v. 8). A linguagem do versículo 8 sugere o som de uma trombeta ou de trovão, repercutindo como um eco. A palavra grega para “repercutiu” é exēcheomai, que é um passivo perfeito e, portanto, implica um som contínuo vindo de Tessalônica, como música de um amplificador. A ideia parece ser de que uma fé viva repercute com energia ou atividade de uma pessoa para outra. Tal atividade não é o modelo para obedecer a grande comissão, mas é uma forma pela qual Deus verá que ela está sendo cumprida.

Paulo afirma ainda: “... mas a fé que vocês têm em Deus repercutiu em todos os lugares, a ponto de não termos necessidade de dizer mais nada a respeito disso” (v. 8). Qual era o motivo para esse testemunho maravilhoso? Paulo explica nos versículos 9 e 10. Ele revela: “... deixando os ídolos, vocês se converteram a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro”. Os ídolos de hoje podem ser diferentes em sua forma, mas ainda são a síntese de tudo o que as pessoas acreditam que constitui uma boa vida na ausência de Deus. Em termos modernos, isso indicaria um propósito de vida totalmente diferente do que aquele que as pessoas que tomam o mundo como exemplo têm; e, como um resultado dessa diferença, teríamos a glorificação do Senhor como nosso propósito neste mundo.

"Por último, o versículo 10 indica que o cristão exemplar está esperando pelo Filho de Deus, Jesus Cristo, que virá do céu."

Por último, o versículo 10 indica que o cristão exemplar está esperando pelo Filho de Deus, Jesus Cristo, que virá do céu. Não há indicação de que um crente deve ficar parado e simplesmente olhando para cima. Aguardar (grego, anameno) é um presente infinitivo no grego e significa “estar continuamente esperando”; é literalmente a ideia de “esperar”, com um significado mais completo de “permanecer alerta”. “Aguardar” dá a ideia de expectativa. O cristão exemplar está ocupado servindo a Deus, o que também significa “se empenh[ar] por viver tranquilamente, cuidar do que é [seu] e trabalhar com as próprias mãos, como ordenamos” (1Ts 4.11). Cuidar do que é seu e trabalhar com suas próprias habilidades é ter uma mentalidade esperançosa quanto ao futuro. Outro significado de “aguardar” é perceber que tudo o que você faz será recompensado ou rejeitado pelo Senhor Jesus Cristo quando ele retornar para o seu povo. Essa percepção afere um propósito altíssimo para tudo. Nada é desperdiçado ou inútil em termos eternos. Tudo que é feito na vida vale alguma coisa, independentemente de quão entediante uma tarefa pareça ser.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Janeiro 2023

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