As regras kosher no judaísmo

Usos, costumes e tradições no judaísmo

Um dos fundamentos do judaísmo chama-ne kashrut. Essa palavra designa genericamente as regras alimentares bíblicas sobre o consumo de animais permitidos e proibidos, conforme constam de Levítico 11. Todavia, para além disso, kosher significa tudo o que é compatível com as instruções bíblicas.

A separação entre leite e carne

O que mais chama a atenção das outras pessoas é a exigência de separar leite de carne. Isso domina completamente a vida diária judaica. Requer-se um intervalo de algumas horas entre o consumo de laticínios e carne. Na cozinha, laticínios e produtos à base de carne devem ficar rigorosamente separados. Além disso, não se devem misturar os utensílios destinados a leite e carne – ou seja, é preciso ter tudo em dobro.

Essa regra, que domina a vida diária judaica, baseia-se em um mandamento que aparece três vezes na Bíblia: em Êxodo 23.19 e 34.26, bem como em Deuteronômio 14.21, onde consta: “Não cozinhem o cabrito no leite da sua própria mãe”.

“Na cozinha, laticínios e produtos à base de carne devem ficar rigorosamente separados. Além disso, não se devem misturar os utensílios destinados a leite e carne – ou seja, é preciso ter tudo em dobro.”

Qual era a intenção original disso? Há diversas opiniões a respeito, mas aquela que acabou se impondo genericamente é a de que leite e carne não devem ser cozidos juntos e assim também não ingeridos juntos. Com o tempo, isso fez com que as regulamentações a respeito degenerassem em escrúpulos extremamente implicantes, como por exemplo o de que leite e carne não devam ser servidos na mesma louça.

Um exame mais atento dessas três passagens bíblicas revela que todas elas fazem parte de um contexto de instruções sobre ofertas. Assim, Êxodo 34.26 é precedido de várias instruções sobre ofertas. O versículo 19 diz que todo primogênito macho pertence ao Senhor. Isso significa que ele deveria ser sacrificado a Deus. No entanto, em parte nenhuma dessas passagens se determina com que idade o animal deveria ser sacrificado.

Restaurante da franquia McDonald's adaptado para as restrições "Kosher" em Jerusalém, Israel.Restaurante da franquia McDonald's adaptado para as restrições "Kosher" em Jerusalém, Israel.

Por outro lado, Levítico 12.6 (e também muitas outras passagens) diz que o animal a sacrificar deveria ter um ano de idade. Portanto, tudo indica que a instrução de “não cozinhar no leite da sua própria mãe” na verdade significa que um filhote não deveria ser morto enquanto ainda mamasse da mãe. A propósito, “não cozinhar” se explica pela regra de que a carne das ofertas sempre deveria ser cozida e não assada, como consta por exemplo em Levítico 8.31.

Pode-se, portanto, dizer que essa instrução obviamente mal-entendida gerou no judaísmo um sistema que determina os procedimentos da vida inteira.

As regras especiais para a Páscoa

É bem sabido que, na semana da Páscoa, o memorial da saída do Egito, não é permitido consumir pão levedado. Essa instrução também levou a um sistema que domina a vida inteira, no qual se proíbem não apenas produtos de padaria com levedura, mas quase todos os produtos – por exemplo até algo como sabão em pó – se não contiver na embalagem um carimbo especial de “kosher para a Páscoa”. Pretende-se garantir com isso que não apenas alimentos, mas também utilidades diárias não tenham contato com qualquer coisa levedada durante sua produção.

As instruções para o sábado

É claro que o sábado é o principal mandamento no judaísmo. Esse dia vem cercado de inúmeras instruções e determinações. Compreensivelmente, a principal delas é que se trate de um dia de repouso, no qual não se admite nenhuma atividade remunerada. Entretanto, a proibição de acender fogo no sábado acabou por tornar-se o mandamento que caracterizaria o dia inteiro.

O aspecto surpreendente disso é que essa proibição ocorre apenas uma vez na Bíblia – quase de forma marginal: “Não acendam fogo em nenhuma das suas moradas no dia do sábado” (Êx 35.3).

Qual foi a intenção disso? Ali não está escrito “em suas casas” ou “moradas” (ainda que alguns traduzam assim), mas “em suas sedes residenciais”. Seria isso referência a um fogo para algum evento público? A questão não fica clara. No entanto, essa proibição mencionada apenas uma vez passou a determinar quase todo o sábado.

Kosher

A dona de casa judia precisa preparar e cozinhar na sexta-feira praticamente toda a comida para o sábado e então mantê-la quente de algum modo. Hoje se dispõe de recursos modernos, como relógios de comando pré-programados, que então ligam no momento predeterminado. O mesmo se aplica também para a luz no sábado, porque no passado tratava-se de lamparinas a óleo ou velas que tinham de ser acesas com fogo. Todavia, mesmo em nossos tempos modernos, nem um interruptor de luz elétrica é permitido porque ele gera uma faísca, o que também corresponderia a acender fogo. Por causa dessas restrições, criou-se então no judaísmo o paliativo goi de sábado. Trata-se de alguém que não é judeu e que, se necessário, pode acionar a luz – ou seja o que for.

Por trás dessa proibição de acender fogo no sábado está também a origem das duas velas sabatinas. Quando ainda não existia energia elétrica, normalmente as fontes de luz eram as velas. Elas precisavam ser acesas antes do sábado a fim de fornecer luz nesse dia. Mas como se ficaria com apenas uma vela se esta se apagasse? Por isso, por precaução, sempre se usavam duas. A origem é, portanto, meramente prática, embora o acendimento das velas do sábado tenha hoje um significado religioso. A mãe da família tem a incumbência de acender as velas antes do início do sábado enquanto recita uma oração tradicional.

É claro que entre as instruções kosher existem ainda outros mandamentos bíblicos, que, porém, ficam menos evidentes para estranhos.

Nem todos os judeus observam rigorosamente as exigências religiosas. Em geral são apenas os portadores de uma quipá, ou seja, de uma cobertura da cabeça. A maioria dos judeus se considera tradicional, mas não observa com tanto rigor as instruções religiosas. Funcionários do governo, porém, são obrigados a obedecer em eventos oficiais às instruções religiosas. Assim, por exemplo, o primeiro-ministro não poderá empreender alguma viagem oficial no sábado ou manter diálogos oficiais, porque ele, afinal, é o primeiro-ministro do Estado judeu, ainda que na vida particular ele não observe essas instruções.

As instituições kosher no Estado judeu

Atualmente há em Israel uma surda luta pelo poder em andamento entre os judeus ortodoxos e outras correntes no judaísmo. Em Israel, os ortodoxos constituem o grupo determinante. No governo passado, sob Netanyahu, eles estavam representados por meio de três partidos políticos. O atual premiê, Bennett, embora seja o primeiro premiê a usar uma quipá, defende uma interpretação mais equilibrada do judaísmo. Nos EUA, os ortodoxos são comparativamente minoritários entre os judeus, sendo a maioria constituída de judeus conservadores ou reformados – os quais em Israel não têm até hoje praticamente nenhuma influência digna de nota. Bennett deseja mudar isso, o que também se refletirá na interpretação do kosher. Se ele conseguirá, ainda será preciso aguardar para ver. Até agora aquilo foi um monopólio dos judeus ortodoxos, e lhes garantia uma renda praticamente segura, que consta ser superior a um bilhão.

Fredi Winkler é guia turístico em Israel e dirige, junto com a esposa, o Hotel Beth-Shalom, em Haifa, que é vinculado à missão da Chamada.

sumário Revista Chamada Janeiro 2022

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