Seria ele Gogue?

A devastadora agressão da Rússia à Ucrânia não se encontra na Bíblia, mas a Rússia dos últimos tempos, certamente sim. Os atuais eventos parecem ser uma indicação para aquilo que ainda virá. Por acaso seria Putin Gogue, líder de Rôs e Magogue?

Ezequiel 38 é o ponto de partida para qualquer discussão da profecia bíblica sobre a Rússia. Em Ezequiel 38.1-2 inicia-se uma lista de nações que se aliarão nos tempos finais para formar um assalto do norte contra Israel: “A palavra do Senhor veio a mim, dizendo: ‘Filho do homem, vire o seu rosto contra Gogue, da terra de Magogue, príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal, e profetize contra ele’”.

Há nesse versículo duas palavras chaves correlacionadas com a Rússia: Rôs e Magogue.

A conexão Magogue

O primeiro lugar mencionado em Ezequiel 38 é Magogue (cf. Ez 38.2; 39.6). Além de Ezequiel, o nome Magogue encontra-se na Bíblia apenas em Gênesis 10.2 e em 1Crônicas 1.5 – onde ele aparece como filho de Jafé (um dos três filhos de Noé) – e em Apocalipse 20.8.

Segundo o historiador judeu Flávio Josefo, os antigos citas habitavam a terra de Magogue. Os citas eram impiedosas tribos nômades do norte que viviam no território da Ásia Central e nas estepes do sul da Rússia atual. Hoje, Magogue inclui cinco das ex-repúblicas soviéticas: Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Tajiquistão. O Afeganistão também poderia ser incluído nessa lista. Todas essas nações são islâmicas e somam uma população total de mais de 60 milhões de pessoas.

Muitos creem que o antigo Magogue incluiria também a Rússia atual. The Nelson Study Bible diz sobre Magogue que “normalmente ele era atribuído à região próxima ao mar Negro ou o mar Cáspio. Magogue é um dos filhos de Jafé, cujos descendentes habitavam terras da Espanha até a Ásia Menor, das ilhas do Mediterrâneo até o sul da Rússia”.

Charles Ryrie diz: “Josefo identificou Magogue como a terra dos citas, a região ao norte e ao nordeste do mar Negro e a leste do mar Cáspio (hoje habitada por três integrantes da Comunidade de Estados Independentes: Rússia, Ucrânia e Cazaquistão)”. Arnold Fruchtenbaum diz a respeito de Magogue, Rôs, Meseque e Tubal: “Essas tribos do mundo antigo habitavam a região da atual Rússia”. John MacArthur escreve a respeito de Ezequiel 38.2: “Citam-se os nomes de antigos povos que viviam no norte da Mesopotâmia e na região do Cáucaso na atual Rússia”.

O antigo Magogue incluía territórios hoje localizados na Rússia.

A indicação de Rôs

Depois de Gogue e Magogue, Rôs é o terceiro nome próprio em Ezequiel 38.2. Ezequiel 38.3 e 39.1 voltam a falar dele. Em razão de uma certa semelhança entre Rôs e Rússia, muitos os identificaram mutuamente. Essa opinião se popularizou a partir da nota sobre Ezequiel 38.2 na The Scofield Reference Bible: “É consenso geral de que se trata aqui primariamente das potências do norte (europeias) lideradas pela Rússia. [...] A menção de Meseque e Tubal é uma clara marca identificadora”.

Scofield parece estabelecer alguma conexão, uma vez que Rôs, Meseque e Tubal soam e se pronunciam de forma semelhante a Rússia, Moscou e Tobolsk. Identificar o Rôs mencionado em Ezequiel 38.2 e 39.1 com a Rússia apenas por causa da similaridade da pronúncia dos dois nomes não constitui um método exegético justificável. Nada justifica identificar uma palavra antiga com uma localização geográfica atual apenas por soarem de forma semelhante. Por outro lado, a suposição de que Ezequiel estivesse pensando na terra hoje chamada de Rússia se baseia em muito mais do que nomes de formato semelhante. Três linhas comprobatórias sugerem que Rôs seja de fato a Rússia.

A gramática

A linguagem de Ezequiel 38 depõe a favor de que Rôs corresponda à Rússia. No hebraico, a palavra Rôs significa simplesmente “cabeça, ponta, cume ou topo”. É uma palavra amplamente difundida, que aparece em todas as línguas semíticas. Só no Antigo Testamento ela aparece mais de 600 vezes. Algumas versões traduzem Rôs com a palavra “chefe” (“o principal príncipe”, BKJ), não com o nome próprio de algum local geográfico. Por outro lado, outras versões traduzem Rôs como nome próprio, apontando assim para uma localização geográfica.

A quantidade de referenciais depõe a favor de Rôs como nome próprio em Ezequiel 38 e 39. Para essa interpretação pode-se recorrer a quatro argumentos principais: em primeiro lugar, os dois estudiosos do hebraico C. F. Keil e Wilhelm Gesenius são da opinião que a melhor tradução de Rôs em Ezequiel 38.2-3 e 39.1 seria um nome próprio que aponta para uma determinada localização geográfica. O apoio dado por esses dois eruditos do século XIX é de grande importância. G. A. Cooke traduz Ezequiel 38.2 assim: “O soberano de Rôs, Meseque e Tubal”. Ele considera isso como a “forma mais natural de reproduzir o hebraico”. Mesmo assim, muitas bíblias e comentaristas modernos traduzem Rôs com o adjetivo “supremo”, o que define com mais precisão o conceito de “príncipe”. O principal motivo parece ser que não conheçam nenhum local chamado Rôs nos tempos de Ezequiel. O estudioso veterotestamentário John B. Taylor admite que “se posse possível confirmar o nome geográfico Rôs”, o termo Rôs seria a melhor tradução. Como veremos logo a seguir, havia na época de Ezequiel um local conhecido como Rôs. Isso remove o empecilho para traduzir Rôs como nome próprio.

Em segundo lugar, a Septuaginta – a tradução grega do Antigo Testamento hebraico – traduz Rôs como nome próprio. Embora isso não seja decisivo, não deixa de ser importante, já que a Septuaginta é de uma época próxima à de Ezequiel – os três séculos posteriores à redação do livro do profeta. O texto massorético hebraico, no qual se baseia a maioria das traduções inglesas do Antigo Testamento, dá suporte ao procedimento de empregar Rôs como nome de uma etnia.

Em terceiro lugar, várias enciclopédias bíblicas e outras de referência apoiam a tradução de Rôs como nome próprio em Ezequiel 38: New Bible Dictionary, Wycliffe Bible Dictionary, Jones’ Dictionary of Old Testament Proper Names e Baker Encyclopedia of the Bible.

Em quarto lugar, Rôs é citado pela primeira vez em Ezequiel 38.2 e depois mais uma vez em Ezequiel 38.3 e 39.1. C. F. Keil observa que Rôs deve ser um nome próprio por aparecer várias vezes, já que no hebraico títulos costumam ser abreviados no caso de repetições. Se Rôs fosse o adjetivo “soberano”, o termo não apareceria mais duas outras vezes.

Os referenciais bíblicos apontam claramente para a interpretação de Rôs como nome próprio designando um sítio geográfico. Isso, porém, é só a metade da questão. A próxima pergunta é: qual sítio geográfico? Wilhelm Gesenius, o pai da moderna lexicografia hebraica, supunha que o Rôs de Ezequiel fosse um nome próprio referente à Rússia. Em 1846 ele escreveu: “Sem dúvida, Rôs são os russos, que escritores bizantinos do século X citaram com o nome de Rôs e que viviam ao norte do Tauro [na Turquia]”. Gesenius não baseou sua opinião em eventuais conhecimentos da época ou em qualquer tendência teológica. O autor Joel Rosenberg observa a respeito:

“O que me parece tão interessante nesse parecer é o fato de que provém do ano de 1846, muito anterior à revolução comunista e à subsequente ascensão da União Soviética a superpotência nuclear. Nesse caso, Gesenius não lançou mão de nenhum objetivo político ou econômico para chegar à sua conclusão. Ele recorreu apenas ao objetivo da Escritura, e os referenciais de mais de 160 anos atrás lhe indicaram a Rússia.”

Essas convincentes declarações de estudiosos bíblicos sobre a gramática e a linguagem de Ezequiel 38.2 permitem reconhecer que Rôs deveria ser entendido como nome próprio de uma determinada região geográfica. Rôs refere-se à Rússia.

A etnia

Um dos argumentos contrários à equiparação de Rôs com a Rússia é que não existiu nenhuma antiga nação chamada Rôs; no entanto, evidências têm se acumulado sobre uma etnia do século VI a.C. chamada de “Rash”, “Reshu” ou “Rôs” e que vivia no sul da Rússia de hoje. Embora o termo apareça de muitas formas e grafias, está claro que se trata do mesmo povo.

Inscrições egípcias revelam que Rôs já existia em 2 600 a.C. Uma localidade chamada Reshu, situada ao norte do Egito, consta em inscrições egípcias a partir de aproximadamente 1 500 a.C. Muitos outros documentos muito antigos contêm o topônimo Rôs em pelo menos vinte casos. Tudo indica que, nos tempos de Ezequiel, Rôs era um sítio conhecido. No século VI a.C., quando Ezequiel anotou suas profecias, muitos integrantes do povo de Rôs viviam na região ao norte do Mar Negro. Clyde Billington comprovou a origem e a história primitiva do povo de Rôs e em seguida seguiu sua pista ao longo dos séculos, concluindo o seguinte:

“Tomando-se a geografia como base, a Escritura mostra que nos tempos do fim a Rússia será a líder da aliança proveniente do norte.”

“Desde 438 d.C., cristãos bizantinos localizaram Gogue, Magogue, Meseque, Tubal e Rôs em uma região ao norte da Grécia, que hoje conhecemos como Rússia. [...] Todas as provas históricas, etnológicas e arqueológicas favorecem a conclusão de que o povo de Rôs de Ezequiel 38–39 seria ancestral dos Rus/Rôs da Europa e da Ásia. [...] Os escritores de tempos remotos conheciam o povo de Rôs citado em Ezequiel 38–39 por numerosos nomes, todos derivados dos termos Tiras e Rôs. [...] O povo de Rôs que vivia em tempos remotos e medievais já era desde tempos primitivos chamado de Rus/Ros/Rox/Aorsi. [...] Dessa mescla com eslavos e os Rus varegues do século IX, os Rôs que viviam ao norte do Mar Negro constituíram o povo que hoje conhecemos como russo.”

Todos concordam que hoje não existe nenhum sítio geográfico chamado Rôs. Nossa tarefa será determinar qual povo ocupa hoje esse território. Arnold Fruchtenbaum comenta: “Ainda que os nomes dessas regiões geográficas tenham mudado ao longo dos séculos [...] e possam continuar a se modificar, o sítio geográfico permanece o mesmo. Sejam quais forem os nomes que os designem por ocasião dessa invasão, esses sítios geográficos participam. Embora a nação líder possa no passado ter sido a União Soviética, seguida da Comunidade de Estados Independentes, chamada tradicionalmente de Rússia, a invasão partirá desse território – seja qual for o nome que então terá”.

A geografia

A terceira linha comprobatória para a identificação de Rôs como Rússia baseia-se na posição geográfica. Ezequiel 38–39 enfatizam repetidamente que ao menos uma parte desse exército invasor dos últimos dias virá do “extremo norte” (38.6,15; 39.2). Na Bíblia, as indicações direcionais geralmente baseiam-se em Israel, que na bússola de Deus representa o “centro” (ou “umbigo”) da terra (Ez 37.12). Essa valiosa indicação do texto aponta para a Rússia. Se estendermos num mapa uma linha direta para o norte a partir de Israel, haverá apenas cinco países ao longo dessa linha: Líbano, Síria, Turquia, Ucrânia e Rússia, sendo a Rússia o mais distante ao norte. John Walvoord diz: “Simplesmente não há como escapar da Rússia quando se viaja da Terra Santa para o norte. A mera geografia parece deixar claro que a única nação da qual se pode dizer que provém do extremo norte é a Rússia”.

A geografia

Paul Enns comenta: “Esses inimigos provêm ‘do extremo norte’ (v. 6,15; ACF), a atual Turquia e o sul da Rússia – os países junto aos mares Negro e Cáspio”.

Walter Kaiser não tem certeza de que o Rôs de Ezequiel 38 seja realmente a Rússia, mas considera a indicação geográfica do extremo norte como inequívoca. “Ezequiel diz a respeito deles que virão de um lugar ‘do extremo norte’ (v. 15, ACF). A alusão ao ‘extremo norte’ sugere uma aliança liderada pela Rússia, já que nos mapas atuais Moscou se localiza quase em linha reta ao norte de Jerusalém”.

Tomando-se a geografia como base, a Escritura mostra que nos tempos do fim a Rússia será a líder da aliança proveniente do norte.

História – não manchetes

Não são apenas autores atuais que atribuem Ezequiel 38–39 à Rússia. Esse posicionamento possui claro apoio. Digo isso porque um frequente argumento contra a identificação de Magogue ou Rôs com a Rússia alega que isso não passaria de uma “especulação escatológica sensacionalista” baseada nas manchetes de hoje. Embora alguns professores de profecia certamente promovam especulações injustificadas e exegese jornalística, os estudiosos atuais não estão a sós com sua avaliação de que em Ezequiel 38 Rôs e Magogue representem a Rússia.

Eis aqui uma pequena lista de estudiosos de gerações passadas que identificaram Rôs ou Magogue com a Rússia:

  • Matthew Henry afirmou, em seu famoso comentário do início dos anos 1700, saber de várias pessoas que viam a Rússia em Ezequiel 38. Diz ele: “Alguns pensam encontrá-los muito ao longe na Cítia, no Tártaro e na Rússia”. Henry não afirma concordar com esse parecer, mas seu conhecimento dele certamente mostra que não se tratava de algo incomum.
  • Patrick Fairbairn, um pregador presbiteriano escocês, observa em seu comentário de Ezequiel publicado em 1842 que Rôs seria uma indicação da Rússia.
  • Jamieson, Fausset e Brown afirmam em 1871 a respeito de Rôs em Ezequiel 38: “Os taurinos cítios da Crimeia eram chamados assim. Também os araxes eram chamados de ‘Rhos’. Os atuais russos podem ter assumido o nome deles” (destaques do autor).
  • William Kelly, um estudioso dentre os Irmãos de Plymouth, escreveu em 1876 a respeito de Gogue (o líder da invasão em Ezequiel 38): “Trata-se do soberano absoluto de todos os russos, príncipe de Rôs, Meseque e Tubal”. E comenta: “A isto seguem-se dois capítulos que anunciam o juízo de Deus nos últimos dias – quando Israel estiver restaurado – por meio de um grande líder do norte e sua imensa multidão de adeptos e aliados nos montes da Terra Santa. [...] Quem poderia negar que o rápido e enorme desenvolvimento do império russo testifica inequivocamente a respeito do juízo vindouro anunciado há tanto tempo?”.
  • Arno Gaebelein, escrevendo no início do século XX, diz: “O líder é o príncipe de Rôs. [...] E aqui dirigimos nossa atenção para o príncipe, esse líder ou rei do norte, soberano de todas essas nações. Ele é o príncipe de Rôs. Pesquisas aprofundadas revelaram que o ancestral de Rôs foi Tiras [Gn 10.2] e que Rôs é a Rússia. Todos os estudiosos da profecia concordam ser esse o significado correto de Rôs. Portanto, o príncipe de Rôs será o príncipe ou rei do império russo”.

Os pareceres desses estudiosos resultaram do estudo da Palavra de Deus, não os acontecimentos do momento ou das manchetes. Queremos seguir o exemplo deles. Nossa diretriz precisa ser a Palavra de Deus. O fato de que os acontecimentos atuais coincidem com as declarações da Bíblia não promove o sensacionalismo dessa visão. Antes, demonstra a verdade da Escritura e aponta para a vinda de Cristo.

Ezequiel 38 esclarece que, nos últimos dias, a Rússia se tornará uma impressionante potência mundial. Queiramos ou não ver a Rússia em Rôs ou Magogue, a indicação da posição geográfica no extremo norte é inequívoca. O que vem acontecendo hoje na Rússia aponta com bastante clareza para a antiga profecia de Ezequiel.

Vladimir Putin, o novo Czar

“A Rússia de Putin é sem dúvida a maior e mais perigosa ameaça no mundo atual”, lamenta o grande mestre de xadrez russo Garry Kasparov em seu livro Winter Is Coming: Why Vladimir Putin and the Enemies of the Free World Must Be Stopped [O inverno está chegando: por que Vladimir Putin e os inimigos do mundo livre precisam ser impedidos].

Ele tem razão.

Putin domina uma Rússia neoczarista. A revista Forbes classificou Putin por quatro anos seguidos como a pessoa mais poderosa do mundo e escreveu: “Desde a sua terra natal, passando pela Síria e chegando às eleições presidenciais americanas, o líder russo tem sempre conseguido o que quer”.

Putin criou uma “vertical do poder”, como ele diz. Ou seja, “toda a estrutura do poder político da Rússia repousa sobre um só homem”. Segundo o ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov, Putin crê vir “diretamente depois de Deus”.

Uma história bizarra de junho de 2005 revela a convicção de Putin de que ele vive segundo suas próprias leis e que toma para si o que quer. Putin hospedou em um palácio em São Petersburgo um grupo de empresários que incluía também Robert Kraft, dono do New England Patriots, cujo time ganhara em fevereiro o Super Bowl. Ao final do encontro, aqueles diretores reuniram-se em torno de Putin para se despedirem dele e posarem para a sessão de fotos. Um deles perguntou a Kraft: “Por que você não mostra seu anel a Putin?”. Normalmente Kraft não portava seu anel do Super Bowl, mas deixava-o no bolso do terno. Aquele anel, adornado com 124 diamantes, tinha gravado o nome de Kraft (no valor estimado de 25 mil dólares). Kraft tirou o anel do bolso e entregou-o a Putin, que o pôs no dedo e disse: “Eu poderia matar alguém com isso.”

“A revista Forbes classificou Putin por quatro anos seguidos como a pessoa mais poderosa do mundo.”“A revista Forbes classificou Putin por quatro anos seguidos como a pessoa mais poderosa do mundo.”

Ao fim da sessão, Kraft estendeu a mão e quis tomar de volta o anel, mas Putin guardou-o no bolso e foi embora subitamente. Certamente ele pensou tratar-se de um presente, mas Kraft se espantou com a atitude de Putin. Kraft dirigiu-se ao presidente do Citigroup, que havia ajudado na organização do encontro, e até à Casa Branca. Disseram-lhe que o melhor a fazer seria dizer que a intenção era mesmo de presenteá-lo. Kraft protestou energicamente que não se tratava de um presente. Insistiram em lhe dizer que seria melhor deixar o anel como presente. Kraft acabou concordando e, quatro dias depois, publicou uma declaração de que o anel seria um “símbolo do respeito e da admiração que nutro pelo povo russo e a liderança do presidente Putin”. Kraft remoeu por anos a atitude de Putin. Kraft mandou fazer um outro anel, e o original foi para a biblioteca do Kremlin, para a coleção de presentes dados ao chefe do Estado mantida ali.

Foram poucos os que se convenceram de que se tratou de um mal-entendido. Putin furtou o anel. Seu furto evidente e descarado de um anel do Super Bowl revela num plano mais baixo sua infame e grosseira tendência de tomar para si o que quer, sem inibições. Seja um anel ou um império, Putin toma o que quer e nada o impede.

A bem-sucedida agressividade expansionista de Putin encorajou-o a ir em frente. Ele invadiu a Geórgia e “açambarcou a Crimeia, a bem dizer, sem troca de tiros. Inundou o leste da Ucrânia com agentes e armas”. Quando anexou a Crimeia, cessaram os protestos contra ele na Rússia e os índices de apoio a ele subiram de 60 para 80%. Putin parece transmitir uma sensação de invencibilidade. Em setembro de 2014, ele se vangloriou de que “se eu quisesse, poderia ter em dois dias tropas russas não só em Kiev, mas também em Riga, Vilnius, Tallinn, Varsóvia e Bucareste”.

Putin sabe que o poder militar é decisivo. Em um documentário russo de 2015, Putin comentou: “Alguém muito conhecido disse certa vez: ‘Chega-se muito mais longe com uma palavra simpática e uma [arma] Smith & Wesson do que apenas com uma palavra simpática’”. Coerentemente com essa filosofia, ele arma a Rússia até os dentes.

Enquanto as nações europeias ocidentais se empenham em reduzir seus orçamentos militares, a Rússia gasta mais do que nunca. De 2014 para 2015, os dispêndios militares russos cresceram 25,6%, um aumento de 20 bilhões de dólares em apenas um ano. Desde que chegou ao poder em 2000, Putin aumentou em 20 vezes os dispêndios militares. Desde 2011, as forças uniformizadas de todas as nações europeias ocidentais estão em retração, enquanto o pessoal russo aumentou em 25% para mais de 850 mil homens.

“Enquanto as nações europeias ocidentais se empenham em reduzir seus orçamentos militares.” “Enquanto as nações europeias ocidentais se empenham em reduzir seus orçamentos militares.”

Douglas Schoen, um influente conselheiro de campanhas eleitorais dos democratas, escreve: “Ao longo dos próximos dez anos, Putin planeja a aquisição de 400 novos mísseis intercontinentais (ICBM), mais de dois mil blindados da próxima geração, 600 aviões de combate modernizados, oito submarinos nucleares, 50 navios de guerra [...] e aproximadamente 17 mil novos veículos militares”. A Rússia já dispõe do maior arsenal de armas nucleares do mundo, ao qual acrescentou “em 2014 mais 38 mísseis nucleares e, em 2015, mais outros quarenta”. O armazém nuclear russo atingiu dimensões fantásticas.

Putin busca um equilíbrio nuclear ou até sua predominância diante dos Estados Unidos, e a lacuna vai-se fechando. Se Putin cumprir três mandatos presidenciais plenos, conforme a lei lhe concede, ele pode reinar até 2024. E quem sabe se em 2024 ele renunciará ao poder? Se ele renunciar, talvez entregue as rédeas a algum fantoche que governará em seu lugar, assim como fez em 2008 com Dimitri Medvedev. Putin tem a Rússia firmemente nas suas garras, seu alcance é imenso e suas ambições não têm limite.

“Uma percepção da sua alma”

Quando o presidente George W. Bush teve o primeiro encontro com Putin (2001), ele disse: “Olhei o homem nos olhos e consegui obter uma percepção da sua alma”. Bush foi censurado por sua declaração e até escarnecido, mas ele tinha razão. Assim como na alma de qualquer pessoa, também na de Putin existe algo que o impele. O que será isso no caso do líder russo?

Vladimir Vladimirovitch Putin nasceu em 7 de outubro de 1952 em Leningrado. A cidade ainda tinha as marcas do assédio alemão na Segunda Guerra Mundial e sofria com carências e medo. O pai de Putin sofreu ferimentos na guerra que lhe proporcionaram dores pelo resto da vida. Putin cresceu em condições de moradia carentes e ficou fascinado com o poder do Estado soviético. Em 1975, ele satisfez seu sonho e ingressou na KGB. Desde então passou a integrar o sistema soviético.

Em 25 de dezembro de 1991, o império soviético se dissolveu. Putin nunca superou esse trauma. O artigo do New Yorker intitulado “Trump, Putin e a nova guerra fria” capta o cerne da humilhação de Putin com a queda da União Soviética, bem como seu ímpeto em restaurar os tempos de glória:

“O ressentimento de Putin contra o Ocidente e sua correspondente ambição em assumir uma posição antiocidental conservadora está enraizada em sua experiência de declínio e queda – não da ideologia comunista, que nunca foi alguma motivação central da sua geração, mas do poder e do orgulho russo...

“[Como agente da KGB] em um dos mais cinzentos países-satélites dos soviéticos [a Alemanha Oriental], Putin careceu completamente da noção de despertamento e novas possibilidades que a Perestroika trouxe consigo. Ele só conviveu com a crescente falta de sentido do Estado. Quando o Muro de Berlim caiu, em novembro de 1989, ele se encontrava no porão de uma sede diplomática soviética em Dresden para queimar documentos ultrassecretos em um forno. Quando uma multidão ameaçou invadir o local, os funcionários telefonaram para Moscou para pedir ajuda, mas, segundo Putin, ‘Moscou calou-se’. Putin regressou à Rússia, onde predominava a sensação de um declínio pós-imperial. O Ocidente não precisava mais temer o poder da União Soviética, a Europa Oriental e Central estavam fora do controle de Moscou, e as quinze repúblicas da União Soviética buscaram todas seus próprios caminhos. Um império moldado por Catarina, a Grande, e Joseph Stalin dissolveu-se.”

Fareed Zakaria acrescenta:

“Para entender Putin, é preciso entender a Rússia. Nos últimos cem anos, esse país passou por muitas experiências: a queda da monarquia, o desmoronamento da democracia, a grande crise econômica mundial, a Segunda Guerra Mundial com milhões de russos mortos, as crueldades totalitárias de Stalin, o desmoronamento do comunismo, o desmembramento da União Soviética e os anos cheios de caos e corrupção sob Boris Yeltsin.”

Muitos eventos contribuíram muito para a cosmovisão de Putin, mas o desmoronamento da União Soviética parece tê-lo marcado mais do que tudo. Em seu discurso anual diante do parlamento sobre a situação da nação, ele disse em 2005 sobre a dissolução da União Soviética: “Antes de tudo, precisamos reconhecer que o declínio da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século”.

Putin está firmemente decidido a reconstruir a União Soviética e a restaurar o brilho da Rússia imperial. Ele quer que a Rússia recupere territórios perdidos e domine as nações que contribuíram para a dissolução da União Soviética. Para restaurar a grandeza do passado, ele precisa de aliados. Em seu esforço de restaurar todo o brilho da Mãe Rússia, Putin não se cansa de sondar o globo em busca de aliados dispostos. Ele está obcecado por ampliar a influência internacional da Rússia.

Putin liderou a implementação da União Econômica Eurasiana (UEE), cujo principal objetivo é unir as ex-repúblicas soviéticas em uma aliança econômica e política conjunta. Muitos consideram isso a tentativa de Putin em restabelecer a União Soviética. Atualmente, apenas cinco países pertencem a essa união: Armênia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia. A Rússia tenta criar uma alternativa e um contrapeso para a União Europeia. O comentarista Areg Galstyan escreve: “Em outras palavras, Moscou tenta institucionalizar sua influência na Eurásia e reunir partes do desmoronado império soviético”. Novamente, Putin é impelido pelo desejo de restaurar esse império.

A ex-ministra do exterior americana, Condoleezza Rice, adverte: “O presidente russo Vladimir Putin tenta restaurar no exterior a ‘grandeza da Rússia’ com sua capacidade de se impor e sua agressividade”. Além disso, ela adverte que este seria um “período perigoso com os russos”.

Kremlin, Inc.

Durante o mandato de Putin, os limites entre os interesses petrolíferos russos e o Kremlin foram apagados ao ponto de ficarem irreconhecíveis. Questões de Estado e de negócios se fundiram. É difícil reconhecer onde divergem. Putin aprendeu como aproveitar ativos russos privatizados para seu próprio enriquecimento. As ligações de Putin com o mundo empresarial chegam ao ponto de os russos às vezes chamarem o regime de Putin de “Kremlin, Inc.”, denominando a ele mesmo de diretor-executivo.

Putin supervisionou a dissolução de importantes empresas petrolíferas russas, que foram vendidas a elementos questionáveis. O grupo petrolífero Yukos foi desmembrado e vendido em leilão. Esse “leilão” foi pura encenação. Apenas uma pessoa fez uma oferta, e o leilão inteiro durou dez minutos. Ninguém fora do Kremlin sabia quem era o comprador da empresa, ainda que oligarcas russos por trás dos quais Putin se abriga certamente tenham o controle daquilo. Desde que, em 2000, ele assumiu a presidência (com uma interrupção de 2008 a 2012), Putin açambarcou bilhões oriundos de negócios, principalmente no setor de energia.

As estimativas sobre a fortuna pessoal de Putin divergem amplamente. Segundo relatórios oficiais, ele possui um pequeno apartamento, uma garagem coletiva e alguns carros. Em 2014, sua renda foi de modestos 7,65 milhões de rublos (119 mil dólares). No entanto, Putin acumulou uma gigantesca fortuna, tendo enriquecido a si mesmo e seus amigos mais íntimos. Seu palácio junto ao mar Negro custa um bilhão de dólares. Seu patrimônio líquido foi estimado em 70 a 200 bilhões de dólares. É possível que Putin seja o homem mais rico do mundo. Bill Gates possui cerca de 80 bilhões de dólares. Com isso, Putin ou é quase o homem mais rico do mundo ou tem o dobro dessa riqueza. O diretor-executivo da Kremlin Inc. é bastante bem-sucedido.

Um homem com um plano

Visto de fora, o procedimento de Putin pode parecer impensado e inconsistente. Possivelmente ele atua a maior parte do tempo como um “tirano imprevisível, possesso por poder, violência e conquista, que de modo espontâneo e esporádico assalta países vizinhos”. Contudo, essa avaliação é muito errada. Ele sem dúvida tem uma clara visão dos seus objetivos. Douglas Schoen resume assim o plano diretor global de Putin:

“Putin é um mestre calculista da geopolítica com o plano diretor de dividir a Europa, destruir a OTAN, ampliar e consolidar a influência russa no mundo e, principalmente, de marginalizar os Estados Unidos e o Ocidente a fim de adquirir hegemonia regional e poder mundial. E seu plano está funcionando.”

Como se pode observar, Putin não é um tirano adoidado. Ele tem um plano bem consistente.

Hoje a Rússia ameaça o Ocidente mais do que em qualquer outro momento durante a Guerra Fria. Douglas Schoen prossegue dizendo:

Como se pode observar, Putin não é um tirano adoidado. Ele tem um plano bem consistente.

“Vladimir Putin é múltiplo – oficial da KGB, um político magistral, multibilionário, autocrata inescrupuloso – mas é principalmente um homem com um plano. Seu plano é destruir a ordem mundial existente desde o fim da Guerra Fria, especialmente na Europa, para substituí-la por uma outra na qual a Rússia tenha poder, influência e força militar para predominar em todas as questões. Isso significa subjugar os vizinhos imediatos da Rússia para integrá-los em um sistema político e econômico centrado na Rússia, neutralizar a Europa e encerrar o relacionamento transatlântico com a América, desencadeando uma interminável série de crises globais que subtraia do Ocidente tanto a capacidade como também o desejo de influenciar as questões mundiais, enquanto ao mesmo tempo os interesses da Rússia e dos seus aliados são fortalecidos. Em resumo, Putin planeja transformar o século XXI no século da Rússia.”

A questão principal

Considerando o seu procedimento, muitos têm especulado se Putin poderia ser o líder russo que Ezequiel 38–39 chama de Gogue. Em palestras em igrejas e congressos proféticos tenho ouvido essa pergunta muitas vezes. Seria Putin o líder russo previsto por Ezequiel – aquele que no fim dos tempos atacará Israel?

Ainda que seja imaginável que ele o seja, temos sempre de evitar tentativas irresponsáveis de identificar qualquer líder mundial atual com algum personagem escatológico. Muitos já caíram nessa armadilha. Toda tentativa de determinar uma data, de identificar o anticristo com algum personagem contemporâneo ou de designar alguém como Gogue ou alguma outra figura deve ser rigorosamente rejeitada.

Embora eu diga isso, vemos às vezes pessoas do passado ou do presente com as mesmas características que personagens escatológicos. Assim, por exemplo, a Bíblia previu a ascensão do soberano selêucida Antíoco Epifânio e lança mão dele como modelo do último anticristo (cf. Dn 8). Outros ditadores do passado, como Alexandre Magno, o faraó, Nabucodonosor, Napoleão, Hitler e Stalin também servem de imagem do último anticristo.

Convém manter isso em mente quando observamos que Putin engloba algumas das características que também correspondem a Gogue (agressividade militar, orgulho e ganância). Joel Rosenberg propõe sua estimativa sobre um possível vínculo entre Putin e Gogue:

“Ao longo dos anos, as pessoas têm-me perguntado se Putin poderia ser o ditador russo das profecias bíblicas em Ezequiel 38–39 sobre ‘Gogue e Magogue’, chamado ali de ‘Gogue’. Suponho que, quanto mais poder e influência Putin obtiver, tanto mais insistente essa pergunta se tornará. Eis aqui minha resposta: é cedo demais para se chegar a essa conclusão. Teria de acontecer muito mais para sugerir que Putin seja o ‘Gogue’ da profecia bíblica. Por outro lado, não tenho a menor dúvida de que Putin se assemelhe a Gogue. Ele é perigoso, e tanto Israel como também o Ocidente deveriam manter-se vigilantes em relação a ele...”

O tempo o revelará. O que podemos dizer é que Putin não pode nem ser identificado definitivamente como Gogue, nem pode ser excluído inequivocamente. Ele poderia ser responsável pela invasão de Israel prevista por Ezequiel, ou talvez ele também só prepare o cenário para algum outro líder já em posição de arranque. No mínimo, porém, Putin é uma débil imagem daquilo que está por vir. Não se engane – Gogue virá, mas só quando chegar o tempo de Deus.

Talvez não demore muito!

Mark Hitchcock é autor, professor associado no Dallas Theological Seminary e pastor sênior na Faith Bible Church, em Edmond Oklahoma.

sumário Revista Chamada Junho 2022

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