O que é e o que não é método teológico

Antes de poder descrever um método teológico cristão, precisamos definir dois termos básicos: teologia e método. Você provavelmente já ouviu dizer que teologia é o “estudo de (ou sobre) Deus” (de theos = “Deus” e logos = “estudo”). Nós, no entanto, afirmamos que uma definição melhor de teologia seria “diálogo sobre Deus”. Isso não reflete apenas o significado da palavra em si, formada a partir de theos (“Deus”) e logos (“palavra/diálogo”), mas também a compreensão histórica da tarefa que a teologia realiza.

Qual é a diferença? Ela importa? Ou estamos apenas brincando com palavras?

A expressão “estudo de/sobre Deus” suscita a imagem de uma pessoa solitária debruçada sobre uma mesa, cercada por livros, imersa em pensamentos, buscando diligentemente um maior conhecimento sobre Deus, suas obras e seu agir. Por outro lado, a expressão “diálogo sobre Deus” sempre imagina duas ou mais pessoas – um grupo de discussão, os participantes de um seminário, um professor e seus estudantes ou mesmo um escritor e seus leitores. Além disso, a rigor, não estudamos Deus em si, mas a sua revelação – o que ele revelou a respeito de si mesmo. Em resumo, não nos elevamos até Deus para estudá-lo; antes, dependemos de sua condescendência em se revelar a nós, em nosso mundo, usando nossa linguagem e símbolos. Como mulheres e homens engajados na teologia, respondemos ao que Deus revelou – tudo aquilo que não é mais segredo (Dt 29.29).[1]

Mas e o termo método? Esse vocábulo deriva de duas palavras gregas: meta (“atrás, depois”) e hodos (“caminho, trilha ou via”), isto é, “seguir atrás” ou “uma busca”. No uso comum, refere-se a “busca por conhecimento, investigação”, ou, no sentido desejado aqui, um modo sistemático de executar uma pesquisa. Dependendo da natureza da investigação, pesquisa ou busca, um método pode abranger princípios, procedimentos, técnicas ou regras. Ele pode ser rígido, de forma que qualquer desvio leve a um desastre – por exemplo, ao seguir uma fórmula para produzir Coca-Cola –, ou dinâmico, com uma necessidade inata de flexibilidade e fluidez – como usar suas habilidades para vencer um jogo de xadrez. Em qualquer caso, o “método” serve como um par de muretas que mantém a busca no caminho certo. Ele estabelece as regras fundamentais para o debate.

Dessa forma, portanto, o que é o método teológico? Em uma definição simples, método teológico é a maneira, o modo e os meios de participar do diálogo sobre Deus, suas obras e seu agir. Os três M’s dessa definição tendem a se sobrepor no uso convencional dessas palavras, mas, na nossa definição, “maneira” refere-se à atitude, disposição ou orientação exibidas em relação à teologia; “modo” refere-se à mecânica, aos procedimentos ou técnicas da teologia; e “meios” diz respeito às fontes, recursos ou ferramentas que usamos na teologia.

Em todo este guia introdutório, usamos a expressão “método teológico” para falar do método da teologia sistemática, e não de teologia bíblica, teologia canônica, teologia pastoral, teologia histórica ou qualquer outra área chamada de “teologia”. Mais adiante ficará claro que todas essas buscas perfeitamente legítimas e necessárias estão debaixo do guarda-chuva maior da “teologia sistemática”, e que frequentemente têm seus próprios “métodos” específicos. Neste livro, “método teológico” refere-se à busca teológica mais ampla (e ambiciosa!) de integrar as descobertas de todas as demais “logias”.

Vamos tentar entender melhor a definição adotada descrevendo o método teológico de dois ângulos diferentes: o que ele não é e o que ele é.

O que não é método teológico

Antes de explorar alguns aspectos do que é método teológico, vamos analisar quatro coisas que ele não é.

Método teológico não é uma fórmula

Pense nas aulas de matemática no Ensino Médio e no teorema de Pitágoras: a2 + b2 = c2. Basta inserir as informações certas, e você chega à resposta correta. Resultado garantido. Se a resposta estiver errada, então há algo errado com seus dados ou até mesmo com você. Mas a fórmula em si? Ela é à prova de erros.

Isso não se aplica ao método teológico.

Não há fórmula. Não há um processo testado e aprovado; nada de passo um, passo dois e passo três; nenhuma receita secreta para transformar informações bíblicas em estado bruto em doutrina perfeitamente equilibrada. Temos princípios, diretrizes e limites, é verdade; mas método teológico é mais como um jogo de futebol, e não tanto uma peça de teatro com roteiro pronto; mais como uma conversa e menos como uma palestra; está mais para Coltrane do que para Bach.[2]

Método teológico não é método exegético nem estudo bíblico indutivo

Um dos maiores desafios que encontramos com nossos estudantes de teologia é a confusão que se faz entre método exegético, estudo bíblico indutivo e método teológico. Muitos de nós aprendemos que teologia é um processo razoavelmente linear – como o caminho do trigo colhido até o pão fresco. Essa abordagem funcionava mais ou menos assim: em primeiro lugar, você colhe os dados bíblicos relacionados ao assunto estudado – digamos, anjos. Procure todos os versículos sobre anjos, estude o que cada um diz a respeito e os reúna. Depois, processe esse conjunto de dados: analise, organize, sintetize. Por fim, resuma os dados em uma descrição final que compreenda todo o ensino bíblico a respeito do tópico. O resultado, nos disseram, é um artigo da fé – parte de uma apresentação sistemática do que a Bíblia inteira ensina a respeito de uma série de tópicos.

Isso não é teologia sistemática. E esse não é o método teológico que estamos apresentando.

O processo acima descrito é antes uma parte vital do método teológico, pelo menos na maior parte do tempo. Na verdade, como aprenderemos neste livro, exegese e estudo bíblico indutivo envolvem vários métodos essenciais ao método teológico: exegese, teologia bíblica, teologia canônica e outras disciplinas que têm seus próprios princípios e práticas (distintos, mas relacionados). Mas todos eles são partes subsidiárias da disciplina maior que é a teologia sistemática.

Outro desafio é a confusão que se faz entre hermenêutica e método teológico. Se hermenêutica é o “estudos dos princípios da interpretação”, então hermenêutica é um componente do método teológico. Mas a hermenêutica frequentemente é limitada à interpretação de textos, em especial o texto da Escritura. Por mais crucial que seja a leitura da Escritura, ela igualmente ensina que Deus também se revelou por outros meios. E estes também precisam ser interpretados. David Jasper é feliz em sua afirmação: “A hermenêutica diz respeito às formas mais fundamentais pelas quais percebemos, pensamos e entendemos o mundo”.[3]

Método teológico não é “ganhar a discussão a qualquer custo”

Com demasiada frequência, “método teológico” é, na realidade, um eufemismo para “fazer-o-que-quer-que-seja-necessário-para-demonstrar-que-meu-ponto-de-vista-nesse-assunto-em-particular-é-o-correto”. Esse tipo de busca tem seu lugar; há uma “fé” que precisa ser articulada e defendida (Jd 3). Há momentos em que é preciso refutar falsos mestres e falsas doutrinas. Chega uma hora em que é preciso responder aos céticos e críticos. Há espaço para o uso direcionado de razão e retórica com a simples intenção de defender uma determinada posição doutrinária – especialmente quando ela faz parte do prato principal da teologia: a narrativa trinitária de criação, queda e redenção centrada na pessoa e na obra de Jesus Cristo em sua primeira e segunda vindas.

 “O prato principal da teologia é a narrativa trinitária de criação, queda e redenção centrada na pessoa e na obra de Jesus Cristo em sua primeira e segunda vindas”.

No entanto, quando o método teológico deteriora para a polêmica – defender meu ponto de vista (ou minha forma específica de articulá-lo) contra detratores e céticos –, ela tende mais para uma “guerra de comida” do que para “comunhão à mesa”. Esse é um método que talvez usemos na política partidária e nos esportes coletivos, mas não é método teológico.

Método teológico não é presumir o que se está tentando provar

Alguns crentes, descrevendo-se como “biblicistas”, “fiéis à Bíblia” ou “exegetas”, cultivam uma visão negativa da teologia sistemática. Às vezes, acusam teólogos sistemáticos de praticar um método que aborda o texto bíblico simplesmente para encontrar apoio para um sistema teológico pré-determinado. Nessa compreensão errada da teologia, o teólogo, em vez de permitir que as doutrinas e crenças brotem do processo hermenêutico, revisa o texto buscando apoio para suas conclusões.

Os críticos frequentemente acusam os teólogos de se aproximarem do texto com conclusões pré-concebidas, em vez de permitir que o texto emoldure não apenas as respostas, mas também as perguntas. É claro que todo mundo aborda a revelação de Deus com algum entendimento prévio, mas o método teológico precisa permitir que a revelação molde as perguntas e prestar atenção às respostas que Deus oferece às questões que ele mesmo levanta. Ninguém é uma página em branco quando se achega à Escritura. Todo mundo acredita em algo. Ainda assim, um método apropriado se submete à Escritura em vez de manipulá-la para atender aos propósitos do intérprete.

Notas

  1. Ao dizermos “revelou”, não estamos limitando a revelação ao passado. Os cristãos sempre acreditaram que Deus se revela continuamente à humanidade, o que ficará claro à medida que prosseguirmos. No entanto, eles não concordam na forma como ele o faz.
  2. John Coltrane foi um saxofonista e compositor de jazz norte-americano considerado um dos mais importantes do gênero. Musicalmente, o jazz é famoso por suas improvisações. Já Johann Sebastian Bach foi um compositor erudito do século XVII, considerado o maior mestre do gênero bar- roco. Executar suas músicas exige enorme disciplina, rigor e precisão do músico, deixando-lhe pouquíssimo espaço para interpretação livre. (N.T.)
  3. David Jasper, A Short Introduction to Hermeneutics (Louisville: Westminster John Knox Press, 2004), p. 3.

Glenn R. Kreider é professor de estudos teológicos no Dallas Theological Seminary, além de ser o atual editor da revista do seminário.

Michael J. Svigel é professor de teologia sistemática e teologia histórica no Dallas Theological Seminary.

Introdução Prática ao Método Teológico
sumário Revista Chamada Março 2022

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