A Mensagem de Naum

Parte 3 | O veredicto divino para Nínive

A escuna espanhola Amistad zarpou para Cuba em 1839 com uma carga de passageiros levados à força: 53 escravos recentemente raptados da África. Liderados por Joseph Cinqué, os cativos escaparam de suas correntes, mataram o capitão e o cozinheiro, mas pouparam a vida de dois navegadores espanhóis que podiam levá-los para casa. Contudo, os navegadores não levaram os cativos para casa, mas conseguiram enganá-los ao navegar o Amistad em direção ao norte. Como visto no filme indicado ao Oscar (também chamado Amistad), após dois meses no mar, a marinha norte-americana capturou o navio em Long Island, Nova York, e levou-o a New London, em Connecticut. Os amotinados foram presos em New Haven, Connecticut, enquanto o caso era investigado.

A Espanha tentou pressionar o presidente dos Estados Unidos, Martin Van Buren, a extraditar os africanos, a fim de que fossem julgados por assassinato e pirataria. No entanto, os abolicionistas conseguiram que o caso fosse julgado nos Estados Unidos. A acusação argumentou que os amotinados estavam sujeitos às leis que governavam a conduta entre escravos e seus mestres, mas os depoimentos durante o julgamento determinaram que a escravidão era legal em Cuba, mas a importação de escravos da África, não.

O juiz sentenciou que os africanos não eram mercadoria; antes, eram vítimas de sequestro e tinham todo o direito de escaparem de seus captores da forma que fosse possível. Dois anos depois do motim original, a Suprema Corte decidiu que os africanos tinham sido presos ilegalmente e determinou que estavam livres para voltar à sua terra natal. A justiça prevaleceu!

Naum 3 usa uma linguagem passional e vívida para reiterar a justiça do juízo de Deus sobre Nínive. O capítulo final da profecia de Naum se refere poeticamente às razões para o veredicto divino: Nínive era uma “cidade sanguinária”. O pecado era o motivo para o juízo de Deus! A “cidade sanguinária” era integralmente responsável por atrocidades e excessos. Nínive tinha vendido povos inteiros por suas prostituições e feitiçarias (3.4). Naum expressou a consciência indignada da humanidade. A maior maldade de Nínive foi tramar “contra o Senhor” (1.9) e planejar “o mal contra o Senhor” (v. 11).

A justiça de Deus seria poética: “Vou jogar sujeira sobre você, tratá-la com desprezo e transformá-la em espetáculo” (3.6). O que for a feito no privado seria tornado público. A falta de vergonha seria humilhada (v. 5). O veredicto divino pode parecer excessivo, mas a hipérbole reflete o quão hediondos eram os pecados de Nínive.

Frequentemente, justiça é colher o que se plantou. A Assíria semeou “ventos” e por isso colheu “tempestades” (Os 8.7). Deus é certamente gracioso e misericordioso (cf. Na 1.3,7). Ele pode dar a certeza de que “Os que com lágrimas semeiam com júbilo ceifarão” (Sl 126.5). “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo 3.16-17).

De Deus não se zomba (3.1-7)

“Ai” é uma tradução da interjeição hebraica hoy, que aparece 52 vezes em 48 versículos no Antigo Testamento. Cinquenta usos de hoy ocorrem em livros proféticos. Um uso diz respeito ao casamento de Rute (Rt 4.1), e outro denota lamentação (1Rs 13.30; Is 17.12). Hoy foi usada duas vezes para admoestar (Is 18.1; 55.1). A maior parte dos usos de hoy (como em Na 3.1) envolve alertas negativos ou anúncios ameaçadores de juízo divino.

O orgulho contra Deus é tipicamente manifesto em crueldade para com outras pessoas.

Deus agiu em julgamento contra Nínive pelo pecado dos assírios contra ele e contra a humanidade. O orgulho era o seu pecado fundamental contra Deus (cf. Is 36; Na 1.11). Nínive era de fato uma “cidade sanguinária” (Na 3.1), e tal crueldade e opressão para com outras pessoas (v. 1-4) também era o motivo por que Deus estava irado e por que ele agiu em juízo. O orgulho contra Deus é tipicamente manifesto em crueldade para com outras pessoas. Por essa razão, Jesus ensinou que os dois maiores mandamentos são amar a Deus acima de todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo (Mt 22.37-39). Deus age em juízo para punir a arrogância e proteger as pessoas.

O Senhor dos Exércitos (lit. Javé onipotente) declarou mais uma vez que estava “contra” Nínive (Na 2.13; 3.5). Nínive foi descrita como uma prostituta sedutora que escravizava as nações (3.4), e agora sua própria “nudez” seria exposta àqueles que tinham sido vítimas de sua opressão. Nínive seria completamente desgraçada, e a miséria da cidade ficaria evidente diante das nações.

Os assírios trataram os povos de outras nações com desprezo, e agora o Senhor faria o mesmo a eles (v. 6). A derrota de uma nação era uma humilhação terrível tanto nos tempos antigos quanto modernos. Enquanto que todos que vissem Nínive hesitariam e comentariam a respeito de sua condição devastada, ninguém lamentaria ou ficaria de luto por ela (v. 7); antes, as pessoas iriam se regozijar pelo fato de que as crueldades de Nínive contra eles tinham chegado ao fim (v. 19).

Deus é justificado (3.8-19)

Nínive era similar à outrora grande cidade de Tebas (ou No Amon), a magnífica capital do Alto Egito (sul), cuja queda fora predita pelos profetas Jeremias e Ezequiel (Jr 46.25; Ez 30.14-16). Os assírios conquistaram Tebas em 661 a.C., e a profecia de Naum é datada de 650 a.C. Portanto, pouco mais de uma década tinha se passado desde que fora destruída aquela que se pensava ser uma cidade invencível. Nínive foi tola em acreditar que não teria um destino semelhante (Na 3.8).

Um contraste digno de nota entre Tebas e Nínive é que Tebas tinha diversos aliados (v. 9). Ela governava sobre a “Etiópia” (Cuxe), ao passo que esta controlava o Baixo “Egito” na época da destruição de Tebas. “Pute” ficava ao sul do Egito, e a “Líbia” ficava a oeste. Tebas estava cercada de aliados por muitos quilômetros; contudo, sua segurança não foi garantida, pois ela “foi levada ao exílio” e “para o cativeiro” (v. 10).

Tebas tinha tudo a seu favor, mas, mesmo assim, em 661 a.C., a cidade caiu diante das forças do rei assírio Assurbanipal. Os soldados assírios não tiveram misericórdia e mataram crianças “nas esquinas de todas as ruas”. Sortes foram lançadas pelos “nobres” de Tebas, que foram vendidos como escravos, “presos com correntes” e enviados para o exílio (v. 10). A ira de Deus é inseparável do seu amor, e é por isso que Nínive precisa ser destruída por seu orgulho e crueldade.

Se a poderosa Tebas já tinha caído de forma tão dramática, não restava nenhuma esperança para Nínive. Naum concluiu que Nínive perderia todo o seu autocontrole, como uma pessoa “embriagada”, e, portanto, seria incapaz de se defender. Muitas pessoas se esconderam dos assírios; no entanto, quando Nínive caiu, o povo se escondeu “procura[ndo] um refúgio contra o inimigo” (v. 11). Nínive desapareceu da história!

“O desaparecimento do povo assírio sempre permanecerá um fenômeno único e marcante na história antiga. Outros reinos e impérios semelhantes de fato acabaram, mas o povo continuou. É verdade que descobertas recentes mostraram que, por muitos séculos, comunidades pobres perpetuaram os antigos nomes assírios em vários lugares – como o local das ruínas de Assur, por exemplo ­–, mas a verdade essencial permanece a mesma. Uma nação que existira por dois mil anos e governava uma vasta área perdeu seu caráter independente.”[1]

Assim como “figos prematuros” caem facilmente da árvore quando esta é sacudida, assim também as fortalezas de Nínive cairiam (v. 12). Os inimigos de Nínive capturariam a cidade com facilidade quando as defesas se enfraquecessem (v. 13), e elas nem teriam alguma utilidade, já que o ataque advinha do julgamento de Deus (v. 14-15a). A ruína da cidade seria como uma invasão ou infestação de “gafanhotos” (v. 15b-16). Os “chefes” da Assíria se assemelhavam a gafanhotos que desaparecem quando o sol surge (v. 17).

A profecia de Naum conclui com um poema satírico, que descreve os líderes da cidade como estando adormecidos (v. 18). Sem uma liderança, o “povo está espalhado” e a nação sofre com uma ferida incurável (v. 19a). Aqueles que sofreram com a tirania de Nínive iriam se regozijar com a sua queda (v. 19b). Deus humilhará qualquer povo ou nação que se engana ao pensar que o pecado não será punido. Destruição e tristeza são pronunciadas para aqueles que se opõe ao Senhor e ao seu povo, a quem ele ama e que recebe grande conforto e esperança na garantia de que seu Deus os libertará, removendo o seu opressor.

“Como um Juiz justo, o Senhor não pode deixar que o pecado fique impune; e, como um Deus amoroso, o Senhor defenderá seu povo de indivíduos e nações que procuram causar-lhe dano.”

As doutrinas do amor de Deus e de sua ira não são incompatíveis. Deus deve punir o mal, pois ele é santo e amoroso. Ele é misericordioso e disposto a perdoar aqueles que se voltam para ele em fé e arrependimento, assim como, anos antes, Deus poupara aqueles em Nínive que deram atenção à mensagem de Jonas. Como um Juiz justo, o Senhor não pode deixar que o pecado fique impune; e, como um Deus amoroso, o Senhor defenderá seu povo de indivíduos e nações que procuram causar-lhe dano (o que, é claro, envolve juízo).

A profecia de Naum conclui com o povo sendo “espalhado pelos montes, e não há quem possa ajuntá-lo”. Isso é um lembrete da descrição que Jesus fez de pessoas oprimidas na sua época, que “estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9.36). Embora o profeta Naum não tenha profetizado a vinda do Messias, ele certamente prova a necessidade dele. Louvado seja o Senhor pelo tempo de alegria no futuro, quando o Messias (Cristo) aparecerá e livrará a terra de toda opressão e pecado!

Nota

  1. J. B. Bury, S. A. Cook e F. E. Adcock, eds., The Cambridge Ancient History, 12 vol. (Nova York: Macmillan, 1925) 3:130.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Novembro 2021

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