Liberdade Sexual Ruína Cultural

Em seu enorme projeto Sex and Culture (publicado já em 1934), o antropólogo Joseph D. Unwin examinou 86 sociedades e civilizações históricas.[1] Até hoje, porém, suas constatações nada perderam da sua importância. Alguns observadores falam hoje de uma progressiva sexualização de todas as áreas da vida (pansexualização da sociedade). Alguns veem nisso a definitiva libertação do ser humano; outros, por seu lado, a própria degeneração cultural. Tanto mais interessante torna-se perguntar quais serão as consequências se uma sociedade gradativamente abrir mão das suas normas sexuais. Haveria mesmo alguma relação entre a regulamentação sexual de uma sociedade e o desenvolvimento cultural?

Nos tempos de Unwin, representantes da psicanálise enunciaram a seguinte tese: quando normas sociais proíbem a satisfação direta de impulsos sexuais, o conflito emocional se expressará por outras vias. Aquilo que chamamos de “civilização” sempre está construído sobre a renúncia forçada à satisfação de desejos naturais.

Unwin quis investigar essa suposição, mas não com o objetivo de conferir uma teoria ou tese, mas de responder a uma pergunta pendente. “Quero enfatizar isso. Quando iniciei essas investigações, eu não queria provar nada e nem tinha ideia de qual seria o resultado”. Unwin ficou ainda mais surpreso com o seu resultado, pois teve de rever sua opinião pessoal. Em sua introdução, ele prossegue escrevendo: “Comecei com toda a ingenuidade. Se eu tivesse me conscientizado até que ponto eu teria de modificar minha filosofia pessoal, provavelmente teria vacilado em sequer começar com isso”. Vez após vez, ele teve de resistir às conclusões que “o material lhe impunha”.[2] Sua obra, de 676 páginas, está impregnada de um procedimento autocrítico e testifica uma detalhada análise do material de que dispunha. Justamente o manejo crítico e cauteloso de relatórios etnológicos (nos quais o estudo de Unwin se sustenta) e a confirmação pelo uso de diferentes fontes e indicadores são o que aponta para um procedimento minucioso.

Inicialmente, Unwin examina a suposta correlação entre a regulamentação sexual de uma sociedade e o desenvolvimento cultural em culturas incivilizadas e, num segundo estágio, em culturas civilizadas. Nesse contexto, ele aplica o conceito de “incivilizado” não em sentido de avaliação pejorativa, mas descritivo. Ele poderia da mesma forma ter chamado um formato social de A e outro de B. Como sociedades civilizadas, Unwin entendia as seguintes dezesseis culturas históricas desenvolvidas: sumérios, babilônios, egípcios, assírios, helenos, persas, chineses, japoneses, sassânidas, árabes (mouros), romanos, teutões, anglo-saxões e ingleses. Todos os outros povos que ele examinou e que não constam dessa lista, Unwin classificou como povos incivilizados.

O teólogo Kirk Durston resume em seu site as constatações de Unwin como segue:[3]

  1. Quando uma sociedade mantinha o instinto sexual sob controle, aquilo sempre se fez acompanhar de um avanço cultural. A crescente liberalidade sexual, por sua vez, conduzia após três gerações à ruína da cultura.
  2. Surpreendentemente, o fator mais importante para o florescimento de uma cultura foi de longe o fato de na sociedade a abstinência pré-matrimonial ser ou não a norma. Em cada caso, sua promoção ou rejeição exerceu profunda influência sobre a cultura.
  3. As culturas mais fortes foram as que praticavam a abstinência pré-conjugal e a “monogamia absoluta”. Tais sociedades baseadas na razão superaram todas as outras culturas em pelo menos três gerações, e isso em todas as áreas, inclusive literatura, artes, ciência, decoração, arquitetura, engenharia e agricultura. Só três das 86 culturas investigadas atingiram em algum momento esse ápice.
  4. Quando a abstinência pré-conjugal deixava de ser a norma, também desapareciam da cultura ao longo de três gerações a monogamia absoluta, o deísmo e a racionalidade.
  5. Assim que alguma cultura assumia a plena liberalidade sexual, ela degenerava em três gerações até o ponto mais baixo da vida cultural, caracterizado por pessoas que não se interessavam por nada mais do que satisfazer seus instintos e desejos. Nesse ponto, em geral a cultura era subjugada ou assimilada por alguma energia social mais forte.
“Assim que alguma cultura assumia a plena liberalidade sexual, ela degenerava em três gerações até o ponto mais baixo da vida cultural.”

Em vista desses achados, Durston observa que vivemos hoje na segunda geração depois da revolução sexual do Ocidente e que os resultados de Unwin de fato começam a se confirmar em nossa sociedade (veja p. ex. o movimento de gênero e a crescente influência do movimento LGBTQ+). Do ponto de vista histórico, e a menos que ocorra alguma reviravolta radical, isso significa a cultura ocidental atingirá na próxima geração o seu ponto mais baixo para então ser substituída por uma nova cultura.

Unwin escreve no seu livro: “Às vezes se ouve que alguém deseja desfrutar das vantagens de um elevado nível cultural e, ao mesmo tempo, eliminar as limitações da satisfação do instinto sexual. No entanto, parece que a natureza do organismo humano está estruturada de tal forma que esses desejos sejam incompatíveis e até se contradigam. Um reformador desse tipo se assemelha a um menino tolo que quer ao mesmo tempo comer o bolo e preservá-lo. Toda sociedade humana tem o direito de decidir se preferirá uma elevada energia social ou liberalidade sexual. Os fatos demonstram que ambos não são simultaneamente possíveis por mais de uma geração.” [4]

“Toda sociedade humana tem o direito de decidir se preferirá uma elevada energia social ou liberalidade sexual. Os fatos demonstram que ambos não são simultaneamente possíveis por mais de uma geração.”

Na primeira metade do século XX, a tendência cultural ocidental era predominantemente racionalista e viu enormes progressos tecnológicos: de carruagens para automóveis, de balões de ar quente para voos supersônicos e veículos espaciais que permitiram pousos de pessoas na lua, réguas de cálculo substituídas por computadores... De modo que é natural nos perguntarmos se a nossa cultura será a exceção e não submergirá.

As pessoas sempre têm a tendência de quererem crer que “conosco isso não acontecerá”. Unwin descreve essa postura como “egocentrismo perdoável” e como “doutrina curiosa e cômoda” que contradiz os dados que apontam com “monótona” regularidade para a ocorrência do modelo da degeneração. É um outro modo de dizer que a “loucura repete a mesma coisa esperando resultados diferentes”. Unwin esclarece que não sabe por que a liberalidade sexual conduz diretamente à degeneração das culturas, embora indique por outro lado que a energia sexual retraída por meio de celibato ou monogamia é convertida em energia social mais produtiva.

Existe ainda um outro estudo que Durston indica em seu site em conexão com o estudo de Unwin:

“As mais recentes pesquisas de Mary Eberstadt[5] sobre assassinatos em massa, o considerável aumento de problemas de saúde psíquica, incluindo depressão, e a explosão da política de identidade constituem um ‘clamor primitivo’ causado pela perda de identidade”.

No passado, os jovens se tornavam adultos cercados de suas famílias com irmãos e um grupo considerável de primos, tias e tios. Todos esses colaboravam para conduzir o jovem a uma identidade “indispensável para o seu bem-estar”. Eberstadt mostra e documenta por meio de diversos estudos que essa dizimação da família é uma consequência direta da revolução sexual em fins do século XX.[6]

Tanto Unwin como também Eberstadt fornecem provas convincentes de que uma revolução sexual leva a consequências arrasadoras e de longo prazo para a cultura e a civilização. É como Unwin constatou: “A história dessas sociedades consiste em uma série de uniformes repetições”.

As leis morais de Deus não são simples regras arbitrárias outorgadas para restringir a liberdade da humanidade. Não, ele nos deu diretrizes concretas que nos apontam o caminho correto. “As pesquisas de Unwin e Eberstadt fornecem uma forte justificativa racional para a conclusão de que as leis de Deus relativas à nossa sexualidade – embora possam excluir alguns prazeres imediatos – nos protegem de enormes sofrimentos a longo prazo, maximizando ao mesmo tempo nosso desenvolvimento de longo prazo”. É algo que Deus nos demonstra enfaticamente ao longo de toda a Bíblia e que podemos experimentar sem restrições dia após dia se vivermos de acordo com a sua vontade.

Notas

  1. J. D. Unwin, Sex and Culture, (Londres: Oxford University Press, H. Milford, 1934). Disponível em: https://archive.org/details/b20442580/page/n5/mode/2up.
  2. Ibid. Disponível em: https://archive.org/details/b20442580/page/n9/mode/2up.
  3. Kirk Durston, “Why Sexual Morality May be Far More Important than You Ever Thought”, Kirk Durston (blog), 1 dez. 2019. Disponível em: https://www.kirkdurston.com/blog/unwin.
  4. Unwin, Sex and Culture. Disponível em: https://archive.org/details/b20442580/page/412/mode/2up?q=generation.
  5. https://maryeberstadt.com/about/
  6. “Identitätspolitik als Identitätsersatz: Mary Eberstadt über eine Strategie der sexuellen Revolution”, OJC.de. Disponível em: https://www.ojc.de/salzkorn/2020/selbstbestimmt-identitaetspolitik-gleichstellung/identitaetspolitik-primalscreams-maryeberstadt/.

Ellen Steiger estudou teologia no Uruguai e é missionária da Chamada no Brasil. É uma das responsáveis pelo trabalho editorial do ministério.

sumário Revista Chamada Agosto 2022

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