A Carta aos Romanos, capítulo 5 (1ª parte)
A vendeta é um princípio de expiação de crimes e remonta a estruturas arcaicas. Sua lógica consiste em que, no caso de alguém ser assassinado ou a honra da vítima ser ferida, o culpado seria morto, expiando-se assim a culpa. Assim, a vendeta representa a última chance de superação num contexto conflituoso mais amplo. Muitas vezes, a motivação da vendeta é a intenção da família da vítima em restaurar, por meio da punição, a honra familiar pretensamente perdida. Em alguns países, esse terrível costume da vendeta continua usual até hoje, como no seguinte caso:
Ocorreu uma briga, na qual um homem foi morto. Imediatamente após o ato, o assassino fugiu para a solidão das montanhas. O vingador designado, filho da vítima, o perseguiu, e o homem culpado sabia que seu perseguidor não descansaria enquanto não tivesse consumado a vingança. Semanas ou meses a fio, o homem perseguiu o assassino e não lhe deu nenhum segundo de sossego. Nada o deteria. A cada momento, novos sinais mostravam ao perseguido que seu vingador estava no seu encalço.
Finalmente chegou o momento: o assassino adormeceu esgotado à sombra de uma árvore, mas despertou subitamente, com um pavoroso susto, porque uma mão tocara seu ombro. Ao abrir os olhos, olhou para o rosto do seu perseguidor, que lhe perguntou: “É você o assassino do meu pai?”.
Os meses de perseguição o cansaram e ele respondeu: “Por que eu haveria de continuar a fugir? Não posso mais! Sim, sou culpado de matar o seu pai. Mate-me, sou culpado da morte do seu pai!”.
Todavia, o que aconteceu? O rosto do perseguidor adquiriu um brilho singular: “Ouça: eu sou cristão, e como cristão conheço a maravilha do perdão. Tenho corrido atrás de você todas essas semanas para lhe dizer que o perdoei. Tenho tentado o tempo todo encontrá-lo porque lhe queria dizer que volte para casa. Viva em paz. Já lhe perdoei!”.[1]
Paz com Deus (v. 1-5)
Todos nós incorremos em culpa diante de Deus e por isso atraímos sobre nós a sua ira. No entanto, tal como o vingador na história narrada acima oferece perdão ao culpado, Deus também nos estende sua mão para a reconciliação por meio de Jesus Cristo.
Sim, Deus me absolve, e o faz porque creio que um outro, a saber, o próprio Deus, assumiu a culpa em meu lugar. Jesus Cristo tomou sobre si a culpa em meu lugar, subiu à cruz do Calvário e ali sofreu a morte em meu favor. Por isso, Paulo pode exclamar em triunfo: “Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).
O vingador não tem mais nenhum direito, porque Jesus Cristo, o Único, derramou o seu sangue. Por isso podemos dizer: “Justificados, pois, mediante a fé...” (Rm 5.1).
Estamos livres! Livres da ira. Deus não é mais nosso inimigo. Estamos justificados de uma vez por todas diante de Deus. Também para a nossa vida vale o convite: “Venha para casa. Viva em paz. Perdoei você!”.
Paulo refere-se a um fato do passado, a um ato encerrado, a algo que todo cristão renascido experimentou de uma vez por todas por ocasião de sua conversão. Estando isso firme e estabelecido, a paz com Deus é um fato irrevogável.
Essa paz resulta de minha vida estar em ordem diante de Deus, tendo o problema propriamente dito – a questão da culpa – sido resolvido definitivamente. Estou livre da culpa do pecado, livre do peso na consciência (não preciso mais pecar) e livre do salário do pecado (poderei um dia habitar com Jesus em glória).
Que privilégio para os filhos de Deus! O avalista da minha paz é ninguém menos que o próprio Deus! Tenho paz “por meio do nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1). Um breve olhar para o nosso mundo revela que, apesar de as pessoas ansiarem pela paz, há guerras constantes. Quantos esforços pelo entendimento entre os povos têm sido empreendidos, e mesmo assim lançam-se bombas por aí. No entanto, os filhos de Deus podem desfrutar de paz com Deus em Jesus Cristo porque ele enfrentou a cruz no Calvário.
A graça da paz
Assim, Paulo prossegue, dizendo: “Pelo qual obtivemos também acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes...” (Rm 5.2). Voltando à ilustração da vendeta: a pessoa perseguida pelo vingador vive continuamente apavorada, o tempo todo fugindo, com a vida ameaçada. Vive excluída da vida social: abandonada, apavorada e só.
A paz de Deus nos traz de volta à comunhão, arranca-nos da solidão, abre novos horizontes, chegando ao próprio céu, com reconciliação e nova vida, tudo provindo da graça da paz.
Como era então a vida no Paraíso? Com a queda no pecado, o homem perdeu a comunhão com Deus. Desde então o homem vive fugindo de Deus. Agora, porém, depois do Calvário, depois da reconciliação pelo sangue de Jesus Cristo, temos novo “acesso”, nosso relacionamento com Deus fica desimpedido e nossa consciência sossega. Isso ocorre porque, na cruz, Jesus nos estendeu seus braços e exclamou: “Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei” (Mt 11.28).
E todo aquele que vier não será mais acossado. Não estará mais sob a ira; não estará mais em fuga, mas encontrou a paz e não precisa mais temer o vingador.
Paulo nos lembra de que essa paz não está isenta de um preço. Ela só se tornou possível “por meio do nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1b).
A maravilhosa esperança
Quem está reconciliado com Deus, também desfruta de uma maravilhosa esperança: “... e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (Rm 5.2). Para o cristão, o melhor ainda está por vir.
A morte não é simplesmente o fim de tudo. Não: temos uma viva esperança, e esta se chama Jesus. Virá o dia em que estaremos junto dele, e então o choro acabará. Não haverá mais mal-entendidos, nenhuma dor, nenhum sofrimento, nenhuma morte, nenhuma separação, nenhuma despedida e nenhum pecado.
A glória na tribulação
Pode parecer paradoxal, mas é fato: nada pode abalar uma paz autêntica. Ela nos sustenta nas atribulações e nos problemas da vida. Estêvão experimentou essa paz ao enfrentar a morte, ela proporcionou um sono tranquilo a Pedro na prisão e animou Paulo e Silas a cantar entre os muros da prisão.
A razão da paz
O apóstolo Paulo volta a citar aqui o Espírito Santo. Ele já fez isso no capítulo 1, versículo 4. Tendo em vista as pessoas que depositam toda a sua esperança em Jesus Cristo, ele escreve: “Ora, a esperança não nos deixa decepcionados, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5.5).
Se você for um filho de Deus renascido por meio do Espírito Santo, então o Espírito Santo habita em você. Ele é o penhor da nossa redenção. É o consolador nas atribulações da vida, o apoio na pressão das aflições, o assistente em nossa fragilidade, o guia que nos abre a Bíblia e nos apresenta Jesus.
O Espírito Santo é quem garante que não fracassaremos, mas atingiremos o alvo. Então se cumprirá aquilo que Paulo escreve em outro contexto: “Estou certo de que aquele que começou boa obra em vocês há de completá-la até o Dia de Jesus Cristo” (Fp 1.6).
É nessa confiança que repousa a nossa paz.
A prova da paz com Deus (v. 6-11)
Quem haveria de assumir ser preso em lugar de um criminoso? Quem permitiria ser encarcerado a favor de um malfeitor? Pois foi exatamente isso o que Deus fez, conforme lemos em Rm 5.8: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores”. O amor de Deus é tão insondável, tão incompreensível, que ele deu a sua própria vida quando nós ainda nem queríamos saber nada dele e estávamos atolados até o pescoço no brejo do pecado.
Que amor incompreensível, acima da nossa capacidade!
Se Deus já nos amou tanto assim quando ainda estávamos atolados no pecado, quanto mais ele então nos redimirá e nos sustentará quando formos seus filhos. Por isso, Paulo diz: “Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.9).
A ira de Deus não pesa mais sobre nós. Temos paz com Deus. Nossa consciência pode sossegar.
Quero, porém, destacar mais um aspecto: há quem entenda que os cristãos ainda terão de passar pela grande tribulação. Não posso concordar com isso, já que a grande tribulação é justamente a ira do Cordeiro (Ap 6.16) com as pessoas que rejeitaram Jesus. Essa ira, porém, não atinge aqueles que renasceram, já que a ira de Deus já se desencadeou sobre eles na cruz do Calvário, quando Jesus tomou sobre si a ira do Pai sobre o seu e o meu pecado. Por isso lemos: “Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira” (Rm 5.9).
Ele nos salvou “quando [éramos] inimigos” (Rm 5.10) – que dimensão de amor! Sim, fomos nós que cuspimos nele, o coroamos de espinhos, batemos os pregos em sua carne e finalmente o afixamos na cruz. E, embora fosse o nosso pecado o culpado de tudo isso, ele nos salvou e redimiu. Pode haver amor maior?
Uma nova dimensão
Paulo transborda de alegria e júbilo quando escreve: “Muito mais... seremos salvos [da ira] pela sua vida!” (Rm 5.10).
Se sua morte já nos trouxe o perdão do pecado, paz com Deus e a esperança de um futuro maravilhoso, quanto mais nos dará então sua vida? E assim Paulo abre com essa constatação a porta para um horizonte totalmente novo, uma dimensão nunca antes imaginada. Porque, como ele vive, nós também viveremos, “salvos pela sua vida” (Rm 5.10).
Em Jesus Cristo temos vida efetiva. A redenção por Jesus Cristo abrange o passado, o presente e o futuro. Fomos redimidos do nosso passado pecaminoso, da culpa e do pecado, da vida inútil que os pais nos legaram (Ef 2.1-4; 1Pe 1.18-19). Dia após dia somos redimidos do poder do pecado. Não precisamos mais pecar (Rm 8.37; 1Co 15.57; Hb 2.14). E também no futuro seremos redimidos, visto que a morte já foi vencida. O futuro nos pertence: é a glória com Jesus (Rm 8.31-39; Hb 2.15; Fp 1.21).
Se antes o nosso relacionamento era marcado por medo e temor, podemos agora exaltar a Deus pela reconciliação por Jesus Cristo: “... também nos gloriamos em Deus...” (Rm 5.11).
A obra de Deus nos tornou amigos: libertados do medo, livres da ira de Deus, benditos do Pai, membros da família e filhos de Deus. Temos Deus como Pai – que privilégio!
Sendo realmente assim, por que tantas vezes carecemos de paz? Talvez porque brincamos com o mundo e o pecado? Talvez também seja porque temos muito pouco conhecimento de Jesus? A situação da nossa vida nos pesa, os problemas são grandes e opressores. Será que com isso perdemos Jesus de vista? Voltemos a Jesus, então! Confessemos a nossa culpa ao Senhor Jesus, expondo-lhe o nosso fracasso e nossa falta de fé e peçamos a ele que volte a preencher plenamente a nossa vida com a sua paz. Assim, também em nossa vida se tornará realidade que “a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus” (Fp 4.7).
Nota
- CMV-Materialsammlung.