O vale do Jordão à luz da anexação

O tema não é novo. Antes mesmo da fundação do Estado de Israel, sionistas revisionistas falavam de um Israel em ambas as margens do Jordão. Depois de 1967, novamente discutiu-se a ideia de uma anexação. Agora, porém, a questão começa a se mover.

Depois que Naftali Bennett voltou a conquistar um mandato de deputado, na segunda eleição ao Knesset em setembro de 2019 (em abril de 2019 não havia chegado lá), ele foi nomeado dois meses depois ministro da Defesa do governo de transição de Netanyahu. Sem demora, colocou em pauta um tema que o próprio Netanyahu havia catapultado para a ordem do dia ainda antes do segundo turno das eleições: a anexação dos assentamentos israelenses do vale do Jordão. Era uma novidade da realpolitik: até então, Netanyahu evitara falar de tais planos. Na votação do comitê central do seu partido, o Likud, a respeito de uma “soberania sobre a Judeia e a Samaria” no final de 2017, ele nem sequer esteve presente pessoalmente. Dessa forma ele manteve um escape para si – se isso não repercutisse bem entre os eleitores, ao menos ele não havia tomado parte.

Após a primeira sessão de um comitê interdepartamental, Bennett, um político com cosmovisão nacional-religiosa, visitou os assentamentos israelenses no vale do Jordão e anunciou: “Como ministro da Defesa, assumo uma clara posição a respeito da expansão de assentamentos na Judeia e na Samaria do modo mais rápido e eficiente possível”. Ele estava acompanhado de outros integrantes do comitê de soberania, composto de representantes do Ministério do Exterior, das forças de defesa israelenses, da administração civil e do Conselho Nacional de Segurança, a fim de examinar o requerimento de Netanyahu sobre a anexação dos assentamentos no vale do Jordão. Ainda que um governo de transição não possa decidir a respeito de tal requerimento, Netanyahu já anunciou que essa anexação seria o primeiro ato oficial do seu novo governo na primavera de 2020. Fica, no entanto, a aguardar se desta vez Netanyahu conseguirá compor um governo. Outra questão totalmente diferente é se ele realmente permanecerá como premiê.

No início de 2020, ninguém em Israel se espantou que Bennett pretendesse usar sua posição de ministro da Defesa para criar fatos com a finalidade de atingir seu verdadeiro objetivo: a anexação de toda a Zona C, negociada com os palestinos no âmbito dos Acordos de Oslo. Ela se encontra sob o controle de Israel em termos militares e de direito civil, e engloba 60% da Cisjordânia. Sua companheira de luta, Ayelet Shaked, já havia atuado nesta direção durante o seu mandato de ministra da Justiça.

Ao mesmo tempo, Netanyahu havia anunciado seus planos de anexação e exercido pressão sobre o seu governo de transição para dar a bênção à criação de um novo assentamento no local. Dessa forma, a frente de assentamento Mevo’ot Yeriho tornou-se, em regime de urgência, um assentamento israelense, com Netanyahu destacando o aspecto militar daquela região: “Aquele é o flanco oriental de Israel, seu muro de defesa nessa direção”, acrescentando que uma anexação dos assentamentos israelenses no vale do Jordão garantiria ao mesmo tempo que “Israel fosse um país com apenas alguns quilômetros de profundidade, mas um país com profundidade e também altura estratégicas”. Na reunião ministerial antes das eleições de setembro do ano passado, Netanyahu agitou o ambiente com a declaração de que – segundo lhe teria confirmado o embaixador americano David Friedman – haveria sinais de que os EUA apresentariam seu plano de pacificação imediatamente após as eleições. Mesmo antes disso, um pronunciamento dos EUA havia desencadeado um pequeno terremoto. Justamente no momento em que os europeus reforçaram sua decisão de identificar produtos provenientes de assentamentos israelenses, o Secretário de Estado americano, Mike Pompeo, disse que “o estabelecimento de assentamentos civis israelenses não contradiz em si o Direito Internacional”. Ao mesmo tempo, Pompeo enfatizou que dessa forma os EUA não estariam interferindo nas negociações da coalizão, “porque hoje apenas anunciamos um reconhecimento da realidade local”.

Naftali Bennett: “Como ministro da Defesa, assumo uma clara posição a respeito da expansão de assentamentos na Judeia e na Samaria do modo mais rápido e eficiente possível”.

Para os palestinos é fato estabelecido que os assentamentos são o verdadeiro empecilho na trajetória para a paz. Embora o tema dos assentamentos seja controverso em Israel, muitos acreditam que os assentamentos são irrelevantes com relação à paz e que uma retirada dos colonos da Cisjordânia poderia ameaçar a própria existência de Israel. A maioria dos assentamentos israelenses no vale do Jordão, desde a extremidade norte do mar Morto até cerca de 15 quilômetros ao sul de Bete-Seã, foi fundada a partir de 1968 e, majoritariamente, na década de 1970 – por razões estratégicas na maioria dos casos relativamente próximos da fronteira jordaniana e ao longo da rodovia nº 90. Depois de 1996, ou seja, alguns anos após os Acordos de Oslo, o ganhador do Nobel da Paz Shimon Peres, posteriormente presidente do Estado de Israel, defendeu o ponto de vista de que “deveríamos passar a tratar o Jordão como fronteira militar, porque isso implicaria que nenhum exército estrangeiro poderia transpô-lo e ameaçar Israel...”.

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Maio 2020

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