Exercitando a Espiritualidade
Você já conheceu alguém que se interessava por dietas e planos saudáveis extremos, como comer casca de eucalipto nas proximidades de um monastério no Himalaia?
O frutarianismo é uma dieta em que só se come frutas. Os frutarianos creem que sua dieta é aquilo que Deus desejava originalmente, de acordo com seu mandamento para comer de “todas as ervas que dão semente” e “todas as árvores em que há fruto que dê semente” (Gn 1.29). O povo de Deus às vezes se vê enredado em uma abordagem semelhante na busca da espiritualidade autêntica, envolvendo-se em coisas que são esotéricas demais para terem valor genuíno. Depois do alerta quanto à apostasia (v. 1-5), 1Timóteo 4 (v. 6-16) revela então como “exercit[ar]-se, pessoalmente, na piedade”. Para resumir esses versículos com uma terminologia contemporânea, poderíamos considerar essa seção da Escritura como um programa de exercícios espirituais em cinco passos.
Primeiro, exercite-se ambiciosamente (v. 6-10). O que um crente precisa é de um foco apropriado na vida piedosa: “Exercite-se, pessoalmente, na piedade” (que é viver de tal maneira que a sua vida seja um reflexo do caráter de Deus). A sociedade atual está preocupada com a boa forma física e a beleza, o que torna muito fácil para os crentes se apaixonarem por regimes de exercícios que têm valor limitado e, assim, distraírem-se da busca pela piedade. A busca ativa pela piedade traz benefícios ao cristão hoje e na eternidade.
Como alguém busca a piedade? De acordo com o versículo 7, a pessoa precisa se exercitar para alcançá-la. A palavra “exercício” no grego é gymnaze, da qual derivam as palavras “ginástica” e “ginásio”. Esse termo inclui a ideia de treinamento rigoroso, destinado a melhorar a aptidão ou capacidade física de uma pessoa. Aplicado à busca pela piedade, uma pessoa precisa exercitar-se com o comprometimento de um atleta.
Segundo, viva consistentemente (v. 11-12). Uma caminhada consistente com o Senhor torna um cristão espiritualmente saudável. A Escritura sugere que um crente pode estabelecer credibilidade ao ser “um exemplo... na palavra, na conduta, no amor, na fé, na pureza” (v. 12). A pessoa não exige respeito; pelo contrário, este é conquistado pelo viver piedoso.
“Uma caminhada consistente com o Senhor torna um cristão espiritualmente saudável.”
Terceiro, faça fielmente uma dieta (v. 13). Um crente saudável se concentra na Palavra de Deus e não se distrai com questões menores. Ler a Bíblia em voz alta é importante e sempre foi um hábito constante do povo de Deus. A “exortação” foca em compreender a relevância da Bíblia. A palavra para “ensino” sugere um estudo sistemático dos princípios bíblicos com o propósito de desenvolver um sistema resoluto e estruturado da verdade que irá ancorar a fé da pessoa e providenciará discernimento a fim de protegê-la do erro.
Quarto, sirva ativamente (v. 14-15). Um cristão saudável é um participante ativo como membro do corpo de Cristo, não apenas um espectador passivo. Considere conhecer a contribuição eterna que Deus deseja que você faça como um imperativo. Comprometa-se com o uso diligente dos recursos que Deus designou a você.
Quinto, avalie sua vida cuidadosamente (v. 16). Uma pessoa que está engajada em um regime disciplinado de exercícios físicos irá naturalmente monitorar o seu próprio progresso. De maneira similar, um cristão deveria monitorar a sua saúde espiritual. Em sua avaliação pessoal, pergunte-se diariamente se você está (1) fortalecendo sua caminhada com o Senhor, (2) buscando o crescimento espiritual, (3) mantendo a integridade doutrinária e (4) influenciando outros a se tornarem adoradores devotados a Deus, pela graça por meio da fé em Cristo Jesus.
“... porque, fazendo assim, você salvará tanto a si mesmo como aos que o ouvem” (v. 16). Crentes em Jesus têm uma responsabilidade de buscar o crescimento espiritual! Deus trará os resultados.
Esteja alerta (1Tm 4.1-5)
Depois do hino triunfante em 3.16, há uma advertência para estar alerta contra aqueles que, “nos últimos tempos”, “apostatarão da fé” (v. 1). Os “últimos tempos” não são apenas alguns poucos anos; antes, é o período inteiro entre a primeira e a segunda vindas de Jesus Cristo. A apostasia (afastar-se da fé em Deus) tem sido uma ameaça por toda a história da humanidade. Quando “alguns apostat[am] da fé”, eles abandonam os ensinos essenciais da Escritura. A Bíblia alerta repetida e inequivocamente quanto aos perigos e consequências da apostasia (p. ex. Hb 6.4-8).
A necessidade de abordar o falso ensino de maneira decisiva é explicada à luz da origem dessas crenças em “espíritos enganadores” e “ensinos de demônios” (v. 1; cf. 1Jo 4.2-3). O falso ensino encontra receptividade naqueles que são mentirosos hipócritas, cuja consciência está cauterizada (v. 2). Mentirosos hipócritas são aqueles que voluntariamente aceitam a falsidade para justificar seu orgulho ou pecado; também se refere àqueles que afirmam acreditar na Bíblia, mas a distorcem para apoiar suas próprias opiniões ou ideias. Uma consciência cauterizada é aquela que teria convencido uma pessoa a não se afastar da verdade, mas agora se tornou inerte.
Além disso, o falso ensino é contrário à ordem de casamento da criação de Deus e sua dádiva da comida como um presente (v. 3-5). A natureza insidiosa do falso ensino é que ele subverte o plano de Deus. O simples chamado à fé no Filho de Deus – Jesus Cristo – é frequentemente abusado, seja por meio do legalismo (a ênfase na observância estrita de códigos morais como meio de ganhar o favor divino), seja do libertarianismo (a ênfase sobre os direitos pessoais).
Na época em que 1Timóteo 4 foi escrito, a tendência era na direção do legalismo, o qual é descrito nos versículos 3-5. Obviamente, códigos morais não são ruins em si, mas se tornam desastrosos quando a obediência a eles se torna uma tentativa de aplacar a Deus ou de ganhar o favor divino. A única maneira pela qual uma pessoa pode ser reconciliada com Deus e manter um relacionamento com ele é pela graça por meio da fé em Cristo.
Seja disciplinado (1Tm 4.6-16)
A apostasia nesses “últimos tempos” não deveria ser algo inesperado, pois ela foi profetizada (v. 1-5). Ainda assim, há instruções positivas para se derrotar a influência do falso ensino. Um “bom ministro de Cristo Jesus” é alguém que está constantemente “alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina” (v. 6). A nutrição espiritual constante é essencial, pois é a fonte da vida. A efetividade e força de alguém para o serviço espiritual irão falhar sempre que o desenvolvimento espiritual for negligenciado.
“A efetividade e força de alguém para o serviço espiritual irão falhar sempre que o desenvolvimento espiritual for negligenciado.”
Nem tudo promovido como espiritual é útil. É melhor evitar inteiramente algumas coisas, tais como “fábulas profanas e de velhas caducas” (v. 7). Há muitas curiosidades, movimentos espirituais e teologias sem valor que são mitos ímpios do tipo que “velhas caducas” com tempo de sobra disponível gostam de proliferar. Fique atento para ideias e práticas que distraem e enganam, as quais são apresentadas como espirituais mas produzem resultados ímpios. Para discernir a verdade, o cristão precisa estar disciplinado “na piedade”. Em contraste com o legalismo e com o libertarianismo dos falsos mestres, a piedade autêntica se concentra em viver uma vida à luz da verdade bíblica.
Os cristãos não se autodisciplinam para alcançar grandeza, mas piedade. Essa disciplina brota de um entendimento bíblico da graça de Deus, pois ele é quem transforma um coração de pedra em um coração de carne, com novas afeições e desejos. Os crentes se disciplinam não por dever; antes, por causa da alegria que têm no Senhor Deus. Os cristãos dependem do Espírito Santo para o seu trabalho e esforço, pois sua esperança está fixada “no Deus vivo, Salvador de todos, especialmente dos que creem” (v. 10). A piedade é o alvo, a motivação, e a disciplina é o meio para esse fim.
A disciplina de um atleta é necessária (v. 8), mas não o mero exercício físico do corpo, o qual tem certo valor. O treinamento físico não deve ser desprezado, mas seus benefícios são triviais quando comparados à “piedade [que] tem valor para tudo, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de vir”. Quem nos tornamos nesta vida nos acompanhará na eternidade!
O desenvolvimento e a maturidade espiritual, além da disciplina que tem a piedade como propósito, não existem no vácuo. Uma declaração confiável, “fiel”, segue a importância dessa observação: a saber, que o trabalho e a luta em busca da piedade ocorrem ao fixarmos “a nossa esperança no Deus vivo” (v. 9-10). Os cristãos confiam em um Deus que é ativo, vivo e presente em suas vidas. O desejo de agradar a Deus em todas as áreas da vida existe porque a eternidade será na presença do Senhor. Os códigos morais são úteis para a disciplina, mas não para a piedade (v. 11).
A idade cronológica não garante a maturidade espiritual (v. 12; cf. Hb 5.11-14), e é por isso que a questão da liderança espiritual nunca diz respeito à juventude ou à idade adulta; antes, refere-se a ser um exemplo de piedade, o que envolve a “palavra”, as ações (“conduta”), o “amor” pelas pessoas, a confiança (“fé”) em Deus e a “pureza” moral de alguém. Como você pode melhorar a sua capacidade de servir de forma espiritual? Primeiro, “dedique-se” à Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, e busque ativamente a “exortação” e o “ensino” da Escritura (v. 13).
Segundo, não negligencie o operar de Deus em sua vida (v. 14). Terceiro, “medite estas coisas e dedique-se a elas” (isto é, o viver bíblico autêntico; v. 15). Por último, “cuide de você mesmo” e daquilo em que crê (v. 16). Persevere no seu viver (sua conduta) – como alguém que é capacitado pelo Espírito Santo – e faça-o com uma fé bíblica incansável (a sã doutrina) para o presente com vistas à eternidade. Você então agradará a Deus e produzirá bondade e piedade em tudo o que fizer.