E habitou entre nós

O Natal e a realização do anseio de Deus

Boris Becker comentou certa vez: “Por 18 anos tive a impressão de nunca ouvir a pergunta certa dos jornalistas. Sempre interessava só o resultado, nunca o homem.”

Com Deus é diferente. Para ele importa o homem, nunca os sucessos dele ou o que ele possa apresentar. Observamos isso principalmente no Natal.

A palavra alemã para “Natal” é “Weihnachten”. Na verdade é um plural, talvez porque se destine a todos. A palavra germânica “Weiha” significa “dedicar” e trata de dedicar-se a algo ou alguém santo. “Nacht” significa “noite”; assim, o Natal é a noite – a noite santa – em que Deus se dedica ao homem.

Deus é santo, e toda pessoa deveria saber que também ela é santa para esse Deus. O Natal é uma expressão do anseio de Deus por estar unido com os homens.

Certamente, o que melhor expressa o anseio de Deus é a parábola que Jesus contou a respeito do filho pródigo. Diariamente, o pai espera pelo filho que lhe deu as costas, e corre ao seu encontro quando este retorna arrependido. Assim, um bom título para essa história seria também: “A parábola do anseio do pai”.

Muitas pessoas têm uma imagem errada de Deus. Enxergam-no apenas como o soberano rigoroso e sério, e menos como o Pai amoroso ansioso que se estende a sós.

Eu estava num shopping esperando alguém. Em uma vitrine, vi uma oferta de shorts com frases impressas neles. Um deles dizia algo como: “Uma vida sem tolices é tola”. Para mim, essa frase pareceu bastante boba, mas no fundo ela expressa que o homem anda à procura do sentido da vida e que, ao não encontrá-lo, o resultado é uma porção de tolices.

A vida inteira parece tola e sem propósito enquanto não reconhecemos seu verdadeiro sentido e nos dedicamos a ele. O que é sentido e o que é tolice?

O homem é pressionado por questões como: por que estamos neste mundo? Para que fui criado? Seria esse todo o conteúdo da minha vida, ter nascido para a certa altura morrer? No intervalo há um pouco de alegria, muito trabalho e esforço, medos, preocupações e dores – isso seria tudo? É como alguém disse certa vez: “Será que fugimos de uma jaula de macacos?”.

Em nós vive um anseio insatisfeito que não conseguimos preencher com nada aqui nesta terra.

Uma das mais famosas obras de arte do mundo é a pintura de Michelangelo representando a criação do primeiro homem. Nela, Deus estende seu dedo em direção à mão inerte do homem. Esse toque o desperta para aquilo a que Deus o destinou.

Fomos criados para Deus, para interagir com ele. Ele quer ter comunhão conosco, comunicar-se, viver entre nós, trabalhar, andar conosco.

Nenhum de nós é produto do acaso. Deus desejou cada pessoa. O Criador dedicou-se a nós, entregou-se por nós e nos consagrou.

O homem perde o seu sentido quando ignora a Deus e resolve tomar as rédeas nas próprias mãos e controlar a vida que o Senhor lhe deu. Aí a tolice realmente entra em ação...

Podemos torcer e virar a coisa como quisermos, mas se observarmos a realidade, fica claro que “o pecado é a vergonha dos povos” (Pv 14.34). Pecado é tudo o que passa ao largo de Deus, e é exatamente isso que nos separa de uma vida satisfeita com ele. O pecado afasta-nos do nosso Criador e nos torna estranhos diante dele.

Essa é a razão de toda falta de sentido, de toda ganância e todo egoísmo, de toda miséria e até da morte.

Alguém descreveu isso mais ou menos assim: no princípio, Deus criou o homem. O homem estava feliz com Deus, mas rompeu relações com ele. Desde então, ele tem um buraco na alma. O homem tenta preencher esse buraco com mil coisas, mas acaba constatando que tudo só piora. Só o próprio Deus pode preencher esse buraco.

Graças a Deus, ele faz isso e não nos descarta. Deus é o início e o fim. Deus é um Deus de começos. Ele sempre recomeça. Sempre volta a dedicar-se a nós. Sempre nos procura, busca contato conosco, busca o ponto de ligação.

A Bíblia nos mostra constantemente o anseio de Deus em habitar com os homens. Assim, por exemplo, ele disse no início da Bíblia ao antigo povo de Israel: “Ali virei aos filhos de Israel, para que, por minha glória, sejam santificados, e consagrarei a tenda do encontro e o altar. Também santificarei Arão e os seus filhos, para que me sirvam como sacerdotes. E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus. E saberão que eu sou o Senhor, seu Deus, que os tirou da terra do Egito, para habitar no meio deles; eu sou o Senhor, o Deus deles” (Êx 29.43-46).

Deus escolheu um povo para si a fim de se encontrar com os homens. Ele queria habitar no meio deles.

Quando lemos na Bíblia a respeito da tenda do encontro que acabamos de mencionar, percebemos que, nesse relato, o próprio Deus onipotente cuidou de tudo para habitar com seu povo. Bastava aos israelitas daquele tempo atender a isso.

O povo deveria ser santificado pela sua glória. Por exemplo, Deus determinou que tudo que tocasse o seu altar seria consagrado a ele (Êx 29.37). Essa é uma ilustração do Natal: todo aquele que entrar em contato com esse Deus que se revela na festa do Natal será santo para ele.

Deus cuida de tudo até o último detalhe: a redenção, a reconciliação, a purificação e a unção daqueles que se aproximam dele (Êx 29; 31.1-11).

É muito significativo o lugar em que, segundo os relatos bíblicos, Deus buscou encontrar-se com os homens: no meio do deserto, onde durante o dia faz muito calor e à noite muito frio. Onde nada frutifica, onde há carência, onde se está sem proteção, à mercê do ambiente... Ali Deus, que o universo inteiro não pode conter, quer se aproximar do homem.

Ao ler esses capítulos, descobri algo maravilhoso. Nas instruções de confecção dos apetrechos sagrados para os cultos (tais como uma mesa ou um altar), Deus ordenou que sempre se aplicasse em torno deles uma beirada ou moldura dourada (Êx 25.11,24-25; 30.3). Isso tem significado simbólico. Essa moldura assegurava que nada caísse caso se deslocasse durante o transporte pelo deserto ou o serviço sacerdotal.

Talvez você esteja agora passando pelo deserto, oprimido interna e externamente. O calor incomoda sua alma. A noite escureceu em torno de você. O frio e a escuridão incomodam. Se, porém, Deus puder habitar em sua vida, cuidará para que jamais você caia da sua graça em sua jornada através do deserto. Repousamos nele e sua graça nos cerca.

“Escutem... vocês que eu carrego desde o ventre materno e que levo nos braços desde o nascimento. Até a velhice de vocês eu serei o mesmo e ainda quando tiverem cabelos brancos eu os carregarei. Eu os fiz e eu os levarei; eu os carregarei e os salvarei” (Is 46.3-4).

O que é o Natal? É o cumprimento do anseio de Deus em habitar entre os homens. Ele mesmo é amor em sua perfeita pessoa, e é isso que o move. A Bíblia descreve o primeiro Natal com as misteriosas palavras: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (Jo 1.14).

Quando era criança, sempre me perguntava como peras inteiras conseguiam entrar nas garrafas de aguardente Williams. Mais tarde, descobri que a garrafa era pendurada numa árvore e se introduzia um ramo nela de modo que o fruto se formasse dentro da garrafa e crescesse dentro dela.

O Natal é a vinda de Deus ao mundo. Em seu Filho Jesus Cristo, ele se tornou homem. Um dos profetas judeus anunciou isso muito tempo antes com as palavras: “Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes brotará um renovo” (Is 11.1).

Natal é isso: Jesus, que estava com Deus, e é Deus, tornou-se homem e habitou entre nós. Ele, que foi habitar no deserto em Israel, quer ter seu lar com todos os homens.

Natal é isso: Jesus, que estava com Deus, e é Deus, tornou-se homem e habitou entre nós. Ele, que foi habitar no deserto em Israel, quer ter seu lar com todos os homens.”

Sim, o pecado é a ruína da humanidade. Com a vinda de Jesus ao mundo, porém, somos informados de que “esta palavra é fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores...” (1Tm 1.15).

Esse é o sentido da vida: o encontro com o Deus que nos busca, transforma tudo e nos proporciona vida plena. Deus preenche o buraco na nossa alma. Ele se empenha plenamente em habitar no homem, conceder-lhe amor e salvação e uma vida que faça sentido.

Certo homem, já falecido, confessou: “Hoje estou há 23 anos livre das drogas e não preciso mais me esforçar por reconhecimento, porque sou amado por Jesus. Essa foi a melhor decisão da minha vida. Deus me confiou uma esposa e dois filhos. Obrigado, Jesus”.

Essa é a expressão de uma vida que faz sentido.

Natal significa que o Deus Todo-poderoso se dedicou a você porque o ama e quer habitar com você. Natal significa que Deus disse sim a você. Aí não importa o quanto você sinta ter valor nem o peso da culpa que você carrega.

Natal significa um ilimitado derramamento do amor de Deus por meio de Jesus a todo o mundo. Por isso o Natal é um plural.

O pastor afro-americano S. M. Lockridge disse certa vez a respeito de Jesus: “Sua vida é incomparável. Sua graça dura eternamente. Seu amor é imutável. Sua palavra é plenamente suficiente. Sua graça basta inteiramente. Seu domínio é justo e seu jugo é suave. Seu fardo é leve. Quisera saber descrevê-lo para vocês”.

Em Jesus, veio a nós o visitante mais importante de toda a história mundial, mas poucos parecem estar em casa para abrir-lhe a porta.

“De que valem todas as velas se o coração permanece na escuridão?”

Muitos cristãos conhecem uma frase cunhada por Angelus Silesius: “E se Cristo tivesse nascido mil vezes em Belém, mas não em ti, permanecerias perdido por toda a eternidade”.

“Em Jesus, veio a nós o visitante mais importante de toda a história mundial, mas poucos parecem estar em casa para abrir-lhe a porta.”

Quem permite a Jesus Cristo entrar em sua vida, subirá de nível: “A estes Deus quis dar a conhecer a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vocês, a esperança da glória” (Cl 1.27).

“Por meio do Espírito Santo, que habita em nós, guarde o bom tesouro que lhe foi confiado” (2Tm 1.14).

Cristo em você significa riqueza da glória no coração, aqui e agora, por meio da sua fé. Cristo em você significa a expectativa da glória futura e vida plena com Deus. Cristo em você significa um tesouro agora oculto em seu coração, a que nada na terra se pode igualar.

Natal na prisão de segurança máxima

Um episódio verdadeiro e comovente descreve o que pode acontecer quando Jesus ingressa em nossa vida:

“‘Olmos’ é a maior prisão de segurança máxima na Argentina – e hoje é o lar da maior igreja prisional do mundo, com quase 2 000 membros! Uma história única de oração, ousadia e amor.

“Os estupros e assassinatos nas alas residenciais dos presos haviam quase fugido do controle. Homicídios não eram nada incomum e os crimes violentos praticamente faziam parte da rotina diária.

“Sacrifícios de animais e rituais ocultos eram práticas diárias. Os internos tornavam-se presas de opressoras ideias satanistas. Alguns narraram ter visto demônios anões subindo e descendo as escadas da prisão. Inúmeras histórias descrevem a presença impositiva do maligno, que dominava completamente o presídio.

“O pastor Juan Zuccarelli foi encarregado de prestar serviço nesse presídio. Naquele tempo, não havia possibilidade de entrar nos presídios para pregar. Um outro cristão sugeriu a Juan que se empregasse como agente prisional para assim ter acesso.

"Deus tem um anseio tão forte por sua criação, seu amor o move tão intensamente que ele faz de tudo para conviver com o homem. Ele o atrai para sua vida."

“‘No primeiro dia de trabalho como agente prisional senti-me muito estranho’, diz Zuccarelli. [...] ‘Perguntei ao treinador se seria permitido falar de religião. Ele perguntou qual era minha confissão e respondi que era cristão e que pertencia a uma igreja evangélica independente. O treinador respondeu: “Ora, ora, quer dizer que você é de uma igreja independente. Detesto esses cristãos. Se você pertence a uma igreja independente, terá problemas comigo”. Ele me disse que naquele lugar ele era o único Deus. A partir de hoje, ele seria a palavra de Deus para mim. [...] E com isso ele me expulsou do seu gabinete.’

“Chegou, porém, um dia em que, por muitas vias e obstáculos, realizou-se um evento evangelístico no presídio.

“Cerca de trezentos presos compareceram, e quase cem deles enunciaram uma oração na qual recebiam Jesus como Senhor e Salvador em sua vida.

“Muitos cristãos não puderam retornar à ala das suas celas por causa da perseguição. Em 1987, essa situação precária induziu os cristãos a solicitar às autoridades uma ala inteira de celas que seria reservada exclusivamente a cristãos que confessassem que Cristo os havia renovado intimamente. O pedido foi atendido. Não demorou para que aquela ala se tonasse a mais atraente de todo o presídio. Aquilo foi um sinal tanto para as autoridades prisionais como para os presos de que havia transformações significativas em curso.

Eis o tabernáculo de Deus com os seres humanos.

“Cada vez mais alas de celas foram confiadas a cristãos. A uma taxa de quase uma nova ala por mês, os cristãos começaram a ‘conquistar’ o presídio para Cristo. Mais tarde, aquele treinador hostil tornou-se diácono e secretário da igreja [...]”.[1]

Na Bíblia, Deus profetiza ao seu povo: “O meu tabernáculo estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Ez 37.27).

Esse evento ainda não ocorreu. Ele se cumprirá quando Deus criar um novo céu e uma nova terra.

“Então ouvi uma voz forte que vinha do trono e dizia: ‘Eis o tabernáculo de Deus com os seres humanos. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles e será o Deus deles’” (Ap 21.3).

Deus, o Senhor, virá para habitar entre todas as nações. O Senhor e Criador não renunciará ao seu anseio até que tudo se cumpra.

Deus tem um anseio tão forte por sua criação, seu amor o move tão intensamente que ele faz de tudo para conviver com o homem. Ele o atrai para sua vida.

Isso é Natal.

Alguém já disse: “O Deus onipotente inclina sua face para a terra, torna-se carne e homem e se torna como um de nós. [...] Isso não é matéria para lendas e contos de fada. É o imensurável amor de Deus pelos homens”.

Ele quer habitar entre nós. Ele se dedica a nós porque somos santos para ele. Ele dá pleno sentido à vida.

A única coisa que precisamos fazer é aceitar esse presente.

Nota

  1. “Erweckung verwandelt Hochsicherheits-Gefängnis”, Livenet, 14 mai. 2004. Disponível em: https://www.livenet.ch/news/international/116080-erweckung_verwandelt_hochsicherheitsgefaengnis.html.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Dezembro 2021

Confira