Wannsee: A conferência que deu início ao Holocausto
Há 80 anos, realizou-se em Berlim a Conferência de Wannsee. Os debates duraram cerca de 90 minutos; a ata foi redigida por Adolf Eichmann. A Conferência de Wannsee no inverno de 1942 é considerada o principal marco do genocídio dos judeus europeus engendrado pelos alemães.
Em 20 de junho de 1942, a temperatura em Berlim foi de cerca de 12 graus negativos ao meio-dia, mas é o que ocorreu naquele dia, 80 anos atrás, em um palacete junto ao lago Wann, que é capaz de fazer congelar o nosso sangue nas veias ainda hoje. Numa gelada linguagem burocrática, 15 homens registraram ali o modo como pretendiam resolver para o regime nazista a “questão judia europeia”. Segundo o historiador Hans Mommsen, “tecnicamente se tratava de uma das usuais conferências de secretários de estado que passaram a substituir as reuniões de gabinete inibidas por Hitler”. O aspecto incomum dela foi principalmente a franqueza com que os resultados do encontro foram registrados.
Edifício n.º 56–58 Am Großen Wannsee, propriedade onde a Conferência de Wannsee ocorreu. Atualmente um memorial e um museu.
Por isso, Peter Longerich, colega de Mommsen, classifica a ata da Conferência de Wannsee, da qual se conservou apenas um único exemplar, de “exceção”. Num estilo “quase sem rodeios” discutiu-se um “plano geral para a questão judia europeia – e isso de um modo que deixou claro que os promotores e ativamente responsáveis por esse crime do século foram não só a SS, a polícia de segurança e o serviço de segurança, mas também a chancelaria do Reich, o judiciário, os ministérios do interior e do exterior, autoridades civis de ocupação e o plano quadrienal (ou seja, a instância máxima do armamento), bem como o Partido”.
O anfitrião era o chefe do departamento central de segurança do Reich, Reinhard Heydrich. Este, um carreirista do poder, encontrava-se sob considerável pressão. Já no verão de 1941, o marechal Hermann Göring o encarregara de apresentar um plano para uma “solução completa da questão dos judeus na Europa”. Ao mesmo tempo, o líder nacional da SS, Heinrich Himmler, e ainda outros cobravam urgência. A isso se juntaram outros fatores que, o mais tardar a partir do outono de 1941, contribuíram para uma maciça radicalização da política judia nazista. Estes incluíam o início das deportações de judeus alemães e os assassinatos com gás organizados que Longerich resume sob o título de “‘soluções definitivas’ regionais”.
Da esquerda para a direita: Reinhard Heydrich, Hermann Göring, Heinrich Himmler.
Coerentemente com tudo isso, Heydrich alertou os presentes de que o comando dessa questão estaria em suas próprias mãos, “sem consideração por limites geográficos” e de “forma centralizada”. Seu plano propriamente dito consta a partir da página sete da ata de Wannsee. Tomando como premissa uma vitória sobre a União Soviética, Heydrich pretendia conduzir a maioria dos onze milhões de judeus europeus cadastrados pelas autoridades para o leste como trabalhadores forçados “na construção de estradas, dos quais sem dúvida grande parte será desmobilizada por meio de redução natural”. O “contingente restante” precisaria ser “tratado correspondentemente”. Sem rodeios, isso significava nada mais nada menos que “extinguir fisicamente todos os judeus ao longo de um período provavelmente ainda não definido”, conforme escreve o especialista Longerich.
Os fatos ainda excederam em crueldade os planos debatidos na Conferência de Wannsee. Pouco menos de meio ano depois, a SS, induzida por Himmler, passou a assassinar o máximo possível de judeus de forma independente do decurso da guerra e no menor tempo possível. Heydrich, por sua vez, morreu no início de junho de 1942, vítima de um atentado, o que motivou a “Ação Reinhard”, declaradamente uma operação de desforra.
Soldados da SS no campo de extermínio Belzec (1942). Foi o primeiro campo de extermínio alemão, situado na Polônia.
O que então aconteceu de forma maciça foi relatado por um oficial de alta patente da SS, Kurt Gerstein, tomando como exemplo o campo de extermínio de Belzec: “Homens, mulheres, crianças, bebês, gente de pernas amputadas, todos nus, completamente nus, passam diante de nós. Em um canto encontrava-se um manhoso integrante da SS, que explicava com voz melosa a esses miseráveis: ‘Não lhes acontecerá absolutamente nada’”. As vítimas indefesas avançaram para dentro das câmaras, nas quais depois se injetou gás de escapamento. “Depois de 32 minutos, finalmente estavam todos mortos.” Segundo Gerstein, as vítimas encontravam-se como “colunas de basalto” nas câmaras superlotadas. “Mesmo na morte ainda se viam famílias apertando as mãos.”
Portanto, a conferência de Wannsee foi apenas uma das etapas, embora de modo nenhum sem importância, na trajetória para o Holocausto – que terminou com cerca de seis milhões de judeus assassinados.
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