Descansarás a cada sete anos

A Bíblia prescreve conceder a cada sete anos um descanso à lavoura. Isso, porém, também implica perda de renda. Logo, não faltam vias de escape.

A cada sete anos, a agricultura poderia tecer uma delicada ligação entre os partidos em conflito – os judeus israelenses e os palestinos. Motivo: o mandamento do ano de descanso ou shmitta. O livro bíblico de Êxodo prescreve: “Durante seis anos você semeará a sua terra e recolherá os seus frutos. Porém, no sétimo ano, deixe a terra descansar e não a cultive, para que os pobres do seu povo achem o que comer e os animais do campo comam do que sobrar. Faça o mesmo com a sua vinha e com o seu olival” (Êx 23.10-11). Também os livros de Levítico e Deuteronômio contêm essa mitzva, esse mandamento hebreu.

No fim do ano passado – segundo a contagem judaica no ano de 5782 – começou um desses anos sabáticos com a celebração do Ano-Novo Rosh Hashaná. O termo shmitta também vem do hebraico e significa basicamente “soltar”. O ano do shmitta implica para muitos judeus também uma luta por uma regulamentação de acordo com a lei. Certo é que são poucos os agricultores dispostos a renunciar à sua colheita e aos rendimentos resultantes dela.

Escapes eruditos

Assim, o mais tardar desde a criação do Estado de Israel em 1948, os rabinos estão à procura de soluções kosher. Recentemente, a escritora Dvora Waysman escreveu no jornal Jerusalem Post: “Rabinos eruditos como o falecido rabbi Abraham Isaak Kook concordam com um heter – uma dispensa ou liberação – que permita vender durante o ano sabático a terra a não judeus a fim de que ela possa continuar a produzir”. Além disso, já se teriam entrementes aperfeiçoado outros métodos de aplicação de um heter. Isso inclui uma antecipação da semeadura antes do ano do shmitta, o plantio por meio de hidroculturas e sistemas que não dependam da terra e, em lugar dela, utilizem cascalho e brita.

Continua usual a cessão da terra a não judeus, como por exemplo a cidadãos drusos. Heter mechira é o nome que se dá a isso. Isso permite aos agricultores judeus continuarem a produzir porque, no papel, a terra pertence a outro. O kibutz Lavi na Galileia é um que aplica esse recurso. “Aproveitamos a solução, vendemos a terra a um proprietário não judeu e trabalhamos sob a sua autoridade”, disse o rabino do kibutz, Jehud Gilad. Assim seria permitido continuar a trabalhar sem restrições. “Nós, por exemplo, não semeamos, apenas ajudamos na colheita e em todos os serviços necessários até então. É assim que a shmitta funciona entre nós. Mas é claro que sabemos que não se trata de um ano de shmitta autêntico”.

O kibutz pratica uma shmitta autêntica apenas em uma pequena parcela de terra, que permanece intocada. Qualquer um pode servir-se dos melões que crescem ali. Estes trazem em si a santidade do sétimo ano e por isso chamam-se Kedushat Shevi’it.

Critérios rigorosos

O editor germano-judeu Chaim Gusli sabe que autoridades kashrut, como a Orthodox Union americana, só concedem certificado kosher a alimentos de Israel se no ano da shmitta a terra estava de posse de não judeus ou as mercadorias são compostas por ingredientes colhidos antes do ano de descanso.

Uma solução completamente diferente é a que promete a organização israelense Agudat Shmitta – com respaldo judicial: nem arrendamento, nem posse compartilhada, mas “posse de 100%”. Se a organização for nomeada mediadora e fiduciária judicial, aquilo seria “a solução legal halacá hoje disponível e que permite a todos os judeus cumprir a shmitta”. O que não fica bem claro é em que medida essa organização é realmente de utilidade pública.

Difícil aplicação

Os judeus, porém, que por princípio consideram os artifícios burocráticos como não kosher, só veem uma saída: comprar de não judeus, de agricultores árabes em Israel ou de palestinos. Mesmo aí, porém, já se andou manobrando. Agricultores judeus cultivaram em sua própria terra e então transportaram seus produtos até um agricultor árabe.

Que opções ainda restariam então? Em princípio seria possível recorrer a importações. A shmitta vale só em Israel e só para solo judeu. Anúncios em jornais explicam quais lojas fornecem produtos kosher. Durante este ano, algumas cadeias de lojas oferecerão exclusivamente hortaliças e frutas árabes ou importadas. A escritora Waysman admite que “não é fácil cumprir o ano da shmitta em Israel”.

Aspecto holístico

A rabina reformada Damia Marx, de Jerusalém, nem quer limitar o ano sabático ao aspecto da agricultura. Na sua opinião, os religiosos estão desconsiderando “o essencial”: “O aspecto ético, o aspecto ecológico, o aspecto das relações humanas, o aspecto da justiça social”. Porque o ano da shmitta diria respeito também ao tema das dívidas: “Passados sete anos, as dívidas devem ser esquecidas. Trata-se, portanto, de justiça social. Quem tem posses e leva uma vida materialmente boa precisa demonstrar solidariedade com aqueles que não têm nada daquilo”.

Seu colega, o rabino Gilad, acha fascinante “que a shmitta se ocupe de fato de problemas que encontramos em diversas dimensões no mundo moderno”. Nisso ele se refere a ecologia, proteção ambiental e sustentabilidade: “A ideia de que não devemos simplesmente explorar a natureza, mas também deixá-la cuidar de si para que possa desenvolver-se”.

Publicado com permissão de
israelnetz.com

sumário Revista Chamada Janeiro 2022

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