“Keren” na história do sacrifício de Isaque

Sobre a palavra hebraica “keren” – 2ª parte

O Messias entregará sua vida como oferta em favor de muitos.

No primeiro artigo, vimos que a palavra hebraica keren significa literalmente chifre, mas em nossas Bíblias ela também é traduzida como força ou poder, já que este é um possível significado simbólico dela. Keren pode aparecer nos mais diferentes contextos, e os artigos desta série se concentrarão essencialmente nas passagens bíblicas que tratam desse conceito. Nosso objetivo é examinar de que modo essa palavra trata profeticamente da pessoa e da vida do Messias Jesus.

Vimos também que, no Novo Testamento, em Lucas 1, o valor profético dessa palavra é confirmado por meio do cântico de Zacarias, o pai de João Batista. Zacarias exalta a Deus, que enviou aquele que prometera para a redenção do seu povo. No versículo 69, então, ele diz que Deus “nos suscitou plena e poderosa salvação [lit. ‘um chifre de salvação’] na casa de Davi, seu servo”. A expressão “chifre de salvação” aponta claramente para Jesus Cristo, que nasceria alguns meses depois dessas palavras de Zacarias.

A palavra hebraica keren aparece oitenta vezes na Bíblia – ou 94 vezes, se incluirmos o equivalente aramaico karna (קַרְנָא), que só aparece no livro de Daniel.

A primeira ocorrência de keren está em Gênesis 22, quando Deus prova Abraão ao instruí-lo a sacrificar seu amado filho Isaque. Como se sabe, Abraão tomou Isaque e tudo que era necessário para o sacrifício e se pôs a caminho até o monte que Deus lhe havia indicado. Chegando ali, ele levantou um altar, amarrou seu filho, deitou-o sobre o altar e pegou uma faca para matá-lo. Estava na iminência de matar seu filho quando o anjo do Senhor o impediu e disse: “... pois agora sei que você teme a Deus, porque não me negou o seu filho, o seu único filho” (Gn 22.12).

No versículo seguinte, então, lemos que “Abraão ergueu os olhos e viu atrás de si um carneiro preso pelos chifres entre os arbustos. Abraão pegou o carneiro e o ofereceu em holocausto, em lugar do seu filho”. Lendo essa história, não há como não pensar em nosso Senhor Jesus Cristo. Tal como Abraão, Deus também não poupou o seu Filho amado, mas o entregou como oferta para a redenção de todos os que cressem nele.

Na história de Abraão e Isaque, o animal sacrificado era um carneiro com chifres, e Abraão viu que ele se havia prendido nos arbustos com os chifres. Há uma mensagem para nós no fato de que justamente seus chifres o levaram à morte. Justamente aquela parte do corpo que proporciona ao carneiro a força e a vitória sobre seus inimigos – e majestade real aos olhos de outros animais –faz com que ele fique preso nos arbustos. Com isso, ficou fácil para Abraão agarrá-lo e matá-lo. Assim, estamos diante de um significativo paradoxo: os chifres do carneiro destinam-se a ferir seus inimigos e não a se enredar e acabar perecendo por isso!

“Jesus Cristo, o amado Filho de Deus, que seu pai não poupou, foi como o carneiro na história do sacrifício de Isaque.”

Essa imagem do carneiro preso pelos chifres entre os arbustos nos faz pensar involuntariamente em nosso Senhor Jesus Cristo. Antes de crucificá-lo, os soldados prepararam para ele uma coroa de espinhos (Mc 15.17). Ela pode ter-se assemelhado ao espinheiro em que o carneiro ficou preso. Jesus Cristo, o amado Filho de Deus, que seu pai não poupou, foi como o carneiro na história do sacrifício de Isaque. O carneiro enredou-se com seus chifres, com os instrumentos do seu poder e dignidade real. E Jesus, o Rei dos reis e Senhor de todos os senhores, digno de ser coroado, enredou-se voluntariamente em uma dolorosa coroa de espinhos, deixando-se ser morto na cruz.

A vida de Isaque, que por ordem de Deus deveria ter sido sacrificado e morto, foi preservada pela vida de um carneiro. De modo bem similar, o sacrifício de Jesus na cruz oferece a vida a todos os que aceitarem essa oferta e crerem nele, de modo que não terão mais de morrer.

A palavra keren no contexto da história do sacrifício de Isaque aponta profeticamente para o Messias, o Filho de Deus e Rei dos reis, que não demonstraria seu poder pela aniquilação dos seus inimigos. Em lugar disso, ele se apresentaria ao seu povo com grande humildade, para entregar sua vida em favor da redenção de todos os que nele reconhecessem o Filho que o Pai não nos recusou.

Gabriele Monacis faz parte da equipe do Hebrew for the Nations, organização que ensina o hebraico bíblico. Vive com sua esposa e filhos em Israel.

sumário Revista Chamada Outubro 2022

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