O sepultamento no judaísmo (parte 1)

Usos, costumes e tradições no judaísmo

Ao longo dos séculos e milênios, o judaísmo produziu numerosos usos, costumes e tradições que parecem estranhos a quem não é daquele meio. Muitas vezes trata-se de exterioridades que os distinguem de outras pessoas. É claro que o observador se perguntará de onde provém tudo isso. Teriam algum fundamento bíblico ou trata-se apenas de tradições judaicas acrescentadas no decorrer do tempo?

A maneira pela qual os judeus sepultam os seus mortos tem uma longa e antiga história prévia que pode ser acompanhada na Bíblia até o surgimento do povo israelita.

O sepulcro dos patriarcas em Hebrom 

Quando Sara, a matriarca do povo de Israel, faleceu, Abraão comprou uma caverna em Macpela do hitita Efrom para ali sepultá-la. Depois essa caverna se tornou o sepulcro da família, onde posteriormente também Abraão e outros descendentes foram sepultados (Gn 23). Com a compra de uma sepultura Abraão certamente agiu de acordo com as tradições observadas naquela época. Vale ressaltar que, ao fazê-lo, Abraão não agiu obedecendo a uma ordem recebida de Deus. Deus é um Deus de vivos e não de corpos mortos (Mt 22.32).

Quando, então, Abraão faleceu e também foi sepultado no local, lemos: “[Abraão] Morreu em boa velhice, em idade bem avançada, e foi reunido aos seus antepassados. Seus filhos, Isaque e Ismael, o sepultaram na caverna de Macpela, perto de Manre, no campo de Efrom, filho de Zoar, o hitita” (Gn 25.8-9).

Pela primeira vez aparece aqui a afirmação “e foi reunido a seus antepassados”.

Os arqueólogos e guias turísticos israelenses gostam de afirmar que isso indica o sepulcro da família. No entanto, quando Abraão morreu e foi sepultado, nenhum dos seus antepassados estava ali no túmulo ao lado de Sara. Assim, essa afirmação bíblica deve se referir a algo diferente e que ultrapasse a sepultura – uma reunião de almas.

Cemitério judaico no monte das Oliveiras, o mais antigo e importante de Jerusalém, datado de 1000 a.CCemitério judaico no monte das Oliveiras, o mais antigo e importante de Jerusalém, datado de 1000 a.C

Isso transparece mais claramente na passagem de Deuteronômio 32.50, em que se fala sobre a morte de Moisés e de Arão: “Ali, na montanha que você tiver subido, você morrerá e será reunido aos seus antepassados, assim como o seu irmão Arão morreu no monte Hor e foi reunido aos seus antepassados”.

Ali no deserto, num monte isolado, não havia sepulcro familiar no qual pudessem ser reunidos. Além disso, em Deuteronômio 34.6 lemos que Deus sepultou Moisés e “ninguém sabe onde está localizado seu túmulo”. Isso mostra claramente que a Bíblia fala de uma reunião de almas e não de um ajuntamento de corpos mortos em algum túmulo familiar.

Israel no Egito

Quando o ancestral Jacó se mudou para o Egito com toda a sua família, eles foram muito homenageados pelo faraó, pois José havia assumido ali um alto posto e grande honra. Antes que Jacó falecesse, ele deu a seguinte ordem, conforme Gênesis 49.29: “A seguir, Jacó deu-lhes estas instruções: ‘Estou para ser reunido aos meus antepassados. Sepultem-me junto aos meus pais na caverna do campo de Efrom, o hitita’”.

Observe a sequência do que Jacó diz: (1) ser reunido e (2) ser sepultado. Isso novamente é um forte indício de que “ser reunido” não significa ser sepultado.

Em Gênesis 50.2, lemos: “Em seguida, [José] deu ordens aos médicos, que estavam ao seu serviço, que embalsamassem seu pai Israel. E eles o embalsamaram”.

No mesmo capítulo há o relato de como José, juntamente com os egípcios, organizou um impressionante cerimonial, seguido do cortejo fúnebre até a terra de Canaã para então sepultar Jacó na caverna de Macpela. Algo semelhante aconteceu com o próprio José: “Morreu José com a idade de cento e dez anos. E, depois de embalsamado, foi colocado num sarcófago no Egito” (Gn 50.26).

É interessante observar que, no caso de José, não foi organizado um grande cerimonial nem cortejo fúnebre para a terra de Canaã. Parece que, diante de sua própria morte, o poder e a influência de José não eram mais os mesmos daqueles por ocasião do falecimento de seu pai. No entanto, antes de morrer, José deu ordens para levarem o seu corpo junto quando Israel saísse do Egito. Com isso José previu profeticamente que Israel sairia do Egito novamente.

Em tudo isso deveríamos observar que os sepultamentos de Jacó e de José na Terra Prometida não aconteceram por ordem de Deus, mas com base nas tradições da época – algo semelhante como o caso dos faraós que eram sepultados no Vale dos Reis.

“Através dos séculos os judeus sempre deram muita importância para o sepultamento na Terra Prometida. É possível ver isso em sepulcros da época do Talmude (i.e., 300-600 d.C.): existem sepulcros de judeus cujos corpos foram transportados centenas de quilômetros – por exemplo desde a Babilônia – para serem sepultados na Terra Santa.”

Toda essa história nos mostra a forte influência que as concepções egípcias quanto a sepultamento e vida após a morte tinham sobre o pensamento judaico. É o caso do costume de embalsamar e a importância de conservar o corpo do falecido, ou ao menos dos ossos, sobre o qual ainda veremos algo mais adiante.

Cemitério judaico no monte das Oliveiras, o mais antigo e importante de Jerusalém, datado de 1000 a.CCemitério judaico no monte das Oliveiras, o mais antigo e importante de Jerusalém, datado de 1000 a.C

Além disso, a história dos sepultamentos de Jacó e José na terra de Canaã nos mostra o grande significado que seus sepultamentos na Terra Prometida tiveram para o povo judeu, apesar de os outros milhares ou até milhões de israelitas, que também morreram no Egito, não terem esse privilégio. Os sepultamentos de Jacó e de José têm fortes consequências para o judaísmo até hoje. Isso vale principalmente para soldados que morreram em terras inimigas. O Estado de Israel faz todo o possível para trazer os restos mortais deles de volta, a fim de sepultá-los em Israel. Às vezes isso dá a impressão de haver alguma crença envolvida com referência à vida após a morte.

Túmulo de Sara na caverna de Macpela (Hebrom)Túmulo de Sara na caverna de Macpela (Hebrom)

Na verdade, através dos séculos os judeus sempre deram muita importância para o sepultamento na Terra Prometida. É possível ver isso em sepulcros da época do Talmude (i.e., 300-600 d.C.): existem sepulcros de judeus cujos corpos foram transportados centenas de quilômetros – por exemplo desde a Babilônia – para serem sepultados na Terra Santa. Desde a Idade Média até os tempos modernos, houve judeus que voltaram a morar em Jerusalém ao fim de sua vida para que fossem sepultados na Terra Santa. Atualmente os restos mortais são trazidos com aviões para Israel.

Isso esclarece por que a expressão “reunido aos seus antepassados” é errôneamente considerada como reunir em um sepulcro, ou ao menos no solo da Terra Santa. De acordo com a opinião de muitos judeus, isso é algo importante para a vida após a morte, ou seja, para o mundo vindouro (hebraico, Olam Ha-Bah)!

No entanto, a questão decisiva é: para onde nossa alma será reunida após a morte? A preocupação mais importante de todo o nosso ser e nosso viver deve ser que nossa alma seja levada para o lar do Pai celestial!

Fredi Winkler é guia turístico em Israel e dirige, junto com a esposa, o Hotel Beth-Shalom, em Haifa, que é vinculado à missão da Chamada.

sumário Revista Chamada Agosto 2021

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