O Pesach e a ceia do sêder
Ao longo dos séculos e milênios, o judaísmo produziu numerosos usos, costumes e tradições que parecem estranhos a quem não é daquele meio. Muitas vezes trata-se de exterioridades que os distinguem de outras pessoas. É claro que o observador se perguntará de onde provém tudo isso. Teriam algum fundamento bíblico ou trata-se apenas de tradições judaicas acrescentadas no decorrer do tempo?
A festa da Páscoa (hebraico, Pesach) é a primeira e mais importante festa do calendário bíblico, que os israelitas deveriam celebrar em memória da libertação e da saída do Egito. Segundo a instrução de Deus, ela começa ao anoitecer do 14º dia do primeiro mês, conforme descreve Êxodo 12–13: “Este dia será um memorial que vocês e todos os seus descendentes celebrarão como festa ao Senhor. Celebrem-no como decreto perpétuo” (Êx 12.14).
A palavra hebraica para “ordem” é seder, de onde vem o nome de ceia do sêder ou de noite do sêder. Naquela ocasião no Egito, os israelitas tiveram de abater um cordeiro e passar o seu sangue nos batentes da porta de entrada de suas casas. Com isso, ficavam protegidos contra a morte dos primogênitos.
A tradicional ceia do Sêder incluía um cordeiro cujo sangue tinha de ser levado ao altar dos holocaustos. Como não existe mais templo e, com isso, também não há um altar, a Páscoa é celebrada sem cordeiro.
Portanto, tratava-se de uma festa memorial a fim de que o povo não esquecesse os grandes feitos de Deus no Egito. Ela durava sete dias, durante os quais deveria ser comido pão sem fermento, tal como por ocasião do Êxodo.
Assim, Êxodo 13.9 diz o seguinte sobre essa festa: “Isto lhe será como sinal em sua mão e memorial em sua testa, para que a lei do Senhor esteja em seus lábios, porque o Senhor o tirou do Egito com mão poderosa”.
As instruções de Deus na Páscoa tornaram-se uma aula expositiva, como um lembrete diante dos olhos. O objetivo era a observância prática, a execução viva daquilo que Deus determinou.
O versículo 16 repete essa instrução. A observação das instruções para a Páscoa deveria ser para os israelitas como um sinal na mão, mesmo porque a Páscoa seria preparada com as mãos. Com isso, a Páscoa também se tornou uma aula expositiva, como um lembrete diante dos olhos. A propósito, essa instrução nos permite entender que aquilo que os judeus fazem com os cordões de oração (os chamados tefilins), usados para amarrar à testa e ao braço duas cápsulas contendo versículos bíblicos, não é aquilo que Deus pretendia. Trata-se da observância prática, a execução viva daquilo que Deus determinou.
Jesus e a ceia do sêder com seus discípulos
Keará, prato comumente servido na ceia do sêder, contendo seis itens que simbolizam a história do êxodo do Egito.
Todas as sete festas do Senhor na antiga aliança também têm algum significado profético. A Páscoa cumpriu-se em Jesus. Ele se tornou o cordeiro pascal perfeito. Assim como o sangue de um cordeiro salvou os israelitas da morte no Egito, o sangue derramado do Senhor se tornou sinal de salvação para todos os que nele creem, agora não mais da morte física, mas da morte eterna devida ao pecado e à separação de Deus.
Naquela última semana, com a crucificação e a morte do seu Senhor, os discípulos de Jesus não foram capazes de entender o profundo significado de tudo aquilo. Só mais tarde, depois de Jesus ressuscitar dos mortos, é que eles conseguiram entender.
Na última Páscoa com seus discípulos, Jesus disse: “Desejei ansiosamente comer esta Páscoa com vocês antes de sofrer” (Lc 22.15).
A ceia da Páscoa transcorria segundo uma tradição desenvolvida ao longo do tempo, que os Evangelhos não descrevem em detalhe. No entanto, o que aconteceu ao término da ceia permite-nos entender que Jesus realizou a ceia segundo aquela tradição.
A instituição da Ceia do Senhor
Segundo a tradição, bebem-se durante a ceia do sêder quatro taças de vinho compartilhadas, para que todos bebam delas. A tradição atribui aos quatro cálices um significado fundamentado no texto bíblico. Eles simbolizam quatro atos divinos de salvação durante o êxodo do Egito, conforme são expostos em Êxodo 6.6-7a:
“Por isso, diga aos israelitas: Eu sou o Senhor. [1] Eu os livrarei do trabalho imposto pelos egípcios. [2] Eu os libertarei da escravidão e [3] os resgatarei com braço forte e com poderosos atos de juízo. [4] Eu os farei meu povo e serei o Deus de vocês”.
As quatro taças de vinho na ceia do sêder representam os quatro atos salvadores de Deus. Todavia, há ainda um quinto cálice, baseado no versículo 8, que diz: “E os farei entrar na terra...”.
Segundo a tradição, o cálice que representa esse quinto ato redentor de Deus não é bebido, apesar de estar sobre a mesa. Ele é chamado de cálice do profeta Elias. Essa tradição baseia-se em Malaquias 4.5, onde está escrito: “Vejam, eu enviarei a vocês o profeta Elias antes do grande e temível dia do Senhor”.
Ao que parece, a fé judaica entende que esse último ato redentor de Deus só se cumprirá quando vier o Messias, cujo arauto será o profeta Elias. No entanto, hoje há quem beba também o quinto cálice, porque dizem: “Afinal, hoje estamos na terra”.
Jesus toma o quinto cálice
Quando Jesus, na última ceia do sêder com seus discípulos, tomou o cálice depois da ceia (cf. 1Co 11.25), logicamente se tratou do quinto cálice, ainda cheio, que representa a entrada na terra. Há um profundo simbolismo por trás disso. Foi só com o ato redentor do Senhor Jesus que o caminho para a “terra prometida eterna” se abriu.
O autor da carta aos Hebreus reporta-se a esse tema no capítulo 3 e escreve no versículo 19 a respeito da geração de israelitas que não creram em Deus e que por isso tiveram de peregrinar por 40 anos pelo deserto, até morrerem: “Vemos, assim, que por causa da incredulidade não puderam entrar”.
Contudo, também a respeito daqueles que depois entraram na terra sob Josué, Hebreus 4.8 diz: “Porque, se Josué lhes tivesse dado descanso, Deus não teria falado posteriormente a respeito de outro dia”. Hebreus 4.3 já diz: “Pois nós, os que cremos, é que entramos naquele descanso...”, e o versículo 9 prossegue dizendo: “Assim, ainda resta um descanso sabático para o povo de Deus”.
O verdadeiro e eterno descanso só pode ser encontrado na fé na salvação que Jesus, o Messias, consumou.
Nos versículos seguintes, o autor explica o que ele quer dizer com isso: o verdadeiro descanso só é possível por meio da fé no Filho de Deus, que tomou o quinto cálice e introduziu a nova aliança em seu sangue.
O verdadeiro e eterno descanso só pode ser encontrado na fé na salvação que Jesus, o Messias, consumou.
O fato de que os judeus não tomam o quinto cálice é um testemunho tácito de que entenderam que ainda não atingiram o verdadeiro descanso.