A Mensagem de Jonas

Parte 1 - Caminhar para longe de Deus

“A lebre e a tartaruga” é uma das fábulas de Esopo. A história é sobre uma lebre que zombava de uma tartaruga por sua lentidão. Exasperada com a arrogância da lebre, a tartaruga a desafiou para uma corrida. No dia marcado, a lebre imediatamente correu à frente da tartaruga, antes mesmo desta ter terminado de atravessar a linha de largada.

Confiante de sua vitória, a lebre parou na metade da corrida para tirar uma soneca. Ao acordar, ela percebeu que a tartaruga continuava a correr, devagar e sempre, e estava se aproximando da linha de chegada. Embora tenha corrido o mais rápido que podia, a lebre não conseguiu vencer a lenta e constante tartaruga.

A fábula de Esopo é tão conhecida que pode ser difícil não divagar quando a ouvimos ser repetida. Algumas narrativas bíblicas podem produzir a mesma reação. Certos relatos bíblicos, assim como a fábula de Esopo, já foram ouvidos tantas vezes que as pessoas automaticamente pressupõem que não há necessidade de prestarem muita atenção a eles. Você poderia explicar por que a Bíblia deveria incluir uma história sobre um homem sendo engolido por um grande peixe? Alguns relatos no Antigo Testamento se tornaram tão familiares que quase perderam o seu significado.

A ênfase de Jonas é a aplicação da graça de Deus.

O relato de Jonas e o grande peixe foi incluído na Bíblia para chamar a atenção do leitor. Infelizmente, é fácil lembrar a história e esquecer a mensagem. Na verdade, a ênfase de Jonas é a aplicação da graça de Deus. O livro revela Deus como o campeão da história, e não o profeta, o que é evidente no fato de que o Senhor é mencionado 38 vezes (em comparação com o peixe, mencionado quatro vezes; a cidade de Nínive, mencionada nove vezes; e Jonas, 18 vezes).

Antes de considerarmos o livro em si, é necessário termos algum pano de fundo histórico. Jonas era um profeta de Deus no reino do norte de Israel durante o reinado do rei Jeroboão II (793-753 a.C.; 2Rs 14.23-25); portanto, sua mensagem é datada de 780 a.C. O texto de 2Reis 14.25 se refere a como Deus “restabeleceu as fronteiras de Israel desde Lebo-Hamate até o mar da Arabá, conforme a palavra do Senhor, Deus de Israel, anunciada pelo seu servo Jonas, filho de Amitai, profeta de Gate-Héfer”. Jonas profetizou que Israel expandiria suas fronteiras. Quando isso ocorreu, houve um grande entusiasmo e expectativa de que Deus faria de Israel a nação mais proeminente do mundo conhecido, e que ele receberia a sua herança prometida. Israel também provava os benefícios de uma prosperidade econômica desconhecida desde os tempos do rei Salomão. Jonas era um herói nacional, e Deus usava-o para dar a Israel tudo o que o povo desejava.

O único problema era uma nação do outro lado do deserto – a Assíria. Antigamente uma das maiores potências mundiais sob o governo de Tiglate-Pileser III (745-727 a.C.), durante aquele tempo a Assíria tinha sido tão forte e abastada quanto Israel tinha agora se tornado. Embora fosse uma nação em declínio, a Assíria podia ser considerada rival de Israel. Se ela recobrasse sua antiga soberania, o resultado provável seria a guerra (o que eventualmente aconteceu durante o governo de Salmanaser III [860-825 a.C.]). Durante a época de Jonas, Nínive (para onde Deus enviou o profeta) era uma cidade muito importante do ressurgente Império Assírio.

Deus instrui (Jn 1.1-3)

O livro de Jonas começa com a comissão do profeta de Deus e a sua rebeldia contra a vontade do Senhor (v. 1-3). A expressão “A palavra do Senhor veio a...” ocorre mais de cem vezes no Antigo Testamento. O meio pelo qual Jonas recebeu a mensagem do Senhor não é revelado, mas fica evidente que as ações divinas são o aspecto mais importante.

Deus não estava impressionado pelo poderio militar ou pelas realizações culturais de Nínive. Jonas foi encarregado de “preg[ar] contra” Nínive, o que significava informar seus habitantes de que Deus conhecia a “sua maldade” (v. 2). Talvez o profeta inicialmente tenha se lembrado da resposta de Deus aos grandes pecados no passado (cf. Gn 6.5-7; 18.20-21; 19.24-25; Êx 23.23-24; 1Sm 15.18). Jonas pode ter acreditado que a capital do Império Assírio – cuja história nacional era um registro terrível de morte e tortura – finalmente receberia o julgamento de Deus. Cidades sempre foram locais de concentração do pecado. Não que a urbanização seja necessariamente má; antes, como tendem a ter uma maior densidade populacional, isso permite uma maior gama de oportunidades pecaminosas. Como é evidente em sua misericórdia para com Nínive, o Senhor ainda está ativamente preocupado com as cidades do tempo presente.

Deus é santo, o que significa que ele deve responder à maldade. Talvez Jonas tenha fugido “da presença do Senhor” ao pensar no infortúnio que se abateria sobre a cidade. Ele provavelmente pensava que Nínive não merecia ser avisada do juízo iminente, e que Deus deveria começar a destruir os ninivitas. Quaisquer que fossem seus pensamentos, o profeta de Deus ouviu a palavra do Senhor claramente e fugiu (v. 3). Fugir de Deus foi o meio de Jonas provar que ele não queria obedecer.

Deus persegue (Jn 1.4-9)

Jonas foi chamado por Deus para ir para o leste, então ele decidiu ir ao oeste, a algum destino remoto na direção oposta de Nínive. O profeta estava desafiando Deus abertamente. Surpreendentemente, no processo, outros descobriram que também podiam se beneficiar da graça divina (v. 5-9). Jonas repudiou desafiadoramente o chamado de Deus, o que resultou em Deus fazendo “soprar um forte vento sobre o mar” (v. 4). A história revela que muitos servos de Deus pensaram que podiam ignorar o Senhor e escapar das consequências de suas ações indo de um lugar para outro. A Escritura refuta essa possibilidade (cf. Sl 139.7-10).

As circunstâncias podem aparentar estar a favor de alguém, e ele ou ela podem ter uma falsa sensação de segurança em sua rebelião contra Deus.

A atitude de Jonas em relação às suas circunstâncias estava incorreta; ele pensou que elas estavam a seu favor, quando na verdade estavam opostas a ele. Ele fugiu para Jope e “encontrou um navio”. Ele até tinha dinheiro suficiente para pagar a passagem, e pôde descer ao porão, deitar-se e dormir (v. 3,5). Talvez ele tenha concluído que suas circunstâncias eram um sinal da bênção de Deus. Não se pode simplesmente considerar experiências boas como sendo a vontade de Deus, e as ruins como contrárias aos desejos do Senhor. As circunstâncias podem aparentar estar a favor de alguém, e ele ou ela podem ter uma falsa sensação de segurança em sua rebelião contra Deus. No entanto, esteja alerta: do Senhor não se zomba, e certamente as coisas começarão a dar muito errado (cf. Gl 6.7).

O que é pior é a atitude de Jonas em relação às pessoas que não conheciam a Deus como Senhor e Salvador. Ao invés de querer ajudá-las a conhecer o Deus vivo e verdadeiro, o profeta estava contente em abandoná-las à escuridão e morte espiritual. Jonas não apenas odiava os pecados dos assírios, mas também detestava os pecadores que os haviam cometido. Ele pensava que seria melhor que Nínive fosse destruída do que imaginar sua sobrevivência e a possibilidade de que pudesse eventualmente atacar Israel. Quão frequentemente manifestamos ódio em relação aos pecadores (especialmente na esfera política), que precisam desesperadamente da mensagem divina de graça, vida e verdade?

Deus disciplina (Jn 1.10-17)

Após a confissão de Jonas, de que ele estava tentando fugir do “Senhor, o Deus dos céus, que fez o mar e a terra” (v. 9), os marinheiros queriam saber como acalmar o mar. Ao invés de trazer destruição como resultado de sua desobediência ao Senhor, Jonas deveria ser o meio de Deus para a salvação. Um dos problemas da rebelião é que ela afeta pessoas inocentes.

Os marinheiros se entregaram à soberania de Deus ao ouvir o conselho de Jonas para acalmar o mar (v. 11-15). Eles ofereceram sacrifícios, revelando sua admiração pelo que Deus tinha feito, e “se comprometeram por meio de votos”, talvez como uma indicação de sua fé genuína no Senhor (v. 16). A intervenção divina era a única esperança do profeta, e Deus demonstrou sua soberania ao fazer com que “um grande peixe engolisse Jonas” (v. 17).

Deus tornou possível que Jonas vivesse “três dias e três noites” dentro de um peixe. Ele não morreu na barriga do animal! Teólogos liberais negam que Jonas pudesse sobreviver no estômago de um peixe e, portanto, consideram a constituição histórica do livro como uma alegoria elaborada. O nome Jonas (que significa “pomba”) e a história da planta (4.6) são considerados exemplos desse simbolismo. A estada de Jonas no peixe é entendida como um símbolo de sua caminhada de “três dias” em Nínive (3.3). A ordem de Deus ao peixe, para que vomitasse Jonas “em terra firme” (2.10), simboliza deixar a cidade arrependida, já que não pertencia àquele lugar.

O problema com esse tipo de pensamento é que, sempre que uma alegoria ou parábola aparece na Bíblia, ela é declarada como simbólica ou evidenciada como tal pelo contexto. No entanto, o livro de Jonas é escrito como um livro histórico. Jonas é mencionado como um personagem histórico em 2Reis 14.25. Nenhum dos antigos judeus ou cristãos primitivos duvidavam da precisão histórica do livro de Jonas. E o que é mais importante, o próprio Senhor Jesus confirmou a historicidade do livro. Ele disse que o povo de Nínive se arrependeu de seus pecados “com a pregação de Jonas” (Mt 12.41). Além disso, Jesus disse que sua morte e ressurreição seriam similares ao livramento de Jonas (v. 40).

Jonas esteve “dentro do peixe três dias e três noites”, seja por meios naturais ou milagrosos. Há muitos tipos de peixes que podem engolir um ser humano (p. ex. a baleia cachalote e o tubarão-baleia), e sempre há algum ar no estômago de um grande peixe como o que engoliu Jonas. Ainda assim, é mais provável que o evento tenha sido um milagre, como o relato bíblico certamente sugere (cf. 1.17; 2.10).

A Bíblia revela o poder de Deus de operar conforme ele desejar. A Escritura convida os crentes a ter fé na soberania do Senhor para cumprir seus propósitos. Como você deveria confiar que o Deus soberano usará o inesperado a fim de alcançar a vontade dele na sua vida?

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Maio 2021

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