Todo ouvidos para A Voz de Deus

3 dicas de como praticar a quietude necessária para ouvir a voz de Deus.

Provavelmente você conhece frases como “faça algo de bom para você mesmo”, “tome tempo para você mesmo”, “descanse” – trata-se de clássicas recomendações bem-intencionadas com o foco de reforço emocional e efeito de curto prazo. Nada a objetar contra um dia de folga ou um bom almoço num restaurante, mas dificilmente isso resultará em prolongada estabilidade espiritual e crescimento. Por quê? Porque se trata de proporcionar só a satisfação de carências momentâneas e não das fontes de poder de Deus.

A triste realidade é que, como cristãos, nos encorajamos muito pouco a buscar a quietude diante do Senhor – um período durante o qual Jesus Cristo possa não só nos motivar, mas também corrigir por meio de sua Palavra. Não seria ótimo se, como cristãos, pudéssemos propagar frases como: “Faça algo de bom para você: leia a Bíblia!”, “tome mais tempo para orar”, “aquiete-se diante do Senhor”?

Como alguém que também tem suas fases de dificuldade em arranjar tempo para a necessária quietude diante de Deus, gostaria de lhe passar três dicas – reconhecidamente provocantes. Não porque eu saiba melhor como fazer as coisas, mas porque, como tantos outros, preciso insistir em aprender o valor de uma autêntica quietude diante do Senhor. Portanto, o que fazer quando as circunstâncias e o estresse desgastam os nervos e cristãos dedicados que levam a sério a vida com Jesus emperram numa fase de fraqueza?

Maus ouvintes

Quando se trata de quietude diante de Deus, nunca será demais enfatizar o quanto é essencial entender que nem o nosso ambiente, nem nossas obrigações ou a falta de tempo são o problema fundamental. Não, muitas vezes somos nós mesmos! Simplesmente falamos demais – e, quando nos calamos, resta ainda a luta com dúzias de pensamentos que querem desviar-nos de ouvir o Senhor. No entanto, envolver-se com a Bíblia, ou seja, com o que Deus tem a dizer, presume justamente isso.

Com o tempo, tornamo-nos péssimos ouvintes. Nós interrompemos, não mantemos contato olho no olho, estrangulamos diálogos e tiramos conclusões apressadas. Quando se busca ouvir Deus desse modo, certamente ocorrerão mal-entendidos, e o resultado inevitável será “falta de força”. A qualidade do nosso tempo de quietude com Deus nada tem a ver com a quantidade de tempo. Segundo minha experiência, trata-se muito mais da nossa postura íntima. Quando esta não está em ordem, pode-se permanecer horas quieto e, mesmo assim, não obter quietude diante do Senhor. A sensação de coragem, força e ânimo pode ser alcançada mesmo depois de um breve tempo de quietude com o Senhor (Sl 28.7). Como exemplo da história eclesiástica, sempre me lembro de Susanna Wesley, conhecida como “mãe do metodismo”. Presa num difícil casamento com o pastor de Epworth e mãe de dezenove filhos, nove dos quais morreram, ela mal tinha tempo para orar e ler a Bíblia, mas, como a quietude com o Senhor lhe era tão importante, ela desenvolveu seu próprio método criativo, porque não tinha outro local retirado. Quando na correria e confusão das crianças ela puxava o avental por cima da cabeça, todos na família sabiam a quem pertenciam seus próximos minutos – ao seu Salvador.

Susanna Wesley compreendeu que a premissa para um período genuíno de quietude é a orientação pessoal, não necessariamente as circunstâncias. Um coração egoísta, teimoso e apaixonado por si mesmo terá dificuldade em entender adequadamente a Bíblia e enunciar orações sinceras. Todavia, com um coração humilde, um único versículo da Bíblia pode falar de tal modo a nós que teremos a impressão de que o próprio Deus acabou de nos dizer aquilo em voz alta. Nos meus períodos desgastantes e de insônia, sempre preciso aprender de novo a ter um coração como Samuel. Ainda que as demandas aumentem, as obrigações não cedam e o sono fique devendo, quero ser capaz de dizer mesmo durante a noite: “Fala, Senhor Jesus, eu, teu servo, quero ouvir com atenção!” (cf. 1Sm 3).

A Palavra de Deus quer falar conosco de forma clara e nítida, não importa se estamos em meio ao estresse ou tenhamos tempo disponível. Entretanto, só desfrutaremos do valor da verdadeira quietude diante do Senhor se não lhe resistirmos. “O Senhor Deus me deu uma língua erudita, para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs; desperta o meu ouvido para que eu ouça como aqueles que aprendem. O Senhor Deus me abriu os ouvidos, e eu não fui rebelde nem me retraí” (Is 50.4-5).

O período de quietude significa simplesmente eu reconhecer minha posição diante do Deus Onipotente, aquietar-me e permitir que ele fale comigo por meio da sua Palavra. Posso testemunhar da minha vida pessoal que, se eu omitir esse momento, serei eu mesmo quem sofrerá no longo prazo por causa disso.

Largue mão de misticismo e similares

Ouvindo a voz de Deus “O período de quietude significa simplesmente eu reconhecer minha posição diante do Deus Onipotente, aquietar-me e permitir que ele fale comigo por meio da sua Palavra.”

Os cristãos recebem insistentemente muitas sugestões de praticar uma “hora silenciosa” com ajuda de recursos antibíblicos ou até ocultistas. Bacias de ressonância, oração ouvinte, viagens fantasiosas, risada em espírito, práticas e ensinos místicos, invocação de anjos, repetição de trechos de hinos em estilo de mantra até atingir o êxtase, desenvolvimento de técnicas respiratórias durante a oração para encontrar o núcleo emocional – infelizmente, tais práticas já são usuais em muitos círculos evangélicos. Essa “quietude pervertida” precisa ser decididamente rejeitada. Uma verdadeira quietude diante de Deus é um encontro de serviço com o Senhor de todos os senhores – o Criador do Universo! Ele, o Mestre, instrui o seu servo por meio da sua Palavra. Este expõe em oração ao Mestre todas as suas preocupações e alegrias e aguarda instruções de serviço, fortalecimento e correção. Não se trata de esvaziar o espírito, atingir um estado de êxtase ou de obter visões. Como afirma Peter Hahne, “a quietude não é um método, mas uma postura de vida”.

“Ao meu coração me ocorre: ‘Busquem a minha presença’. Buscarei, pois, Senhor, a tua presença” (Sl 27.8). A autêntica quietude consiste em adorar, reconhecer e lutar em oração. Significa estar sempre disposto a reconhecer a Bíblia como autoridade inequívoca e infalível para todas as questões da nossa fé e da vida. Isso nem sempre resultará em alguma empolgação emocional, muito pelo contrário! Às vezes preciso ranger os dentes quando o Senhor trata de coisas complicadas comigo. Quantas pessoas da Bíblia choraram ou se rebelaram em seus momentos de quietude? Muitas (p. ex., o povo de Israel em Nm 14.1; Jz 2.4; Ana em 1Sm 1.10; Ezequias em 2Rs 20.3; Esdras em Ed 10.1; Davi em Sl 69.11; a pecadora em Lc 7.38)!

Dietrich Bonhoeffer foi direto ao ponto quando disse que “a quietude diante de Deus requer trabalho e exercício. Requer a coragem diária de se expor à palavra de Deus e aceitar seu julgamento e alegrar-se com o amor de Deus”. Warren Wiersbe, um abençoado professor de Bíblia e autor de livros, chega até ao ponto de dizer que “em muitas igrejas, o riso do ‘entretenimento piedoso’ tomou o lugar da santa quietude da adoração. O santuário virou teatro”.

É assustador com quanto ânimo o Diabo tenta manipular o profundo anseio do cristão renascido pela comunhão com o Senhor. Quem experimenta períodos marcados por gratidão, amor, contrição e humildade, possui um precioso tesouro. Blaise Pascal, o matemático francês do século XVII, gravemente enfermo, expressou isso assim: “A quem eu clamaria, Senhor, em quem me refugiaria, senão em ti? Tudo que não for Deus não satisfará minha esperança. Anseio e procuro pelo próprio Deus; a ti somente, meu Deus, me dirijo para te alcançar”.

Chega de desculpas!

Mesmo depois de muitos anos como cristão, sempre preciso me disciplinar para criar espaço para a quietude em minha vida diária. Nem todos têm facilidade em desenvolver hábitos fixos e cumpri-los. A Bíblia descreve Daniel como modelo de “bons hábitos”. Ninguém conseguia mudar seus horários de oração – nem sequer um decreto do rei. “Esse Daniel, que é um dos exilados de Judá, faz pouco caso do senhor, ó rei, e do interdito que o senhor assinou. Três vezes por dia, ele faz a sua oração” (Dn 6.13). Sobre Jesus, lemos que ele também tinha criado um “costume”: “Jesus foi para Nazaré, onde havia sido criado. Num sábado, entrou na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler” (Lc 4.16).

Nesse ponto crítico, talvez você deseje uma receita padrão, uma solução ou pelo menos uma fórmula para que seu momento de quietude funcione melhor no caos diário ou se torne um bom hábito, mas é exatamente isso que não tenho como lhe oferecer. Justamente porque o momento de quietude é algo tão individual é que também os métodos antibíblicos têm tanta aceitação por prometerem finalmente “a solução certa”. Uma coisa é clara: bons hábitos precisam ser elaborados e sempre são um alvo preferencial do inimigo (1Pe 5.8; Cl 4.12). Para passar tempo em oração e leitura bíblica, alguém pode se servir de uma certa poltrona na sala de estar, de um passeio ou de um período de intensas férias bíblicas.

Ouvindo a voz de Deus“Se a nossa postura íntima estiver em ordem, Jesus Cristo poderá falar conosco em qualquer lugar – seja na cozinha, no escritório, diante do semáforo fechado, durante um passeio ou no deserto.”

Se a nossa postura íntima estiver em ordem, Jesus Cristo poderá falar conosco em qualquer lugar – seja na cozinha, no escritório, diante do semáforo fechado, durante um passeio ou no deserto (Rm 8.27; Pv 21.2). Não importa o lugar. Meu relacionamento com minha esposa também não melhorará se eu for todo dia ao lugar em que me casei com ela, mas se converso com ela, presto atenção a ela e cultivamos o nosso relacionamento. É importante nos conscientizarmos de que uma autêntica quietude com o Senhor é imensuravelmente valiosa e, por isso, objeto de duras lutas para muitos cristãos (Ef 6.10-18). Passar tempo com o Senhor de forma disciplinada, numa postura humilde e obediente, é uma decisão diária que precisa ser tomada (Pv 22.4; Lc 17.10).

Quanto mais subtrairmos os momentos de quietude autênticos e transformadores e nos comportarmos diante do Senhor como adultos sabidos em vez de crianças em aprendizado, tanto mais superficial será nossa vida de fé. Desculpas não faltarão a cada dia – mas nós temos a força e os recursos para nos decidirmos contra elas. Sim, sempre haverá fases na nossa vida em que o cultivo do momento de quietude será um desafio.

Quem não desejar a quietude buscará motivos, quem a quiser, busca meios! Se ignorarmos as nossas desculpas, descobriremos o valor dos momentos de quietude justamente em dias de lutas pesadas. Descobriremos tesouros, ganharemos coragem e alegria e saberemos lidar até mesmo com a correção divina. Desejo de coração a você e a mim que possamos apreciar cada vez mais a Palavra de Deus por meio do nosso momento de quietude. “Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei. Guia-me pela vereda dos teus mandamentos, pois nela encontro felicidade” (Sl 119.34-35).

Nisso repousa o valor da quietude diante do Senhor: que recebamos a cada dia a alegria e a força para sempre praticar o que ele nos manda e não nos desviarmos dele. Até que ele volte e possa dizer a cada um de nós: “Muito bem, servo bom e fiel!”.

Johannes Vogel é o reitor do Seminário Bíblico Breckerfeld, Alemanha. Com frequência é convidado como palestrante ou professor em eventos, tanto na Alemanha como no exterior.

sumário Revista Chamada Janeiro 2023

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