Regras para uma conduta correta

1ª Carta a Timóteo | Parte 12 | 1Timóteo 4.6-16

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

6Se você transmitir essas instruções aos irmãos, será um bom ministro de Cristo Jesus, nutrido com as verdades da fé e da boa doutrina que tem seguido. 7Rejeite, porém, as fábulas profanas e tolas e exercite-se na piedade. 8O exercício físico é de pouco proveito; a piedade, porém, para tudo é proveitosa, porque tem promessa da vida presente e da futura. 9Esta é uma afirmação fiel e digna de plena aceitação. 10Se trabalhamos e lutamos é porque temos depositado a nossa esperança no Deus vivo, o Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem. 11Ordene e ensine essas coisas. 12Ninguém o despreze pelo fato de você ser jovem, mas seja um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé e na pureza. 13Até a minha chegada, dedique-se à leitura pública da Escritura, à exortação e ao ensino. 14Não negligencie o dom que foi dado a você por mensagem profética com imposição de mãos dos presbíteros. 15Seja diligente nessas coisas; dedique-se inteiramente a elas, para que todos vejam o seu progresso. 16Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois, agindo assim, você salvará tanto você mesmo quanto aos que o ouvem.

Paulo escreve em 1Timóteo 4.6: “Se você transmitir essas instruções aos irmãos, será um bom ministro de Cristo Jesus, nutrido com as verdades da fé e da boa doutrina que tem seguido”. Quais são os critérios bíblicos para qualificar um bom ministro?

Ensino bíblico claro

A boa doutrina é mencionada quatro vezes no capítulo 4 (v. 6,11,13,16). Somente ela é capaz de nos proteger contra qualquer tipo de falsa doutrina ou pedra de tropeço. Não é necessário conhecer todos os tipos de dinheiro falsificado para poder identificá-lo; quem conhece o dinheiro real vai reconhecer rapidamente a moeda falsa.

Podemos fazer as seguintes observações sobre os princípios da interpretação das Escrituras: uma questão de ensino sempre deve ser coerente no final e não contradizer nenhuma parte das Escrituras. Quando a interpretação da Bíblia é adequadamente compreendida, ela resultará em um sistema harmônico e não contraditório. O sentido de um texto não deve ser distorcido com a finalidade de fazê-lo coincidir com uma opinião pré-concebida. Cada texto, mesmo se surgirem problemas de harmonização temporários, deve primeiro falar por si mesmo.

– Essa doutrina deve ser compartilhada com os irmãos (explicada). Em outra passagem, Paulo fala: “... lhes foi explicado tão claramente como se tivessem visto com os próprios olhos” (Gl 3.1). A ideia é explicar corretamente, tornar claro. Isso, por sua vez, requer sensibilidade, tempo e paciência.

– É preciso primeiramente alimentar a si mesmo, isto é, não apenas ler, mas trabalhar com o texto, segmentar, mastigar, absorver e digerir. Somente aquele que está bem alimentado consegue oferecer um posicionamento correto aos outros.

– É necessário ser um seguidor da boa doutrina bíblica, isto é, ser praticante da Palavra. Um bom orientador é aquele que segue os princípios da boa doutrina e não interpretações pessoais próprias.

Rejeição de falsas doutrinas

Da mesma maneira como devemos manter o estreito vínculo com a doutrina bíblica, devemos nos manter o mais afastado possível das falsas doutrinas ou argumentações e não incorrer em discussões sobre elas.

Em 1Timóteo 4.7-8, a palavra “piedade” é mencionada duas vezes em oposição às falsas doutrinas, mitos e fábulas que Paulo, ironicamente, considera como sendo “fábulas profanas e de velhas caducas” (NAA). O temor a Deus, ou a piedade, não se manifesta através da obediência a incontáveis regras ou do cumprimento de tradições humanas, mas através da fé e na prática das doutrinas bíblicas sobre a salvação, a graça e o discipulado. Pode-se demonstrar a aparência mais brilhante de piedade, porém, mesmo assim pode não passar de mera conversa fiada, ou de “fábulas”.

A passagem esclarece: da mesma maneira como devemos manter o estreito vínculo com a doutrina bíblica, devemos nos manter o mais afastado possível das falsas doutrinas ou argumentações e não incorrer em discussões sobre elas. Antes disso, devemos rejeitá-las claramente (cf. 6.20; 2Tm 2.16). O apóstolo demonstra o mesmo radicalismo na carta aos Gálatas: “Essa questão foi levantada porque alguns falsos irmãos infiltraram-se em nosso meio para espionar a liberdade que temos em Cristo Jesus e nos reduzir à escravidão. Não nos submetemos a eles nem por um instante, para que a verdade do evangelho permanecesse com vocês” (Gl 2.4-5).

Não há benefício algum em promover discussões com aqueles que pretendem introduzir ensinos adicionais, diferentes dos que foram ensinados por Jesus. Sejam eles o ascetismo, o celibato ou a santificação do sábado; sejam as tradições judaicas, mitos, fábulas ou quaisquer regras adicionais. A fim de evitar erros, a única coisa a fazer é a rejeição radical.

Paulo compara as falsas doutrinas a fábulas de velhas caducas. Em seu comentário sobre 1Timóteo, James Allen diz: “... uma definição sarcástica que ocorria com frequência nas divergências filosóficas e que transmitia a ideia de ingenuidade. Esse adjetivo de desprezo e de humilhação considera os mitos nem santos, nem sensatos, mas como imaginações insensatas que servem apenas de assunto para as rodas de comentários de pessoas intriguistas e senis”.

A combinação de fábulas “de velhas caducas” e de exercícios físicos aponta exatamente para a tendência que temos atualmente. Há tantos artigos, esclarecimentos e indicações circulando atualmente em torno do bem-estar físico. Há pessoas investindo em muitos cursos, tempo e dinheiro naquilo que proporciona apenas efeitos limitados ao corpo. Elas devoram artigos e estão sempre à procura de novidades sobre o assunto.

No entanto, deveriam investir muito mais para o seu progresso espiritual. O exercício correto da piedade é bom para o corpo e, além de tudo, bom para a vida futura. Enquanto os exercícios físicos muitas vezes aparecem com promessas vazias para a vida aqui na terra e são apresentados de forma exagerada, de outra parte a piedade tem a promessa de vida após esta vida. Não condenamos os exercícios físicos, mas os colocamos sob o prisma correto, pois não devem se tornar uma religião complementar.

Ensino bíblico sério

Somos exortados a observar com seriedade as verdades bíblicas, pois elas são absolutamente confiáveis. A carta a Timóteo fala três vezes sobre a confiabilidade da Palavra de Deus (1.15; 3.1; 4.9).

Podemos sempre nos basear com fé nas promessas de Deus, fundamentar nossa vida sobre elas, sem a menor dúvida, e podemos sempre aceitar a Palavra de Deus com plena certeza. A Palavra de Deus é mais segura do que todas as teorias, conhecimentos e afirmações do mundo, independentemente do assunto. A Palavra de Deus supera o entendimento limitado do homem e abre novos horizontes. Por isso, ela deveria ser nosso parâmetro e moldar toda a nossa vida.

Essa verdade de Deus é tão certa e confiável que não vale a pena somente crer nela, viver ou agir por ela, mas empenhar toda a vida, desgastando-se e empenhando todas as suas forças. O sentido do termo no texto original é “desgastar-se até o esgotamento”, abrangendo a estafa do espírito e do corpo. A comparação do texto com outras traduções mostra isso claramente: “Pois é para esse fim que trabalhamos e nos esforçamos...” (NAA). “Trabalhamos arduamente e continuamos a lutar...” (NVT). “Porque para isto trabalhamos e sofremos reprovação...” (BKJ).

Paulo assumiu a verdade da Palavra de Deus com tanta seriedade que empenhou toda a sua vida e energia por ela, dispondo-se a absorver qualquer calúnia e qualquer dor.

Muitas falsas doutrinas, enganos e procedimentos errados que ocorrem nas igrejas locais têm origem na falta de cuidado no ensino da boa doutrina da Palavra de Deus.

Ele colocou toda a sua esperança no Deus vivo. Ele sabia para quem estava trabalhando: não para matéria morta ou esperanças vagas, mas para o Deus vivo, que realmente existe e que de fato age. Esse Deus vivo é o Salvador de todas as pessoas, principalmente para os crentes em Cristo. Isso significa que, no sentido temporal, o Senhor é o Salvador de todas as pessoas, pois, na atual era da graça, todas as pessoas se encontram sob essa graça e a obra redentora de Jesus foi consumada para todos. Ninguém foi excluído ou especialmente escolhido. Durante a era da igreja (ou graça), Deus não age como Juiz, mas como Salvador.

No sentido eterno, porém, Deus é o Salvador daqueles que creem nele, pois estes já aceitaram a salvação e desde já aproveitam os efeitos dela, como perdão, certeza da salvação, esperança e vida eterna. Talvez possamos expressar isso da seguinte maneira: todas as pessoas atualmente têm as bênçãos do Senhor à sua disposição, porém, os crentes já se beneficiam dessas bênçãos.

No sentido profético, Deus também é o Salvador especial dos crentes em Jesus, porque eles – quando terminar a era da graça – serão levados desta terra antes que o Senhor venha para julgar.

Responsabilidade bíblica

A primeira carta a Timóteo contém cerca de 30 ordens, mandamentos e exortações. A partir disso podemos concluir que o cristão, mesmo sem a lei, não está livre de leis. Viveremos um cristianismo autêntico somente se cumprirmos tudo aquilo que o apóstolo nos recomenda – já que essas exortações cobrem todo nosso tempo de vida: no exemplo (demonstrar), na palavra (falar), no procedimento (modo de viver), no amor (serviço sacrificial em favor do próximo, com a motivação correta), no Espírito (disposição ardente, estar cheio), na fé (também traduzido por “fidelidade”, bem orientado e firmado na Rocha), na pureza (interior e exterior), até a minha chegada (persistência). Isso inclui a leitura, a exortação e o ensino, a vida no emprego do dom espiritual, a preocupação pelo reino de Deus, a visibilidade dos progressos espirituais, o cuidado próprio com o ensino, a constância e a execução de todas essas coisas.

“Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois, agindo assim, você salvará tanto você mesmo quanto aos que o ouvem” (1Tm 4.16). Não são poucos os cristãos que têm grandes dificuldades com esse último versículo, devido a uma má interpretação ou aplicação.

A forma verbal “salvará”, ou o verbo “salvar”, tem vários significados ou sinônimos e não se refere somente à vida eterna:

– Jacó orou: “Por favor, salva-me de meu irmão, Esaú...” (Gn 32.11, NVT).

– “Vez após vez Deus salvará você do perigo e não deixará que nenhum mal lhe aconteça” (Jó 5.19, NTLH).

– Davi orou: “Senhor, meus Deus... salva-me e livra-me de todos os que me perseguem” (Sl 7.1).

– “Então Pedro... começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’” (Mt 14.30).

– “O Senhor enviou seu anjo para me salvar...” (At 12.11, NVT).

– “E foi assim que todos se salvaram em terra” (At 27.44b, NAA).

– “O Senhor me livrará de toda obra maligna e me levará a salvo para o seu Reino celestial...” (2Tm 4.18).

– “E a oração da fé salvará o enfermo...” (Tg 5.15, NAA).

Diante dessas observações e no contexto do capítulo 4, fica claro: a exemplo do caso da geração de filhos pelas mulheres (1Tm 2.15), também aqui não se trata da salvação para a vida eterna, mas de salvamento diante de perigos que são mencionados no capítulo 4. Trata-se de livramento diante de tudo de falso e adverso que ameaça uma vida cristã (p. ex.: apostasia da fé, falsas doutrinas, ensinos demoníacos, fingimento, mentiras, fábulas).

Aquele que observa com ênfase a doutrina bíblica e permanece nela, aquele que a ensina, ouve e a pratica será guardado de falsas doutrinas. Vemos, uma vez mais, a grande responsabilidade relacionada com a propagação da boa doutrina bíblica, pois muitas falsas doutrinas, enganos e procedimentos errados que ocorrem nas igrejas locais têm origem na falta de cuidado no ensino da boa doutrina da Palavra de Deus, de acordo com o que está prescrito em nosso texto bíblico.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Março 2020

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