Natal - A encarnação da Graça

Quais aspectos da história do nascimento de Jesus, principalmente em Lucas 1, devemos ter em mente quando buscamos entender o significado do Natal? Quais lições Maria, Isabel e José nos trazem? E como a graça de Deus aparece na história?

De que trata o Natal? Certamente não é por causa dos presentes, de uma boa ceia e de bebidas inebriantes, nem por causa de religião, nem do boi ou do burro ou um bebezinho lindo numa manjedoura. Tudo isso seria muito pouco para fazer jus ao significado do Natal. Trata-se do nascimento de um bebê que faz todo o restante perder o valor. “Porque não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo como Senhor...” (2Co 4.5).

Isso vai muito além e trata também de nosso relacionamento com Deus o qual se tornou um ser humano por meio desse bebê, para restabelecer a comunhão conosco. Foi por isso que ele nasceu de uma virgem. O nascimento virginal de modo algum é um detalhe sem importância, mas compreende tanto a divindade como a impecabilidade do Senhor Jesus.

Em vista disso, Jesus não é apenas um bom homem, mas, conforme Pedro testemunhou, “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). Sendo o Cristo, também é o Ungido, diretamente enviado de Deus, o Salvador; como o Filho do Deus vivo, ele mesmo é Deus, inseparavelmente unido com Deus... de eternidade a eternidade.

Se Jesus não tivesse nascido de uma virgem, ele seria apenas uma pessoa, talvez até uma pessoa boa e extraordinária, mas não seria Deus; ele seria impregnado com o pecado – esse mal com o qual todas as pessoas estão infectadas desde a ocorrência do pecado original. Se Jesus fosse um pecador, ele nunca poderia eliminar o pecado de outros.

Todavia, foi justamente este o motivo da sua vinda: vencer a morte, o salário do pecado; purificar as pessoas; reconciliar o mundo com ele mesmo.

Esse propósito estaria fadado ao fracasso desde o começo se Jesus fosse apenas um simples homem infectado pelo pecado. Trata-se de uma linha de pensamento lógica.

No entanto, se o pecado conduz inevitavelmente à morte, conforme testificam as Escrituras Sagradas (Rm 5.12), então o Senhor Jesus, sendo o Cordeiro do sacrifício propiciatório, estava sem nenhum pecado. Caso contrário, ele não teria sido um sacrifício digno e agradável a Deus, nem estaria em condições de vencer a morte. Vemos que a ausência de pecado do Salvador é uma condição obrigatória para a salvação. Por sua vez, isso significa que, em última análise, tudo é consequência do nascimento virginal – tão ridicularizado pelo mundo.

Aprendendo com Maria e Isabel

Maria, a “agraciada” (Lc 1.28), até hoje é a única virgem que gerou um nascimento físico sem nenhuma intervenção da medicina. Ela foi escolhida por Deus para gerar o Salvador do mundo, Jesus Cristo. E essa escolha de fato transferiu Maria para a condição de mulher excepcional. Nenhuma outra pessoa recebeu tal graça. E tal procedimento jamais se repetirá.

Isabel, uma parente de Maria, que ficou grávida pouco tempo antes e que seria mãe de João Batista, também reconheceu isso quando Maria foi visitá-la, exclamando: “Bendita é você entre as mulheres, e bendito o fruto do seu ventre!” (Lc 1.42).

O interessante é que, se desconsiderarmos o nascimento virginal, a gravidez de Isabel foi mais extraordinária do que a de Maria. Acontece que Isabel já era idosa e até estéril! Resumindo, sua gestação era algo sensacional, sim, um milagre. Mesmo assim, Isabel não se orgulhou de sua gravidez, mas elogiou a jovem Maria.

Isabel não reconheceu Maria apenas como uma mulher grávida, mas como a agraciada. Ela reconheceu que o bebê no ventre de Maria não era apenas um amontoado qualquer de células, mas o Messias, o Salvador e Filho de Deus.

NatalMaria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da palavra de Deus

É interessante observar que também o pequeno João se agitou no ventre de sua mãe quando as duas mulheres se cumprimentaram. “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre. Então Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1.41). Tudo o que ocorreu ali realmente não foi algo normal, mas a ação de Deus e do Espírito Santo, de maneira que até o embrião se agitou de alegria quando se encontrou com o Filho de Deus.

A graça de Deus e o falar de Deus vão além de qualquer sensatez humana. Isabel reconheceu essa situação extraordinária e, dessa forma, elogiou Maria. Apesar disso, a própria Maria era pecadora – nascida em pecado – e dependente da graça de Deus. Também ela foi salva unicamente mediante a fé na graça de Deus, revelada no seu Filho Jesus Cristo.

É o que está escrito no louvor de Isabel: “Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor” (Lc 1.45).

Para a salvação de Maria – a salvação da sua alma –, o primordial não era ter sido escolhida para trazer o Filho de Deus ao mundo, mas a sua fé (veja Lc 11.27-28), que ela mesma expressou: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lc 1.38a). Que testemunho maravilhoso! Ele revela a humildade e a fé incondicional dessa jovem.

É muito provável que ela não havia compreendido o alcance total do que ocorreu, mas ela se submeteu voluntária e confiadamente.

Maria se destacava por sua singela confiança em Deus. E essa confiança gerou a obediência e observação da palavra de Deus.

Entendendo a graça de Deus

Analisemos um aspecto adicional. Quando o anjo Gabriel anunciou o nascimento virginal para Maria, ele a saudou afetivamente e quase com euforia: “Alegre-se, agraciada! O Senhor está com você” (Lucas 1.28). Isso era algo totalmente incomum para uma mulher – ainda mais se essa fosse muito jovem – ser cumprimentada dessa maneira; nem por parte de um homem, muito menos por um anjo.

Esse encontro realmente não foi algo da vida cotidiana e, assim, a sua consequente reação é algo mais do que compreensível: “Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que poderia significar esta saudação” (Lc 1.29). Ela ficou admirada com o anúncio do nascimento: “Como será isto, se eu nunca tive relações com homem algum?” (Lc 1.34).

Todavia, o que afinal é abrangido pela graça de Deus? Vamos pensar um pouco sobre isso. Entre outros, a graça de Deus abrange o seu falar com as pessoas, como aconteceu aqui por meio do anjo Gabriel. É graça de Deus quando ele fala às pessoas e, ao mesmo tempo, concede a possibilidade de falar com ele. É o que acontece hoje em e por meio de Jesus Cristo, o qual é o sumo sacerdote da nova aliança e o sacrifício propiciatório (Hb 10.19; Cl 1.15-23). Nele podemos nos relacionar com Deus e, por meio dele, somos até filhos de Deus. Temos a possibilidade de nos comunicar com Deus por meio da leitura da Bíblia e da oração, e isso não é somente um privilégio, mas verdadeira graça.

No entanto, a graça de Deus não é como algo aceito automaticamente, mas sempre requer fé. De alguma maneira, Deus dispõe a sua graça para todas as pessoas; o nascimento do Senhor Jesus não aconteceu apenas para os pastores, os magos e as pessoas daquela época, mas o nascimento aconteceu para todos nós. As boas novas, a Palavra de Deus, valem para todos.

Deus fala em e por meio de seu Filho para todas as pessoas; o sacrifício do Senhor Jesus favorece a todos, mas cada pessoa é convidada a reivindicar essa graça. Na regra, o mesmo acontece com os presentes de Natal. Possivelmente haja um presentinho sob a árvore de Natal, talvez alguém o entregue em suas mãos ou o seu nome está escrito nele; no entanto, recebê-lo de coração, abrir e apropriar-se dele é algo que você mesmo precisa fazer. É o que acontece também com o maior presente de Deus para a humanidade. No que depende de Deus, já está tudo feito.

O Salvador veio ao mundo. O Filho de Deus se tornou homem para, alguns anos mais tarde, entregar-se voluntariamente como Cordeiro sacrificado por você e por mim. E este presente está disponível para você – isso é graça! Contudo, Deus não obriga ninguém a aceitá-lo. Recebê-lo de coração, abrir com fé e confiança e reivindicá-lo na vida cotidiana é algo que você mesmo precisa fazer. Ninguém pode assumir essa decisão por você.

Um exemplo das Escrituras Sagradas pode esclarecer isso para nós: o evangelista Lucas relata sobre a cura de dez leprosos (Lc 17.11-14). A graça de Deus representa a cura de todos os dez homens. Nenhum deles foi excluído. No entanto, não há nada escrito sobre perdão de pecados e da cura do espírito e da alma. Dito em outras palavras: esses dez receberam da graça de Deus (todos foram ricamente presenteados), mas nem por isso eles estavam salvos. Somente a fé conduz à salvação, conforme podemos ver na continuação.

“Um dos dez, vendo que estava curado, voltou dando glória a Deus em alta voz e prostrou-se com o rosto em terra aos pés de Jesus, agradecendo-lhe. E este era samaritano. Então Jesus perguntou: ‘Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove? Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ E lhe disse: ‘Levante-se e vá; a sua fé salvou você’” (Lc 17.15-19). Apenas um dos dez havia recebido a graça por meio da fé e abriu o laço do presente. Quando lembramos que, também hoje, muitas pessoas simplesmente desdenham da graça de Deus e não aproveitam sua demonstração de amor, não podemos deixar de ver o trágico nisso.

José e Maria e a liderança religiosa

Diante de todas as instruções recebidas, inclusive sobre o nome da criança (Lc 1.31), José e Maria sempre obedeceram – inclusive quando se tratava de ir ao Egito ou de lá retornar. Será que eles não saberiam melhor onde o filho deles deveria nascer, como deveria ser chamado, como ele devia ser criado...?

Não, eles simplesmente creram e aplicaram a sua fé na prática. Isso, por sua vez, é uma prova da integridade de José e Maria. Eles não se mantiveram obstinados nem preconceituosos diante da palavra do Deus vivo. Os dois constantemente mantinham a palavra de Deus em seus corações e a faziam valer em sua vida.

Esse casal serve de contraste aos estudiosos escribas e sacerdotes dogmaticamente incrustados, que não tinham mais nenhuma receptividade à viva Palavra de Deus e se mantinham colados na letra, questionando tudo, em vez de permitir que a Palavra agisse em suas vidas. Isso não nos leva imediatamente a lembrarmos da situação desoladora de muitas igrejas e teólogos atuais? Cada um pode formar seu próprio quadro; nós, porém, seguimos com Jesus.

O nome Jesus, ou Yeshua, significa “[Yahweh é] salvador”. Yahweh é o eterno, o “Eu Sou”, o único verdadeiro Deus de Israel. E aqui o nome realmente é o plano. Não se tratava simplesmente do nascimento de uma criança, mas do Salvador, exatamente como foi anunciado a José: “Ela dará à luz um filho e você porá nele o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21).

Essa libertação dos pecados – libertação das trevas para a luz – não está limitada ao povo judeu, mas abrange o mundo inteiro. “E não há salvação em nenhum outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome [além de Jesus Cristo], dado entre homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12).

Diante de Maria, o anjo Gabriel confirmou: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo” (Lc 1.32a). Na verdade, trata-se do nascimento de uma criança sem igual. Jesus é maior! Maior do que Moisés, maior do que a Lei. Maior do que Elias e maior do que todos os profetas. Maior do que Arão e maior do que todos os sacerdotes. Maior do que Salomão e maior do que todos os reis. Maior do que os anjos e maior do que o templo. E, naturalmente, maior do que Maria – para voltarmos à agraciada virgem.

NatalIsto é Natal: o nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

Qual era o motivo que levou o anjo Gabriel a seguir para Nazaré e anunciar esse nascimento extraordinário a José e Maria? Não era pela cidade, nem pelos seus habitantes, mas era por uma criança que ainda nem havia nascido. Ao louvar Maria, Isabel falou: “... e bendito o fruto do seu ventre!” (Lc 1.42).

O fruto do ventre de Maria; o Filho unigênito de Deus, é o motivo da bênção e da graça da qual Maria também foi participante. Por meio do fruto do ventre – por meio de Jesus – também a mamãe é honrada, e não o contrário.

Em continuação, Isabel menciona a “mãe do meu Senhor”, não o “filho de minha senhora” (Lc 1.43). A mãe não é maior do que o Senhor, mas Jesus, o Senhor, é maior e se encontra no ponto central, acima de tudo e de todos. Assim, o destaque marcante do Natal não é o tamanho, o peso e a circunferência da cabeça de uma criança normal, mas o nascimento de Cristo, o bebê mais excepcional de todos os tempos.

“Por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1.35b). Observe que não está escrito que esse bebê algum dia seria declarado santo ou que ele buscaria a santificação, mas que ele é santo. Conseguimos ter uma noção sobre quem se tornou homem? Esse nascimento é e continuará sendo a encarnação daquele que é o primogênito de toda a Criação e, assim, o próprio Criador.

O sentido do Natal

Por meio do nascimento do Senhor Jesus, a graça de Deus se manifestou de maneira especial. É por isso que o Natal envolve principalmente o nosso relacionamento com Deus, o qual se tornou humano nessa criança a fim de restabelecer a comunhão conosco.

E você, não gostaria de acompanhar o testemunho de Isabel e Maria? Maria disse: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra” (Lc 1.38), e Isabel testemunhou: “Bem-aventurada a que creu” (Lc 1.45). Isso continua valendo hoje: a fé em Jesus Cristo pode transformar você num filho de Deus.

Se você também puder dizer, em obediência e confiadamente: “Aqui está a serva do Senhor; que aconteça comigo conforme a sua palavra”, então você não apenas compreendeu o valor do Natal, mas todo o sentido da sua própria vida.

Isto é Natal: o nascimento do seu Salvador, a mão estendida de Deus que devemos agarrar para poder viver em paz e plena felicidade com Deus, por meio de Jesus Cristo, que é a graça personificada.

Thomas Lieth é pregador e responsável pelo trabalho editorial da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Dezembro 2022

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