Diversos batismos no Espírito?

O derramamento do Espírito Santo foi prometido no Antigo Testamento, confirmado nos evangelhos por Jesus e cumprido em Atos, no Pentecostes. Como, porém, entender outros derramamentos do Espírito Santo que o livro de Atos relata?

Resposta

É importante, aliás, indispensável, conhecer o que está por trás de tudo para podermos entender corretamente a temática do “batismo no Espírito”. Uma pergunta frequente é sobre o contexto em devem ser vistos os eventos de derramamento do Espírito em Atos 8.14-17; 10.44-48 e 19.1-7, e em que medida eles ainda se aplicam hoje em dia. Sobre isso vejamos alguns aspectos da história sagrada.

Depois da queda no pecado, Deus prometeu à humanidade um redentor (Gn 3.15). No entanto, a promessa foi ainda muito além – até a futura renovação do coração e a habitação do Espírito Santo (Ez 36.26). Essa promessa não chegou a se cumprir nos tempos do Antigo Testamento, mas foi apenas anunciada. Além disso, no Antigo Testamento, o Espírito Santo foi concedido apenas periodicamente a algumas pessoas, tendo sido retirado depois, de modo que Davi orou: “Não me lances fora da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51.11).

Hoje, na era da igreja, isso é completamente diferente. Jesus Cristo prometeu aos crentes da igreja que o Espírito Santo, que receberam quando nasceram de novo (Ef 1.13), permaneceria eternamente com eles (Jo 14.16; cf. Ef 4.30). Na era atual da igreja de Jesus, o Espírito de Deus permanece nos crentes por meio do novo nascimento.

A situação descrita em Atos 8 e 19 ocorreu num momento de transição – como aliás todo o relato de Atos. O período do Antigo Testamento e da Lei estava terminando. Se, depois do Antigo Testamento, lermos os evangelhos, perceberemos que se diz ali repetidamente: “Para que se cumprisse a Escritura”. De acordo com isso, Deus estava tratando de cumprir passo a passo as promessas que dera no Antigo Testamento, do que os evangelhos dão testemunho. Entretanto, com isso ainda não se manifestara a novidade, a era da graça e da igreja de Jesus.

Isso ocorreria mais tarde, por meio do apóstolo Paulo.

Faltava também o Consolador. A habitação do Espírito ainda não era realidade, embora Deus a tivesse prometido. Ela só se realizou com o derramamento do Espírito Santo em Pentecostes (At 2). O Senhor Jesus previu esse evento (Jo 14.16,26). Em Pentecostes, então, o Espírito Santo veio. Resumindo: prometido no Antigo Testamento, confirmado por Jesus Cristo e cumprido no Pentecostes. Efésios 1.13 nos informa que todo aquele que entrega sua vida a Jesus Cristo por meio da conversão e nasce de novo, é selado com o Espírito Santo de Deus. Aquilo foi algo inédito, completamente novo.

O conhecimento dessa linha da história sagrada é pré-condição para podermos entender Atos 8, 10 e 19. Todavia, ainda há outra coisa que precisamos saber. Os judeus religiosos viam a si mesmos como o povo de Deus (o que de fato são), e por isso não mantinham nenhum contato mais próximo com gente de outra fé (p. ex., os samaritanos), mas os evitavam, porque consideravam essas pessoas impuras.

Mesmo para Pedro, um dos apóstolos líderes da igreja primitiva, aquilo era um enorme problema (At 10.11-20; Gl 2.11-15). No entanto, o próprio Deus resolveu esse problema ao conceder, em Atos 8, o Espírito Santo particularmente também aos samaritanos. Os samaritanos tinham ancestrais judeus, guardavam a Torá e adoravam a Deus em seu templo no monte Gerizim. Durante o exílio assírio, eles se haviam misturado com não judeus e assumido os deuses deles. Por isso, não estavam incluídos no povo de Israel e eram desprezados por este.

Em Atos 10, a Bíblia se opõe a essa noção do povo judeu de que todos os não judeus seriam impuros. Pelo contrário, Deus diz justamente a respeito dessas pessoas “impuras”: “Não considere impuro aquilo que Deus purificou” (At 10.15). Para os judeus, tudo isso foi algo tão tremendo, novo e inimaginável que não conseguiram assimilá-lo. Deus, porém, em sua bondade, vai ao encontro dessa incapacidade humana e permite que ocorra o mesmo milagre singular que os judeus viram pela primeira vez em Pentecostes. Com isso, ficou claro para todos que também os samaritanos são aceitos, e até mesmo os gentios (cf. At. 10.45; Gl 3.28).

O evento em Atos 19.1-7 vai na mesma direção e, no entanto, é totalmente diferente. Ali trata-se de judeus crentes. Eles esperavam a vinda do Messias e também haviam expressado isso por meio do batismo de João. Mesmo assim, não conheciam o evangelho e não eram renascidos. Paulo precisa primeiro explicar-lhes tudo e só então, depois de terem crido no evangelho, eles recebem o Espírito Santo.

Conforme já dissemos acima, o livro de Atos representa a transição do Antigo para o Novo Testamento. Os eventos narrados ali foram confirmações divinas dos seus mensageiros. Se não levarmos isso em conta, correremos o risco de transformar o livro de Atos num compêndio doutrinário, o que ele não é nem pretende ser. Deixemo-lo ser o que de fato é: a história dos apóstolos que, de acordo com o seu mandato divino, levaram o evangelho a todo o mundo daquele tempo, partindo de Jerusalém e passando pela Judeia e a Samaria e indo até os confins da terra daquele tempo: Roma. Só depois desses eventos é que começa a história da igreja propriamente dita, com a carta aos Romanos, a qual pela primeira vez nos revela de forma única o que é a igreja de Jesus. Ela é um organismo, o corpo de Jesus na terra, composto de judeus, samaritanos e gentios.

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Novembro 2022

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