O Enviado Especial

“Mas, quando Deus, que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, achou por bem revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios...” (Gl 1.15-16)

Penso que há quatro coisas que podemos dizer sobre Paulo: primeiro, que ninguém passou por uma conversão e um chamado tão radicais como ele. Segundo, que ninguém testemunha de forma tão enérgica seu abandono da vida antiga e sua dedicação a uma nova vida em Cristo. Terceiro, ninguém proclama a total seriedade do pecado e a perfeição da graça de modo mais profundo do que Paulo. Quarto, ninguém no Novo Testamento recebeu revelações tão incríveis como esse apóstolo.

É evidentemente justo Paulo ser chamado de “maior proclamador neotestamentário de Jesus”. Basta ver a quantidade das suas cartas e o espaço que sua atividade ocupa no livro de Atos dos Apóstolos. Enquanto os apóstolos dos judeus trabalhavam mais ou menos entre estes, foi Paulo, o apóstolo dos gentios (não os apóstolos dos judeus), que alcançou as nações da época com a mensagem salvadora de Jesus. Ele é que foi “por todo o mundo” (Mt 28.19; Mc 16.15). Basta esse fato para chamar atenção (Cl 1.23).

Nesse contexto é digno de nota que, no evangelho de João (que na minha opinião é o evangelho da transição para o mundo das nações), o Senhor Jesus não disse a Pedro: “Vão por todo o mundo”, mas: “Apascente as minhas ovelhas” (Jo 21.16-17). E quem são as ovelhas de Jesus? A parcela crente do povo de Israel (Hb 13.20). E, de fato, Pedro permaneceu entre os judeus (Gl 2.9). Suas cartas dirigem-se a judeus na diáspora, e a eles o apóstolo fala do Pastor (1Pe 2.25; 5.4). Paulo, porém, tornou-se o apóstolo das nações.

A respeito disso encontramos uma nota interessante no Antigo Testamento. Ali o Messias fala como servo de Deus: “Escutem, terras do mar, e vocês, povos de longe, prestem atenção! O Senhor me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre da minha mãe fez menção do meu nome... Sim, ele diz: ‘Para você, é muito pouco ser o meu servo para restaurar as tribos de Jacó e trazer de volta o remanescente de Israel. Farei também com que você seja uma luz para os gentios, para que você seja a minha salvação até os confins da terra’” (Is 49.1,6). Duas noções destacam-se nesse texto: por um lado, as “terras do mar” e, por outro, os “confins da terra”.

  1. “Escutem, terras do mar [ou “ilhas”, iy-yim], e vocês, povos de longe...” (v. 1). Segundo o dr. Roger Liebi, essa palavra refere-se à Europa – mais exatamente, àquela Europa alcançada pelo apóstolo Paulo. Foi ela que Deus preparou inicialmente para essa salvação. Daí também o pedido daquele homem da Macedônia: “À noite, Paulo teve uma visão na qual um homem da Macedônia estava em pé e lhe rogava, dizendo: ‘Passe à Macedônia e ajude-nos’” (At 16.9).
  2. “Farei também com que você seja uma luz para os gentios [goyim], para que você seja a minha salvação até os confins da terra” (v. 6). Essa expressão refere-se a todos os povos fora da Europa, ou seja, até os confins da terra. É por isso também que o apóstolo Paulo citou esse versículo quando os judeus resistiram à sua mensagem (At 13.45-48).

Portanto, a sequência é a seguinte: primeiro, Israel = apóstolos dos judeus; segundo, Europa = apóstolo Paulo; terceiro, o restante do mundo = missionários europeus. Foi por causa dessas particularidades e revelações que integram o chamado de Paulo que também ninguém foi perseguido e odiado mais radicalmente do que ele.

Você também é especial para Deus, mesmo não tendo um chamado como o de Paulo. Quando Deus criou você, foi de modo diferente do que qualquer outra pessoa porque ele queria que você fosse único. Com o preço que o seu Filho pagou por você, ele também pensou em você. Sua revelação para você é exclusiva. Sua conversão é exclusiva. Deus revelou seu Filho também em você. Assim, sua área de atuação na qual ele o colocou é bem particular e exclusiva – nem sempre fácil, mas escolhida por ele para você. Ele o chamou para alcançar o mundo ao seu redor. Por isso, não esqueça o alvo que ele quer atingir com você, o amor que ele quer transmitir por meio de você, o fruto que quer produzir mediante você e o caminho pelo qual ele conduz você.

Um novo desenvolvimento da igreja

Não se trata de elevar as cartas de Paulo acima das cartas dos outros apóstolos. Cada carta tem o lugar para o qual Deus a designou. Também não se trata de apenas as cartas de Paulo terem validade para a igreja. Toda Escritura é inspirada por Deus (2Tm 3.16). Paulo mesmo testifica que “tudo é de vocês: seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas” (1Co 3.21-23). Em outra passagem ele alerta: “Que a palavra de Cristo habite ricamente em vocês...” (Cl 3.16). Todos os apóstolos dispunham do mesmo modo das palavras de Cristo. Seu Santo Espírito inspirou todos eles (Jo 16.12-15).

Inversamente, o apóstolo Pedro falou sobre Paulo: “... como também o nosso amado irmão Paulo escreveu a vocês, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar a respeito destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas cartas. Nelas há certas coisas difíceis de entender, que aqueles que não têm instrução e são instáveis deturparão, como também deturparão as demais Escrituras, para a própria destruição deles” (2Pe 3.15-16).

“Pedro confirma a missão especial de Paulo – a sabedoria e as revelações particulares concedidas a ele.”

Com isso, Pedro confirma a missão especial de Paulo – a sabedoria e as revelações particulares concedidas a ele. Os judeus tinham grande dificuldade em entender a doutrina complementar de Paulo, porque no Antigo Testamento suas novas revelações ainda não estavam expostas. Assim, por não o entenderem ou não quererem entender, distorciam muitas coisas e rejeitavam Paulo.

Os coríntios, por exemplo, tentavam distinguir entre Paulo e Pedro segundo suas próprias ideias (1Co 1.11-13), mas os versículos citados acima mostram que o Espírito Santo não permite isso. Mediante uma observação sóbria e objetiva, porém, descobrimos que, por meio de Paulo, se iniciou um novo desenvolvimento da igreja que antes não existia. Paulo recebeu revelações divinas que nenhum outro recebeu. Embora a revelação paulina inclua e envolva todas as outras declarações da Escritura, ela também a estende bastante e conduz a verdades e dimensões até então desconhecidas. Por isso, suas cartas têm grande valor para a igreja.

Quem não estudar e assimilar a teologia de Paulo, não entenderá o pleno propósito de Deus para a igreja, mas ficará restrito ou travado às mensagens dos evangelhos. Não é isso, porém, o que Deus quer. Não devemos saciar-nos com o aperitivo se ainda houver um maravilhoso prato principal esperando por nós. O Senhor chamou Paulo para que nós mesmos cresçamos na revelação do conhecimento dele e reconheçamos a profundidade da esperança do nosso chamado (Ef 1.17-19).

Por meio das cartas do apóstolo Paulo, Deus nos revela muito mais do que o que consta nos evangelhos – o que o próprio Jesus também deu a entender aos seus apóstolos (Jo 16.12-13). Nesse sentido, o apóstolo Paulo exerce um ministério especial.

A carta aos Hebreus enfatiza: “Por isso, deixando os princípios elementares da doutrina de Cristo, avancemos para o que é perfeito, não lançando de novo a base do arrependimento de obras mortas e da fé em Deus, o ensino de batismos e da imposição de mãos, da ressurreição dos mortos e do juízo eterno” (Hb 6.1-2).

Não se trata de desconsiderar os evangelhos, mas não devemos ficar travados neles, e sim crescer e ir adiante a fim de alcançar a estatura plena. Isso, porém só será possível por meio da doutrina das cartas apostólicas – antes de tudo, das cartas de Paulo. Nesse sentido quero aplicar a nós a Palavra de Deus dirigida a Amazias: “O Senhor pode lhe dar muito mais do que isso!” (2Cr 25.9).

É preciso irmos em busca daquilo que o Senhor onipotente nos quer dar a mais em termos de preciosidades espirituais. Um paralelo neotestamentário para isso é Efésios 1.3: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo”. Esse tesouro espiritual é o que o Senhor nos anuncia por meio das revelações dadas ao apóstolo Paulo.

Trata-se de um grande milagre Deus comissionar de tal maneira, por meio de Cristo, alguém que era tão contrário a Jesus. Para Deus, todas as coisas são possíveis. Comentava-se sobre Paulo que “aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que no passado procurava destruir” (Gl 1.23). Examinemos algumas particularidades do seu chamado:

  • Paulo é o único apóstolo conhecido como apóstolo dos gentios.
  • Só ele fala do “corpo de Cristo”.
  • Só ele fala da graça sem obras visando à redenção. Paulo até chama a si mesmo de “administrador da graça de Deus” (Ef 3.2; Rm 3.28; Gl 2.16; Tt 3.5). Alguém já chamou certa vez Paulo de “fábrica de graça” (cf. At 20.24). Embora Pedro e os outros apóstolos também falem da graça (p. ex., 1Pe 3.18; 5.12), a teologia da graça perfeita sem obras é exposta por Paulo.
  • A Paulo foram revelados os mais profundos mistérios do Novo Testamento. Por isso, ele via a si mesmo e aos seus companheiros como “encarregados dos mistérios de Deus” (1Co 4.1).

Suas revelações são as que retroagem mais longe, até a fundação do mundo, quando ainda não havia nem criação nem tempo – e são as que têm a previsão mais extensa, até o ponto em que Jesus devolve ao Pai o Reino e Deus será tudo em todos (1Co 15.24-28; cf. também Ef 1.4-10 – desde antes da fundação do mundo até a consumação dos tempos). É verdade que também os outros apóstolos conduzem a verdades mais profundas, mas nunca com tal alcance quanto Paulo. No fundo, o evangelho que ele recebeu particularmente do Senhor começa com seu chamado em Atos 9 e até depois da conversão dos primeiros gentios em Atos 10 a 11.

Paulo até chamou sua mensagem de fecho do cânone bíblico (Cl 1.25). Embora a Bíblia termine com o livro de Apocalipse, Paulo de fato completa o cânone da história sagrada propriamente dito com vistas à igreja. João recebeu a revelação dos eventos futuros nesta terra – o juízo e a bênção. Para isso ele inclusive foi trasladado ao céu (Ap 4.1). Paulo, por sua vez, recebeu revelações sobre as bênçãos celestiais (Ef 1.3-14). Para isso, ele também foi trasladado ao terceiro céu (2Co 12.1-10). Assim, também é só Paulo que pode dizer a respeito das suas revelações: “A mim [não a nós]... foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo e manifestar a todos...” (Ef 3.8-9). Bem assim como ele mesmo foi “iluminado”.

Paulo fala de um evangelho que lhe foi confiado (1Tm 1.11; Tt 1.3). Ele fala do “meu evangelho” (Rm 2.16; 16.25; 2Tm 2.8), do “evangelho por mim anunciado” (Gl 1.11), “o evangelho que prego entre os gentios” (Gl 2.2); “o evangelho que anunciei a vocês” (1Co 15.1). Ele diz que o evangelho confiado a ele não é humano (Gl 1.11). Esse evangelho ele não recebeu de outras pessoas (os apóstolos), mas o próprio Deus ou Cristo o revelou a ele, claramente para uma missão especial (Gl 1.12,16-17).

Nem Pedro nem outros judeus crentes no Messias ensinaram Paulo. Ele se vê desde o início livre de qualquer autoridade humana. Jesus Cristo o comissionou diretamente e foi seu mestre. Portanto, seu evangelho é mais que a mensagem profética do Antigo Testamento ou de João Batista, e também mais do que aquilo que Jesus anuncia nos evangelhos. Meditemos nessas verdades, guardando-as em nosso coração como Maria fez (Lc 2.19).

Paulo e o Cristo exaltado e glorificado

Os doze apóstolos foram chamados ainda pelo Jesus humilhado, mas Paulo pelo Cristo exaltado e glorificado. Por isso ele geralmente fala em “Cristo Jesus”, enquanto os outros falam predominantemente de “Jesus Cristo”. Nem sempre isso se aplica (p. ex., Gl 1.12), porque, afinal, o Cristo exaltado também continua sendo o Filho do homem anteriormente humilhado e que não abriu mão do nome Jesus. Assim, Paulo também foi chamado com as palavras “eu sou Jesus, a quem você persegue” (At 9.5), mas a maior parte das citações aponta nessa direção. Exceções costumam confirmar a regra.

Assim, quase todas as cartas de Paulo começam com as palavras: “Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (Rm 1.1). Já os outros autores (judeus) falam de “Jesus Cristo” (Mt 1.1; Mc 1.61; Tg 1.1; 1Pe 1.1; 2Pe 1.1; Jd 1.1). Parto do pressuposto que esse deslocamento das ênfases não seja insignificante. Tudo o que é inspirado por Deus faz algum sentido vindo do Espírito.

Paulo conheceu Jesus vindo do céu, e suas declarações apontam predominantemente às condições celestiais. Assim, ele por exemplo escreve sobre si mesmo e a igreja: “O Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo para o seu Reino celestial. A ele, glória para todo o sempre. Amém!” (2Tm 4.18; cf. Cl 1.15).

O apóstolo Pedro também faz isso quando fala da nossa herança nos céus (1Pe 1.4). Afinal, como corpo de Cristo, a igreja se compõe de judeus e gentios, e aí não há separação. Mas eu diria que Paulo faz isso em dimensões mais profundas (Ef 2.6). Os outros doze apóstolos sempre têm para si a promessa de se assentarem em doze tronos quando o Senhor estabelecer seu reino na terra (Mt 19.28; Lc 22.30) – e pode-se observar que essa visão os acompanha.

“Jesus Cristo” significa o Filho de Deus vindo “na carne”. Já “Cristo (Jesus)” significa o Filho de Deus vindo “no Espírito”. Na carne ele veio ao mundo. Por meio do Espírito Santo ele veio ao nosso coração.

No Novo Testamento, encontramos mais de oitenta vezes a expressão “em Cristo”. Como o Pai nos recebeu “em Cristo” (1Co 1.30), fomos com ele crucificados, sepultados e ressuscitados, e nos assentamos com ele no céu (Ef 2.6). Foi missão do apóstolo Paulo revelar a condição de estar “em Cristo”.

Para Paulo, o Cristo exaltado e glorificado era a única fonte de revelação. Por isso, ele enfatizou não conhecer mais Cristo segundo a carne (2Co 5.16). Há quem suspire: “Ah, como eu gostaria de ter estado ali quando Jesus viveu na terra...”, mas então se esquece de que temos muito mais. William MacDonald escreve a respeito:

Embora fosse possível conhecer Jesus como vizinho no povoado de Nazaré ou como Messias terreno, algo muito diferente foi conhecer o Cristo glorificado atualmente assentado à direita de Deus. Hoje conhecemos o Senhor Jesus muito mais exatamente e melhor quando ele nos é revelado na Palavra e no Espírito Santo do que puderam conhecê-lo aqueles que só o julgaram por sua apresentação exterior quando ainda vivia na terra como homem.

Apenas Paulo recebeu a revelação sobre o corpo e a cabeça e a mensagem do arrebatamento. Aí vemos novamente sua visão celestial. A ele foram revelados 14 mistérios que até então estavam totalmente encobertos e que não foram revelados a mais ninguém. Isso significa que o ápice dos mais profundos mistérios do coração de Deus só podem ser encontrados nas cartas de Paulo. Ele não anunciou nada contrário ao que já havia, mas avançou com elementos modificados para a igreja, como por exemplo que os gentios não estão mais sujeitos à lei mosaica.

Paulo tinha um chamado especial para a condição especial da igreja como corpo de Cristo. Ele é o “enviado especial”.
Paulo tinha um chamado especial para a condição especial da igreja como corpo de Cristo. Ele é o “enviado especial”.

Paulo tinha um chamado especial para a condição especial da igreja como corpo de Cristo. Ele é o “enviado especial”. A igreja é uma nova criação, um novo homem para quem a lei dos mandamentos foi removida (Ef 2.15). Essa mensagem foi entregue apenas a Paulo. Ele mesmo enfatizou que lhe fora confiada a mordomia (administração) da igreja entre os gentios (Ef 3.2). Pedro foi o porteiro que tinha a chave (Mt 16.19), mas Paulo foi o mordomo.

Mordomia ou administração significa dirigir, planejar, organizar e governar uma casa. Essa casa é a igreja. Aqui aparece algo da importante missão de Paulo: ele é, dessa forma, o administrador da casa de Deus. Sendo assim, precisamos levar esse fato em conta e não devemos negligenciar sua mensagem dirigida a nós (cf. 1Co 4.1; 9.17)

Um tema negligenciado

O evangelho do Reino anunciado nos evangelhos conhecia a graça e a lei. Esse evangelho ainda impunha condições. Embora Pedro dissesse no Concílio Apostólico que “cremos que somos salvos pela graça do Senhor Jesus, assim como eles” (At. 15.11), tratava-se ali da liberdade dos gentios em relação à lei judaica, não de Israel. O evangelho da graça que Paulo anunciava (At 20.24), porém, só conhece a graça, sem a lei veterotestamentária ou obras (Rm 6.14). Seu evangelho é um presente divino vindo do alto. Presentes não estipulam condições (Rm 8.32; 1Co 2.12). Por isso, ele também o chamou de “evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado” (1Tm 1.11; em relação aos versículos precedentes a respeito da lei). Paulo recebeu a revelação de que, como nova criação e corpo, a igreja já fora eleita antes da fundação do mundo – ou seja, quando nem existiam obras. Mesmo assim, Paulo não deixou de enfatizar para os cristãos convertidos a importância das obras e da santificação prática. Ele dava muito valor a isso.

Temos compromisso com a Bíblia inteira, mas com isso não devemos negligenciar a mordomia especial da igreja nas cartas paulinas. Se quisermos conduzir a igreja corretamente, de acordo com o Espírito Santo, e desenvolver-nos espiritualmente, as cartas de Paulo terão um valor especial e extremamente necessário. Johannes Ullmann expressou isso certa vez assim:

 “Se quisermos conduzir a igreja corretamente, de acordo com o Espírito Santo, e desenvolver-nos espiritualmente, as cartas de Paulo terão um valor especial e extremamente necessário.”
“Se quisermos conduzir a igreja corretamente, de acordo com o Espírito Santo, e desenvolver-nos espiritualmente, as cartas de Paulo terão um valor especial e extremamente necessário.”

Numa comparação da Palavra de Deus com um coro de vozes mistas, Paulo não canta apenas uma voz em meio a todas as outras no coro – não, ele cantou segundo uma partitura própria, escrita especialmente para ele. O mais genial compositor de todos os tempos a designou a ele. Por isso ele também nunca canta no coro – também não canta em quarteto ou dueto – não, ele sempre canta sozinho. Ele canta muitas oitavas...

Por causa das suas sublimes revelações, Deus humilhou muito a Paulo, a ponto de um anjo de Satanás ter permissão para agredi-lo (2Co 12.7). Nenhum outro apóstolo passou por algo assim. Ele mesmo escreveu que, por causa dessas revelações extraordinárias e complementares para o corpo de Cristo, ele passou por sofrimentos extraordinários, também a título complementar. Ele portava em seu corpo as marcas de Jesus (2Co 12.7; Cl 1.24; Gl 6.17).

Paulo foi desconsiderado, desprezado, perseguido, incompreendido e torturado como nenhum outro (exceto Jesus). Na Ásia, todos o abandonaram (2Tm 1.15). Mesmo muitos que antes haviam colaborado com ele se afastaram (2Tm 4.10-11). Ao longo da história da igreja, Satanás perseguiu o alvo de obscurecer as cartas de Paulo, porque são as que mais iluminam. Nunca houve o risco de as cartas de Paulo serem superestimadas, mas sempre o de as outras cartas serem consideradas superiores às dele.

Satanás procura desqualificar as cartas da doutrina paulina de duas maneiras: ou de forma direta e brutal, por meio de grandes provações e hostilizações até mesmo de dentro das suas próprias fileiras, ou mediante disfarces piedosos, acusando-o de fortes exageros. Assim, o conceito de “exposição exagerada da Escritura” soa muito piedoso, mas na verdade é a supressão das profundas verdades complementares que Deus nos deu. Essa advertência pretensamente piedosa também pode perfeitamente ser interpretada de outra forma: “Não leve a Escritura Sagrada tão a sério; não se deve exagerar, afinal, não é tão importante assim, contente-se com o que você sabe e não investigue mais a fundo. Fique com os evangelhos...”.

Quem quiser penetrar em toda a profundidade da mensagem divina da salvação para a igreja, não poderá apenas citar versículos bíblicos de Paulo aqui e ali, mas terá de estudar suas cartas a fundo e orar segundo o que Paulo buscava: “Peço ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, que conceda a vocês espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele. Peço que ele ilumine os olhos do coração de vocês, para que saibam qual é a esperança da vocação de vocês, qual é a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder” (Ef 1.17-19).

Michael Kotsch escreve sobre o valor das cartas apostólicas em geral: “De certo modo, os textos dos apóstolos têm para a igreja neotestamentária uma relevância até maior que os evangelhos porque falam concretamente à sua era sagrada e a situação da vida diária dela. Muitos detalhes sobre a vida dos cristãos e o comportamento da igreja encontram-se apenas nas cartas de Paulo e não nos discursos de Jesus. Todavia, não se deve entender ambos como opostos, mas como complementação intentada por Deus”.[1]

O teólogo Erich Sauer escreve sobre Paulo: “Paulo teve importância especial para o chamado da igreja. Do ponto de vista da história eclesiástica, ele foi o ‘primeiro depois do único’, sem com isso desmerecer os outros. Jesus foi o Único, o que assentou os alicerces, o incomparável e insuperável. Paulo foi o primeiro. O arauto, o principal desbravador do evangelho na amplidão dos povos, o ‘primeiro’ destacado no grande e amplo espaço dos povos”.

O site soundwords.de cita Clifford Henry Brown a respeito da doutrina de Paulo. Diz ele: “Isso me lembra de quando eu frequentava como menino a escola dominical e aprendi ali na International Sunday School: seis meses no Antigo Testamento – aquelas maravilhosas histórias de José no Egito e Davi e o gigante, etc. – e seis meses no Novo Testamento. Aprendemos a preciosa história da vida do nosso bendito Senhor. Foi valioso e dou graças a Deus por essas coisas. [...] Mas a questão é: nunca nos ocupamos das cartas de Paulo, com exceção de alguns versículos arrancados do contexto e aplicados com fins morais. Não tivemos a menor ideia da grande importância do ministério confiado a Paulo. Paulo foi negligenciado [...] Deus o encarregou desse ministério especial, e ai de quem negligenciar Paulo! Ele definhará em sua vida espiritual e não terá comunhão com os pensamentos de Cristo”.

Heinz Schumacher, por sua vez, comenta:

É frequente se cometer o erro de colocar a mensagem do Jesus terreno acima da doutrina de Paulo. Soa tão piedoso e convincente dizer: “Prefiro me orientar pelo próprio Jesus a fazê-lo por Paulo e os outros apóstolos”. Portanto, estaciona-se nos quatro evangelhos e talvez ainda se acrescente Ap 2–3. Diante disso cabe contestar: acaso o Senhor exaltado não fala por meio de Paulo? Jesus não o designou “mestre dos gentios” (1Tm 2.7)? O que Jesus ainda não pôde dizer aqui na terra (porque o tempo ainda não estava maduro), ele revelou como Senhor exaltado nas cartas, especialmente nas de Paulo! Assim, a mensagem das cartas de Paulo não é só tão importante quanto a dos quatro evangelhos, mas ainda mais, assim como um compêndio para estudantes avançados (de latim ou inglês, física ou química) oferece mais do que um dirigido a principiantes. Jesus chamou Paulo com o propósito especial de levar seu evangelho ao mundo gentio (At 22.21; 26.17-20) e fez com que ele [...] completasse a Palavra de Deus e revelasse mistérios divinos que antes disso Deus ainda havia retido. Quem então achar que isso seja um desprezo da revelação bíblica anterior, está totalmente equivocado. Se ouvirmos uma palestra médica sobre o cérebro ou os nossos olhos, certamente o bom senso não permite acusarmos o palestrante de negligenciar nossos pés ou joelhos. Tudo é importante em seu devido lugar; assim também a revelação bíblica, seja o Pentateuco ou os livros de Reis, Jó, Salmos, Provérbios, profetas, os quatro evangelhos ou as cartas. Será somente diante do cenário de toda a revelação das Escrituras que poderemos entender Paulo corretamente. Ele seria o último a dizer: “Limitem-se às minhas cartas!” (cf. 1Co 3.21-23). Existem, porém, pontos altos que superam tudo o mais: nossa cabeça, as mãos e pés e assim também as cartas de Paulo diante das cartas precedentes.[2]

De modo nenhum se trata de obliterar os outros apóstolos, mas é importante estarmos dispostos a tirar das sombras um tema negligenciado e iluminá-lo tal como a Bíblia o faz.

Notas

  1. KfG Gemeindegründung, 1/18, ano 34, nº 133, p. 23.
  2. Heinz Schumacher, Leben und Lehre des Apostels Paulus (Nuremberga: Paulus-Buchhandlung, 2020), p. 497-480.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Janeiro 2022

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