A Carta aos Romanos: Capítulo 6
A grande questão com que nos deparamos no sexto capítulo de Romanos é: a quem pertenço, quem me governa, de quem sou escravo?
Escravo de Cristo (v. 1-14)
Segundo o Artigo 4º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, datada de 1953, a escravidão está oficialmente proibida. Infelizmente, a realidade é outra. Assim, em dezembro de 2013, o jornal Neue Zürcher Zeitung relatou que, no Malawi, 250 000 pessoas são mantidas em escravidão. Se pesquisarmos um pouco, descobriremos um quadro assustador: no Haiti, cerca de 300 000 crianças são mantidas como escravos domésticos. Na Mauritânia, a estimativa é de centenas de milhares de escravos. No Sudão consta serem várias dezenas de milhares, podendo já ter chegado aos cem mil; na Costa do Marfim são cerca de duzentos mil, tudo isso sem considerar a Ásia! A realidade desses escravos é a de não terem direitos – nem mesmo uma opinião própria, nem integridade física e emocional. Essas pessoas são consideradas mercadoria e tratadas de acordo.
É justo condenarmos toda espécie de escravidão, já que a integridade de alma, espírito e corpo faz parte dos valores fundamentais da ética cristã. Contudo, não seríamos todos escravos de algum modo – seja do pecado e, com isso, de Satanás, ou escravos de Jesus Cristo?
Paulo encerrou o quinto capítulo da carta aos Romanos com a constatação de que “onde aumentou o pecado, aumentou muito mais ainda a graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também a graça reinasse pela justiça que conduz à vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 5.20b-21).
Com isso fica claro que em Jesus Cristo fomos libertados do mercado de escravos do pecado: não precisamos mais servir ao Diabo! Assim, Paulo prossegue escrevendo: “Que diremos, então?...” (Rm 6.1). Com isso, ele está perguntando a quem sigo, a quem pertenço e sirvo – a quem, afinal, sou submisso. O fato é que, para os cristãos, essa questão já deveria estar clara, mas infelizmente não é assim.
Defuntos não têm o que reivindicar
Parece que alguns cristãos têm problemas com isso porque Paulo pergunta: “Continuaremos no pecado, para que a graça aumente ainda mais?” (Rm 6.1b).
Sim, existem crentes que vivem como se nunca tivessem sido salvos. Eles se mantêm presos ao pecado como escravos e até têm prazer em seu estado de escravidão! Outros, por sua vez, desculpam sua escravidão fingindo que, afinal, tudo isso não é tão grave assim. Paulo então confronta essa postura com veemência ao escrever “De modo nenhum!” (Rm 6.2a).
Paulo se distancia enfaticamente de tais ideias como de algo impossível: “Como viveremos ainda no pecado, nós, que já morremos para ele?” (Rm 6.2b). Não deixa de ser uma pergunta paradoxal, já que em Jesus Cristo somos uma nova criação e, com isso, não mais escravos do pecado.
“Ou será que vocês ignoram que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?...” (Rm 6.3). Paulo refere-se aqui ao evento do novo nascimento, escrevendo no passado. “Fomos batizados na sua morte”. Desde o nosso novo nascimento estamos unidos a Jesus. Esse evento se deu no passado. Com isso, o pecado não tem mais direitos. Não estamos mais sujeitos ao escravocrata Satanás.
Por meio do novo nascimento fomos incluídos no evento da cruz do Calvário. Fomos crucificados com Cristo como se nós mesmos tivéssemos sido pregados ali. Morremos com ele!
“Quem morreu com Jesus, encontrará a vida. Isso não é contraditório, mas lógica divina.”
“Fomos sepultados com ele na morte pelo batismo...” (Rm 6.4). Os mortos são sepultados. Os mortos não reivindicam nada. O lugar deles é o cemitério. Com isso, Paulo quer nos dizer que os cristãos estão mortos para o pecado, mortos para a reivindicação de Satanás. Se você está morto, então está morto! Não se pode estar mais morto do que morto. Você morreu definitivamente para as pretensões do pecado e o poder de Satanás.
Para Paulo, isso é um fato tão maravilhoso que ele consegue exclamar com júbilo: “Para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós andemos em novidade de vida” (Rm 6.4b).
Cristão nenhum ainda tem compromissos com o pecado. Não, nós pertencemos a Jesus. Quem nasceu de novo morreu definitivamente e também foi ressuscitado com Jesus Cristo, chamado a viver em uma nova vida.
Os cristãos pertencem a Cristo.
Um novo dono
“Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5). Ser unido a alguém significa fazer parte da sua natureza. Desde o nosso novo nascimento estamos unidos a Jesus numa unidade inseparável. Se antes éramos assim com o pecado, agora estamos unidos a Jesus. Se antes Satanás era o meu senhor, agora pertenço plenamente a Jesus.
Ele é o meu Senhor. Ele é o meu Mestre. Ele é o meu dono.
Paulo descreve a consequência resultante disso ao escrever que fomos “unidos com ele na semelhança da sua morte”. Isso significa, conforme disse Jesus: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6.38).
Portanto, quando seguimos Jesus, não importam mais os nossos desejos e ideias, mas aquilo que Jesus quiser e o que corresponder a ele. Estou comprometido em servir a ele e vivo para glorificá-lo.
Quem fizer isso concordará com os caminhos de Deus e experimentará o que Paulo diz ao escrever: “... certamente o seremos também na semelhança da sua ressurreição” (Rm 6.5). Tal pessoa pode viver pelo poder da ressurreição dele! E experimentará de modo sobrenatural por meio do testemunho do Espírito Santo em si que nunca está só – Jesus está sempre presente.
Essa pessoa experimentará que pode ser vencedor com Jesus. Ao mesmo tempo, crescerá nela a certeza de que o melhor ainda está por vir: a esperança da vida eterna.
Lembre-se
Como todos nós somos muito esquecidos, Paulo enfatiza repetindo: “Sabendo isto: que a nossa velha natureza foi crucificada com ele...” (Rm 6.6). Com ele fomos crucificados, com ele morremos, e a nossa velha natureza não está mais comprometida com o pecado.
Para Paulo é tão importante saber isso que ele prossegue: “... para que o corpo do pecado seja destruído, e não sejamos mais escravos do pecado” (Rm 6.6b). Com isso ele quer deixar claro, de modo indelével, que defuntos não dão mais nenhum sinal de vida.
A graça não é um passe livre para se esbaldar no pecado. Tal raciocínio é impossível para o cristão e não combina com um cristianismo autêntico.
Por isso, lembre-se: você morreu com Jesus! E mais: “Pois quem morreu está justificado do pecado” (Rm 6.7). Os mortos não reagem mais. Os mortos não são mais forçados a fazer algo.
Depois que você morreu com Jesus para o pecado, você está livre para viver para Jesus. “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele” (Rm 6.8).
Quem morreu com Jesus, encontrará a vida. Isso não é contraditório, mas lógica divina. Morra com Jesus e você encontrará a vida autêntica. Morra com Cristo e você receberá a plenitude. Morra com ele e sua vida ganhará sentido, objetivo e satisfação.
Isso é o que Jesus prometeu e o que todos nós ansiamos: “... eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10).
Uma nova martelada
Paulo escreve: “Sabemos que, havendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio sobre ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez para sempre morreu para o pecado” (Rm 6. 9-10a). Ele quer gravar essas palavras – crucificados, mortos e sepultados com ele – profundamente em nossa mente e no fundo do coração de forma profunda e indelével, como se fosse com martelo e cinzel!
Que esta seja nossa companhia diária: crucificados com Cristo, mortos com Cristo, sepultados com Cristo, para assim sermos livres para viver para o Único: “Quanto a viver, vive para Deus” (Rm 6.10b).
Paulo esclarece com muita ênfase, escrevendo com um triplo imperativo (uma ordem): “... considerem-se mortos para o pecado... não permitam que o pecado reine em seu corpo mortal... ofereçam a si mesmos a Deus e ofereçam os seus membros a Deus, como instrumentos de justiça” (Rm 6.11-13).
Essa convocação imperativa do apóstolo Paulo envolve toda a nossa vida, nossos pensamentos e o que dizemos e fazemos. Assim como antes o pecado reinou em nossa vida, é preciso que agora Jesus Cristo reine: “Porque o pecado não terá domínio sobre vocês, pois vocês não estão debaixo da lei, e sim da graça” (Rm 6.14).
Como filhos de Deus, não estamos mais comprometidos com a lei do pecado. Não somos mais obrigados a pecar. Somos livres e, com o Espírito Santo habitando em nós, podemos dizer “não” ao pecado. Se antes eu estava sujeito à lei de Satanás que me forçava a pecar, agora estou livre para servir a Deus.
Escravo do pecado ou da justiça? (v. 15-22)
A graça não é um passe livre para se esbaldar no pecado: “E então? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum!” (Rm 6.15). Tal raciocínio é impossível para o cristão e não combina com um cristianismo autêntico. “Será que vocês não sabem que, ao se oferecerem como servos para obediência, vocês são servos daquele a quem obedecem, seja do pecado, que leva à morte, ou da obediência, que conduz à justiça?” (Rm 6.16).
É uma alternativa excludente, conforme também lemos: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou irá odiar um e amar o outro, ou irá se dedicar a um e desprezar o outro. Vocês não podem servir Deus e às riquezas” (Mt 6.24).
É um ou outro. A Bíblia não admite meias posturas. Assim, nosso procedimento mostrará a quem de fato pertencemos. Se pertencermos a Jesus, colocaremos nossa vida à disposição dele e lhe serviremos em pureza e santidade. Já se ainda pertencermos a Satanás, também não importará se pecarmos. Mas a todos aqueles que experimentaram um verdadeiro novo nascimento, Paulo pode dizer: “Mas graças a Deus que, tendo sido escravos do pecado, vocês vieram a obedecer de coração à forma de doutrina a que foram entregues” (Rm 6.17).
Os filhos de Deus distinguem-se pela obediência à Palavra de Deus – afinal, estão marcados pelo Santo Espírito de Deus que habita neles. “E, uma vez libertados do pecado, foram feitos servos da justiça” (Rm 6.18). Eles se destacam por um estilo de vida santo, que agrada a Deus. Todavia, Paulo compreende muito bem as nossas debilidades e limitações humanas: “Falo em termos humanos, por causa das limitações de vocês...” (Rm 6.19).
Tudo isso que a Bíblia exige não são metas impossíveis, mas fatos efetivamente aplicáveis e praticáveis. A Bíblia nunca perde de vista a realidade da vida. Por isso, Paulo instrui: “Assim como ofereceram os seus membros para que fossem escravos da impureza e da maldade que leva à maldade, assim ofereçam agora os seus membros para que sejam servos da justiça para a santificação” (Rm 6.19b).
A vida santa é um aprendizado
Paulo trata desse procedimento transformado como um processo de aprendizado. Ele sabe muito bem que um estilo de vida agradável a Deus não virá por si mesmo. A tendência a pecar, a atração para baixo é forte demais, e o poder do hábito está excessivamente impregnado em nós. Por isso ele instrui: “Ofereçam agora os seus membros para que sejam servos da justiça para a santificação” (Rm 6.19b).
Isso significa nada mais do que a necessidade de aprendermos a colocar o nosso corpo à disposição de Deus a fim de praticar obras de justiça. Temos a oportunidade de aprender a formular nossos pensamentos de modo a que correspondam à Palavra de Deus, e as nossas palavras de um modo que glorifique a Deus.
Paulo nos lembra então pela última vez do nosso estado anterior: “Porque, quando vocês eram escravos do pecado, estavam livres em relação à justiça” (Rm 6.20). Vivíamos sem Jesus Cristo, sem novo nascimento, não agradávamos a Deus, estávamos presos em paixões e perdição, escravos de Satanás e do pecado. Eram frutos a respeito dos quais Paulo escreve: “Naquele tempo, que frutos vocês colheram? Somente as coisas de que agora vocês se envergonham, porque o fim delas é a morte” (Rm 6.21).
Assim, o cristão só se lembra envergonhado do seu passado, mas se rejubila com a graça que Deus lhe concedeu, de modo que Paulo pode escrever: “Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, o fruto que vocês colhem é para a santificação. E o fim, neste caso, é a vida eterna” (Rm 6.22).
Que diferença! Quando seguimos a Jesus, temos vida autêntica, verdadeira satisfação e uma alegria que não passa. É a vida para a qual na verdade o ser humano foi criado, o modelo de vida que lhe corresponde. Foi para isso que Deus o criou.
Assim, Paulo pode concluir escrevendo que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).