Avaliando os Acordos de Abraão: talvez haverá paz, mas ninguém se importa

O ministro do exterior dos Emirados Árabes Unidos (EAU), Abdullah bin Zayed Al Nahyan, visitou o Memorial do Holocausto em Jerusalém, depositou ali uma coroa de flores, curvou-se e disse: “Estou aqui para nos lembrar das lições que a história nos ensina”. Nenhuma emissora de TV de alguma importância relatou isso em seus principais noticiários, nenhum dos maiores jornais publicou essa foto histórica. Para nenhum dos melhores amigos nas centrais partidárias em Berlim e Bruxelas o evento mereceu um tuíte. Será possível que teremos paz e que ninguém se importe?

Benjamin Netanyahu, Donald Trump, Abdullatif bin Rashid Al Zayani e Abdullah bin Zayed Al Nahyan em cerimônia dos Acordos de Abraão na Casa Branca.Benjamin Netanyahu, Donald Trump, Abdullatif bin Rashid Al Zayani e Abdullah bin Zayed Al Nahyan em cerimônia dos Acordos de Abraão na Casa Branca.

O motivo da visita foi o jubileu de dois anos da assinatura dos Acordos de Abraão na Casa Branca em Washington. Por iniciativa do presidente americano da época, Donald Trump, e do premiê israelense Benjamin Netanyahu, já hoje esses acordos modificaram profundamente o Oriente Próximo. Depois de décadas de rejeição do estado judeu por motivos religiosos, quatro países muçulmanos se dispuseram a reconfigurar o Oriente Próximo junto com Israel. Todos esses quatro países árabes puseram de lado a solução de dois Estados e olham para o seu futuro e o futuro da região junto com Israel. A Arábia Saudita ainda não formalizou relações diplomáticas com Israel, mas apoia essa cooperação. Bahrein, um dos quatro, não dá um passo de política externa sem prévio entendimento com Riad, a liderança da Arábia Saudita.

Balanço convincente dos resultados

O balanço dos resultados dos Acordos de Abraão convence. Passado um ano, os EAU e Israel celebraram um acordo de livre comércio, facilitando o intercâmbio de mercadorias e serviços. Em setembro, o balanço comercial atual entre os dois países no ano corrente estava em mais de dois bilhões de dólares, quase o dobro de um ano antes. Os militares de Marrocos e de Israel já vêm colaborando estreitamente entre si e abriram sucursais em Rabat e Tel Aviv. O turismo deslanchou: nos dois primeiros anos, 500 000 israelenses viajaram para Abu Dhabi e Dubai – inclusive ortodoxos, uma vez que as ofertas incluem restaurantes kosher. O primeiro casamento ortodoxo em Abu Dhabi, marcado propositalmente para a semana das celebrações do Rosh Hashaná, foi notícia no mundo todo.

O premiê Yair Lapid já anunciou que o primeiro “Fórum do Neguebe”, que ocorreu em março de 2022, um encontro dos ministros do exterior de Marrocos, EAU, Bahrein e Egito junto com Israel e os EUA, passará a ser realizado duas vezes por ano. Sob a liderança dos ministérios do exterior, serão executadas cooperações planejadas nas áreas de alimentação e água, energia e turismo, além de saúde e defesa.

O ministro do exterior Abdullah bin Zayed permaneceu em Israel no fim de semana e se encontrou com o ministro israelense da defesa, Benny Gantz, como se isso fosse perfeitamente normal no Oriente Próximo do século XXI. Na presença do visitante dos EAU, Gantz anunciou que passará a existir uma “aliança de defesa aérea do oriente médio” resultante de entendimentos com os EUA, ou seja, uma defesa antiaérea comum contra as agressões a todos os países da região. Consta que, em alguns casos, essa “aliança de defesa” já entrou em ação.

Os Acordos de Abraão também trazem efeitos positivos sobre outros países, especialmente quanto às relações de Israel com o subcontinente indiano, uma iniciativa de que agora também os EAU querem participar. A Índia é um dos maiores clientes de armamentos de Israel. A Rússia continua sendo o principal fornecedor de armas para a Índia, mas, com a guerra na Ucrânia, o foco de Moscou se deslocou e as ofertas de Israel se tornaram mais atraentes. Os catálogos de pedidos da Índia incluem vendas anuais de armas estimadas em três bilhões de dólares.

Isso também não deixa de fazer efeito sobre o comércio de produtos civis. Assim, o governo israelense relata que o fabricante de robôs de limpeza para módulos fotovoltaicos “Eccopia Scientific” transferiu sua produção para a Índia. O parceiro indiano dispõe de contatos comerciais com Londres e vende a partir de lá para os EAU. Segundo Jerusalém, esse tipo de negócios triangulares sublinha o grande potencial dos Acordos de Abraão. Fala-se aqui de um comércio civil entre a Índia e Israel de nada menos que 3,7 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2022.

Economia de Israel cresce 6,8 por cento

Esse desenvolvimento também contribuiu de forma essencial para Israel registrar no segundo trimestre de 2022 um crescimento econômico de 6,8% numa projeção para o ano inteiro. Com isso, Israel lidera em comparação com os 13 principais países desenvolvidos, enquanto a Alemanha e os EUA atingiram um crescimento de apenas 1,7%. Resta acrescentar que a taxa de emprego de Israel em agosto de 2022 é a mais alta dos últimos quatro anos.

Não há dúvida de que a guerra na Ucrânia, o falecimento da rainha em Londres e a pandemia ainda não debelada ainda ofuscam tudo o mais nas mídias e na política. Todavia, o completo silêncio sobre o sucesso dos Acordos de Abraão após dois anos desde a sua assinatura, bem como uma visita oficial de vários dias de um ministro do exterior árabe em Israel, expõe questões não respondidas, e a UE permanece do lado de fora quando se trata de participação nas vantagens econômicas de hoje, bom como no potencial para o futuro.

Godel Rosenberg (audiatur-online.ch)

Godel Rosenberg é jornalista, autor e empresário. Atuou como representante do estado alemão da Baviera em Israel entre 2009 e 2018.

sumário Revista Chamada Dezembro 2022

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