A Carta aos Romanos: Capítulo VIII

Em Romanos 8, Paulo chega ao grand finale: “Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).

Que declaração, que júbilo! Mais nenhuma acusação, nenhuma atribuição de culpa, nenhuma condenação! E então Paulo passa a expor esse fato, versículo a versículo: “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, livrou você da lei do pecado e da morte” (Rm 8.2).

Se você for realmente filho de Deus, então está livre (ainda que sua vida diária talvez sugira outra coisa). Você não é mais escravo do pecado. O redemoinho do pecado foi superado. Por meio do novo nascimento, você tem outro dono, e assim Paulo passa a falar sobre um outro princípio.

Sobre a vida no Espírito (v. 1-11)

No capítulo 7, a ênfase do texto sempre incidia no “eu”, e o resultado é conhecido: “Miserável homem que sou!” (Rm 7.24). No capítulo 8, Paulo dirige o olhar para uma outra ênfase: “a lei do Espírito” (Rm 8.2). Enquanto o capítulo 7 demonstrou que sozinhos não conseguiremos vencer, Paulo passa agora a mostrar que precisamos de alguém que nos ajude: o Espírito Santo, essa pessoa da Trindade divina que habita em nós. Com seu poder, ele quer capacitar-nos a levar uma vida santa. Antes, porém, de Paulo abordar esse assunto com mais detalhes, ele ainda precisa organizar algumas coisas.

“Porque aquilo que a lei não podia fazer, por causa da fraqueza da carne...” (Rm 8.3). A lei não serve de álibi, mas foi dada por Deus com o propósito de ser guardada e cumprida. Ela é santa, justa e boa! Ainda assim, tivemos de constatar que, para nós, é impossível guardar a lei. Se o tentarmos assim mesmo, o resultado será sobrecarga, hipocrisia ou depressão.

Deus, porém, em sua graça, preparou uma saída: “... isso Deus fez, enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no que diz respeito ao pecado. E assim Deus condenou o pecado na carne” (Rm 8.3).

Ele mesmo cumpre a norma que estabeleceu e ao mesmo tempo provê a saída, com Jesus Cristo cumprindo a lei plenamente e assumindo sobre si, em substituição, o castigo pela transgressão da lei. Essa saída é atribuída a todo o que aceitar isso pela fé: “A fim de que a exigência da lei se cumprisse em nós” (Rm 8.4a). Não ao vivermos segundo a carne, ao modo antigo, “mas segundo o Espírito” (Rm 8.4).

O divino Espírito Santo

A pessoa que efetiva isso em nós é o próprio Deus, por meio do seu Santo Espírito.

Se você for filho de Deus, ele habitará em você. Ele será o eixo e a referência. Com ele aprenderemos a cooperar, a contar com ele e a seguir aquilo que ele diz, insiste e admoesta. O cristão dominado pelo Espírito orienta-se de acordo com o Espírito Santo: “Os que vivem segundo a [natureza da] carne se inclinam para as coisas da carne, mas os que vivem segundo o Espírito se inclinam para as coisas do Espírito. Pois a inclinação da carne é morte” (Rm 8.5-6a).

Como cristãos, temos de decidir com quem queremos cooperar. Se for o Espírito de Deus, o resultado será “vida e paz” (Rm 8.6). Disso resulta vida autêntica, paz com Deus e um estilo de vida santo e agradável a Deus.

Em contraste com isso está a vida na carne, que a Bíblia chama de inimizade contra Deus: “Porque a inclinação da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7a).

Que tragédia! Redimido e chamado como cristão para viver em santidade e comunhão com Deus, sirvo ao pecado e giro o tempo todo em torno de mim mesmo. Assim, Deus será meu inimigo. Mesmo se eu achar que poderei me tornar justo diante de Deus por meio da prática de obras da Lei, a Bíblia insiste em chamar isso de obras da carne: “Pois não está sujeita à lei de Deus, nem mesmo pode estar. Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Rm 8.7b-8).

Se, porém, você tiver realmente renascido, não viverá mais “na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês” (Rm 8.9a).

Se ainda não for assim com você, então acerte isso agora, porque “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9). Só pessoas renascidas podem efetivamente levar uma vida santa e cultivar um estilo de vida que agrade a Deus.

A grande área de tensão (v. 10)

Os cristãos vivem em meio a uma grande área de tensão. Por um lado, Jesus Cristo está presente neles por meio do seu Santo Espírito. Por outro, vivem num corpo com tendência a pecar, em um mundo cujas demandas os tocam e influenciam diariamente, induzindo-os a pecar. Assim, por um lado já têm em si a vida eterna concedida por Deus e, com isso, a esperança da glória. Ao mesmo tempo, porém, também carregam em si os rastros da morte. Também os cristãos são acometidos de doenças, precisam lutar com debilidades de caráter e conhecem sofrimento, tribulações e lágrimas. É como a Bíblia diz: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro” (2Co 4.7a).

“O cristão dominado pelo Espírito orienta-se de acordo com o Espírito Santo.”

Essa área de tensão é o que Paulo aborda quando escreve que “se em vocês habita o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou Cristo dentre os mortos vivificará também o corpo mortal de vocês, por meio do seu Espírito, que habita em vocês” (Rm 8.11).

Em meio a essa área de tensão temos a chance de aprender a levar uma vida vitoriosa: “Assim, pois, irmãos, somos devedores não à carne, como se estivéssemos obrigados e viver segundo a carne” (Rm 8.12). Portanto, nenhum cristão renascido precisa continuar servindo ao pecado, cultivando o vício e permanecendo preso, nem deve mais nada à velha natureza carnal.

Sobre a vida vitoriosa (v. 12-17)

A vitória requer aprendizado! Ninguém corre uma maratona para subir ao pódio de primeira. Tanto vencer uma maratona como ser um cristão vitorioso requer treinamento diário. Paulo motiva seus leitores ao escrever: “Porque, se vocês viverem segundo a carne, caminharão para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificarem os feitos do corpo, certamente viverão” (Rm 8.13).

Treinamento espiritual significa contar diariamente com o Espírito de Deus, com sua ajuda e seu apoio, abrir espaço ao Espírito Santo em minha vida, permitir que ele, o Espírito Santo, mortifique “os feitos do corpo” em mim (Rm 8.13).

“Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8.14). Será que, apesar do barulho, da confusão, das distrações e da mídia, ainda ouvimos a voz do Espírito Santo? Permitimos ainda que o Espírito Santo nos dirija? Será que o Espírito de Deus ainda consegue nos admoestar por meio da Bíblia? O segredo de uma vida vitoriosa nada tem a ver com pressões, mas resulta de uma vida de comunhão com Jesus.

“Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto ele limpa, para que produza mais fruto ainda” (Jo 15.1).

O fruto não cresce por nosso próprio esforço e empenho ou por obras da Lei. Nenhum cacho de uvas na videira frutifica por esforço dele mesmo. A única coisa que o cacho faz é permanecer quieto e suspenso na videira para assim produzir fruto. Será que permanecemos assim em Jesus?

É só assim que frutificaremos: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio” (Gl 5.22-23a).

É interessante que não se descreve aí de que maneira o fruto cresce. Ele simplesmente está aí, surgindo por si próprio, de tal modo que nem sequer o próprio portador o percebe. Isso nos diz que o fruto espiritual só poderá ser produzido numa vida de profunda comunhão com Jesus. A vida surgirá somente se eu me entregar diariamente a Jesus. Só me entregando a ele é que poderei ser vitorioso na vida diária. Então me acalmarei e não preciso mais ter medo: “Porque vocês não receberam um espírito de escravidão, para viverem outra vez atemorizados...” (Rm 8.15).

O temor é um dos problemas centrais do ser humano. É o temor (ou medo) de perder o emprego, de que a “felicidade” possa desmoronar, o medo de algum acidente, de uma doença incurável, medo de guerra e terror. Também como cristãos conhecemos o medo. Sim, Jesus mesmo diz: “No mundo, vocês passam por aflições...” (Jo 16.33).

O que acontecerá amanhã? Talvez eu adoeça de forma incurável ou perca um dos meus familiares. Ninguém de nós tem garantia de um sustento seguro. Também como cristãos somos gente normal e temos os nossos medos e preocupações, mas é bem nessa situação que Jesus nos diz: “... tenham coragem: eu venci o mundo” (Jo 16.33).

E ainda bem mais do que isso: por Jesus estar presente, não precisamos mais ter medo, nem mesmo de alguma derrota, porque mesmo aí Deus é maior e sempre quer nos abraçar.

Deus é seu Pai?

Paulo dá mais um passo além e escreve: “... [vocês] receberam o Espírito de adoção, por meio do qual clamamos: ‘Aba, Pai’” (Rm 8.15).

Sim, você não está apenas reconciliado com Deus, mas muito mais: Deus é Pai! E um relacionamento normal (humano) de pai para filho consiste em amor, confiança, apreço e respeito, mas não de temor, medo ou até repulsa ou ódio. Antes, um relacionamento autêntico de pai para filho (deveria ser) marcado de íntimo amor, absoluta confiança, elevado apreço e profundo respeito.

Permita-me perguntar: Deus é seu Pai? Porque é isso o que Deus quer ser para você. Paulo escreve: “O próprio Espírito confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).

Que privilégio é poder ser filho de Deus e saber que sou filho daquele que criou o universo inteiro; filho daquele que, por meio da sua palavra, despertou toda a vida; filho daquele que me ama infinitamente; sim, daquele que me ama tanto que entregou sua própria vida para me redimir e poder finalmente voltar a me abraçar. Assim, esse maravilhoso Deus me diz: “Não tenha medo, porque eu o remi; eu o chamei pelo seu nome; você é meu” (Is 43.1).

Deus nos ama tanto que nos quer ter consigo no céu. A Trindade divina confirma isso, porque o Pai se volta para o Filho, o Filho paga na cruz com sua própria vida e o Espírito Santo me atribui pessoalmente essa redenção. Essa herança consiste na vida eterna (Tt 3.7) e no direito de cidadania no céu (Fp 3.20), o direito de habitação com Deus (Ap 21.3). Seu nome estará marcado em nossa testa (Ap 22.4) e seremos herdeiros do seu reino (Ap 21.4-7).

“O próprio Espírito confirma ao nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo...” (Rm 8.16-17).

Pela cruz à coroa (v. 18-27)

Ainda que muitas vezes preferíssemos algo diferente, os sofrimentos parecem fazer parte do plano de Deus: “... se com ele sofremos, para que também com ele sejamos glorificados” (Rm 8.17).

As razões disso podem estar encobertas para nós, mas é apenas por meio da cruz que chegaremos à coroa – pelo sofrimento à glória. Mesmo assim, Paulo escreve: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18).

A glória que nos espera deve ser tão indescritível que mesmo os maiores sofrimentos, tribulações e dores serão esquecidos num só momento. De fato, eles não contam. Assim, Paulo está cheio de esperança e confiança: o melhor ainda está por vir!

“A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus” (Rm 8.19). Mesmo o reino animal anseia pelo dia em que a vitória de Jesus será proclamada publicamente.

Assim, a criação suspira hoje sob as consequências do pecado (morte, medo, desgraça, etc.), de modo que Paulo escreve: “Pois a criação está sujeita à vaidade, não por sua própria vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora” (Rm 8.20-22).

Desde a queda no pecado, toda a criação ficou marcada por sofrimento, lágrimas e morte. Chegará, porém o dia em que “‘o lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; pó será a comida da serpente. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte’, diz o Senhor” (Is 65.25).

Finalmente, a oração de Jesus se terá cumprido. A esperança de muitas gerações se realizará. Todos os verdadeiros cristãos anseiam por esse evento, a respeito do qual Paulo escreve: “E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23).

Essa promessa ainda está pendente, se faz esperar e, no entanto, é nossa esperança diária: “Porque na esperança fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança. Pois quem espera o que está vendo? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (Rm 8.24-25).

“Temos como cristãos uma esperança viva e, ao mesmo tempo, uma maravilhosa promessa de ajuda divina.”

Assim, temos como cristãos uma esperança viva e, ao mesmo tempo, uma maravilhosa promessa de ajuda divina. Até que essa esperança se realize, vale que “da mesma maneira, também o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza. Porque não sabemos orar como convém, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8.26).

O próprio Espírito de Deus nos dá certeza no coração sobre esse fato em tempos de angústia, de dúvida, de depressão, de incerteza e questionamentos. O próprio Deus nos representa por meio do seu Santo Espírito. Ele nos conhece e é quem melhor sabe do que necessitamos. Ele não nos abandona. Em meio aos suspiros por redenção, ele permanece ao nosso lado e não nos deixa sós. Que privilégio!

Haverá algo mais glorioso e consolador? O próprio Deus nos representa. Ele conhece as nossas necessidades. Por isso, Paulo pode escrever cheio de alegria e confiança: “E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque intercede pelos santos de acordo com a vontade de Deus” (Rm 8.27).

O grande júbilo (v. 28-39)

“Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus...” (Rm 8.28). Os filhos de Deus podem rejubilar, já que foram redimidos pelo sangue de Jesus Cristo e selados pelo Espírito Santo, tendo Deus como Pai – e, diante de tudo isso, Paulo só pode exaltar e adorar a Deus, cheio de admiração.

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Novembro 2022

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