A Coroa de um Reino Órfão
Por muito tempo, os imperadores cristãos se consideraram representantes de Cristo na terra. Algo sobre as correlações e implicações bíblicas do ponto de vista da história sagrada.
O Novo Testamento confirma o que o Antigo Testamento prevê para a casa real de Israel, a saber, que um sucessor do rei Davi governará Israel e as nações (Is 9.5-6; Dn 7.13-14; Mq 5.1-4; Mt 1.1; Lc 2.26-38; Rm 1.1-4; Ap 22.16). Os cristãos sabem que Jesus Cristo é esse rei sobre todos os povos. De acordo com a Bíblia, ele assumirá seu reinado só quando Israel tiver chegado ao ponto de ser instituído como povo do reino de Deus no reino messiânico vindouro (Is 60.3-22). Assumindo a continuação da tradição de Israel, os cristãos criam nesse reino de Deus que viria e, quando ele não veio, passaram a procurá-lo aqui mesmo na terra. Afinal, Jesus também havia dito que ele já havia chegado na forma de sua pessoa (Lc 17.21). Muitos aplicaram isso ao domínio exercido pela igreja.
No início do século V, o norte-africano Agostinho de Hipona foi o primeiro a ensinar de forma abrangente essa doutrina do reino de Deus. Para a igreja daquele tempo, restou então apenas a questão de definir quem haveria de ser o novo rei Davi como representante no aguardo do Messias Jesus Cristo. Seria o papa, como representante espiritual ou sucessor dos césares romanos depois que estes se tornaram cristãos, o braço “secular” do reino?
O mosaico do teto da Capela Arcebispal, em Ravena, que o arcebispo Pedro II mandou instalar por volta do ano 500, é considerado como uma das primeiras representações de Jesus Cristo como braço romano secular do reino na forma imaginada pela igreja daqueles tempos. Jesus veste o uniforme de um capitão romano ou do próprio imperador. Nos ombros ele carrega sua cruz de Salvador, e em sua mão esquerda segura um livro aberto no qual se lê “Ego Sum Via Veritas Et Vita”: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14.6a). A igreja latina há muito tempo já não se lembrava dos filhos de Israel, que segundo a Bíblia possuíam uma promessa do reino messiânico de Deus. Já existia uma teologia substituta segundo a qual a igreja teria substituído Israel como corporação sagrada de direito divino.
Referindo-se a Gênesis 3.15, o Jesus retratado ali pisa a cabeça da serpente e coloca um pé sobre o leão, que então não vaga mais rugindo por aí como adversário de Deus (1Pe 5.8). Este sempre marca presença na história de Israel. Como adversário de Israel, ele também é sempre simultaneamente o adversário de Deus e de Jesus Cristo.
Por alguns séculos, imperadores cristãos reinaram com sede em Roma e Constantinopla, mas também em Tréveris, por um lado como sucessores dos imperadores romanos e, por outro, como predecessores do Messias sobre o suposto reino de Deus na terra. Eram romanos e gregos que pertenciam ao ambiente cultural romano e grego. Depois da ruína do império romano ocidental, a Igreja de Roma não dispunha mais de nenhum ungido que recebesse a bênção papal como César “pela graça de Deus”.
Isso só mudou com o rei franco Carlos Magno. Este se fez coroar pelo papa no ano de 800 como novo imperador e soberano sobre a cristandade. Os sucessores desse novo Sacro Império Romano foram então os reis alemães. O rei saxão Oto Magno foi coroado imperador romano pelo papa em 962. Ele se via como representante de Cristo na terra. Até o ano de 1806, os reis alemães tiveram a prerrogativa de serem coroados imperadores, até que Francisco I de Habsburgo, o último dessa longa linha sucessória, abdicou voluntariamente. Nenhum deles era judeu, mas viam-se como representantes do verdadeiro rei vindouro, Jesus, na sucessão dos reis Davi e Salomão, na medida em que fossem suficientemente piedosos para representar com convicção aquilo que constava acima da sua cabeça coroada, pois todos esses imperadores e reis portavam, desde Oto Magno, a mesma coroa, a coroa do Império Germano. Originalmente, ela era expressão de uma reivindicação sobrenatural de soberania sobre o chamado Sacro Império Germano, que por causa disso era tido, sob o nome de Império Romano, como reflexo do reino de Deus. Isso porque a Igreja Católica considerava o Império Romano como o reino de Deus depois de se tornar igreja oficial sob os imperadores romanos. Portanto, a rigor, era a coroa de Jesus Cristo que eles portavam antecipadamente, e a coroa do império se tornou a coroa do soberano pleno.
“A Igreja Católica considerava o Império Romano como o Reino de Deus depois de se tornar igreja oficial sob os imperadores romanos.”
Os adornos dessa coroa imperial referem-se exclusivamente à Bíblia e apontam para Israel. As pedras preciosas e as imagens foram extraídas das indicações do Antigo Testamento e do livro de Apocalipse. As inscrições são latinas. Davi segura uma faixa com os dizeres: “O rei honrado ama o justo juízo”; com Salomão consta: “Teme a Deus e evita a injustiça”. Na terceira representação, o rei Ezequias recebe a promessa de Deus transmitida pelo profeta Isaías: “Acrescentarei quinze anos à sua vida.” Ezequias colocou na confiança em Deus! A quarta placa apresenta Jesus ressurreto e entronizado acima do globo e ladeado por dois anjos. O Messias representa a soberania plena e a plena submissão e inclusão. Sobre isso consta em letras vermelhas sobre fundo dourado: “Per me reges regnant”, uma citação de Provérbios 8.15: “Por meio de mim os reis governam”.
Com isso, Jesus legitimaria a soberania do rei cristão – era como se pensava. Também aqui se percebe que os reis de descendência germânica não pensavam que o clã judeu de Davi ainda pudesse retornar ao reinado. Cria-se que Deus tivesse escolhido os alemães como judeus “melhores” pela graça de Deus. A maioria deles dedicou-se seriamente – como judeus piedosos – à justiça segundo o direito divino e a confiança em Deus. O que sobrou disso na Alemanha pós-imperial do século XXI?
Coroa Imperial do Sacro Império Romano da Nação Alemã.
Essa coroa é composta de oito partes unidas por uma alça também composta de oito campos. Uma informação enciclopédica a respeito disso diz: “Assim, no número humano de oito se expressava a aliança de Deus com os homens (aliança de Noé). De acordo com isso, o número oito era, para os cristãos ocidentais, o número do batismo, da união entre céu e terra, da perfeição, do infinito, da redenção, do Messias”.1 A inscrição na alça diz: “Romanoru(m) Imperator Aug(ustus)”, ou seja: “Imperador Romano”.
Segundo o que a maior parte da cristandade europeia creu por mais de mil anos, o reino de Deus na terra teria um braço espiritual e um secular: o papa e o imperador. Todavia, Davi e Salomão, Ezequias e Isaías eram judeus, não romanos. Jesus também era judeu. Segundo a Bíblia, é ele que, como Filho de Davi, preserva a sucessão judia dos ungidos de Deus, conduzindo-a para o reino messiânico. Portanto, voltará a ser um judeu que presidirá outros judeus e conduzirá os negócios do reino.
O Império Romano é o principal exemplo de um império humano com raízes pagãs que abriga a linha maldita dos inimigos de Israel e a linha bendita dos amigos de Israel em paralelo – ao menos é assim que se pode aplicar aos períodos da história sagrada a promessa de maldição e bênção dada a Abraão, Isaque e Jacó/Israel (Gn 12.2). Toda a glória terrena é emprestada e submergirá. Permanecem apenas ruínas, e o que sobrar de joias preciosas pode adornar o pescoço de qualquer pessoa comum que tenha cavado a terra.
A coroa imperial está adornada de pedras preciosas e pérolas que correspondem àquilo que os clérigos da época de sua confecção, no século X, leram em Apocalipse 21.22 e Apocalipse 4, bem como em Êxodo 28. As referências ali são israelitas, não romanas. Não condizem com a coroa imperial romana, assim como a igreja cristã não pode por meio de decreto papal aplicar a si as promessas dadas a Israel.
“A igreja cristã não pode por meio de decreto papal aplicar a si as promessas dadas a Israel.”
A coroa, hoje guardada no museu da câmara do tesouro do castelo real vienense, parece, diante do seu desonroso paradeiro num museu, ser um triste símbolo e expressão de uma estrutura mental edificada sobre areia e equívoco. Ainda assim, porém, aquilo que ela simbolizava proporcionou a muita gente ao longo de séculos uma noção da precariedade das condições terrenas, incapazes de reter a vinda do domínio divino. Quem não leva mais Deus em conta só porque na terra não existe nenhum digno representante de Cristo, comete um perigoso erro de cálculo, porque está escrito: “Foi-lhe dado o domínio, a glória e o reino para que as pessoas de todos os povos, nações e línguas o servissem. O seu domínio é domínio eterno que não passará, e o seu reino jamais será destruído” (Dn 7.14).
Nota
- “Reichskrone”, Wikipedia. Disponível em: https://de.wikipedia.org/wiki/Reichskrone.