Lidando corretamente com a riqueza

1ª Carta a Timóteo | Parte 25 | 1Timóteo 6.17-19

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

17Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam arrogantes, nem ponham sua esperança na incerteza da riqueza, mas em Deus, que de tudo nos provê ricamente, para a nossa satisfação. 18Ordene-lhes que pratique o bem, sejam ricos em boas obras, generosos e prontos a repartir. 19Dessa forma, eles acumularão um tesouro para sí mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida.

Devemos lembrar novamente que não é proibido ficar rico. O versículo não diz: “Ordene aos que são ricos no presente mundo que não sejam mais ricos...”. No entanto, a Bíblia mostra que a riqueza pode ser perigosa, por isso os ricos são exortados a observar corretamente as prioridades espirituais: “Honre o Senhor com todos os seus recursos e com os primícias frutos de todas as suas plantações” (Pv 3.9).

Em nossa escala de valores e diante de nossa cultura, somos “ricos”. Sob o aspecto social, da medicina, seguros etc., todos estamos bem servidos. Hoje podemos alcançar coisas que, no passado, eram exclusivas da nobreza. É por isso que – simultaneamente – corremos o risco de depositar nossa confiança nessas coisas e não sobre o Deus vivo. Por esta razão, os versículos nos chamam à plena confiança na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo. Vale a pena confiar plenamente no Deus descrito nessa passagem, e seguir unicamente os preceitos dele, pois, muitas vezes, é apenas no leito de morte que se consegue avaliar o real grau de riqueza de uma pessoa.

A era em que vivemos certamente passará; no entanto, quem cumpre com a vontade de Deus permanece eternamente. O estado atual está em contraste com o estado futuro. E como o estado atual desaparecerá, vale a pena viver pensando no futuro, que permanecerá, agindo e vivendo no sentido de alcançá-lo.

“Não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo – a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens – não provém do Pai, mas do mundo. O mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2.15-17).

A postura de Moisés nos é apresentada como modelo espiritual correto e como testemunho: “Preferindo ser maltratado com o povo de Deus a desfrutar os prazeres do pecado durante algum tempo. Por amor de Cristo, considerou sua desonra uma riqueza maior do que os tesouros do Egito, porque contemplava a sua recompensa” (Hb 11.25-26). Pode parecer um tanto piedoso, mas a verdade é que coisas materiais nunca poderão proporcionar algo semelhante àquilo que Deus – a fonte de vida e de alegria – pode nos conceder.

Um estudo britânico concluiu que a riqueza em si não garante a satisfação de uma pessoa. Ser mais rico do que as pessoas ao redor, por outro lado, a faz sentir-se bem. De acordo com a pesquisa, o dinheiro traz felicidade somente quando se possui mais do que os amigos, vizinhos e colegas. “Parece que o salário de um milhão por ano não traria felicidade a uma pessoa enquanto ela souber que seus amigos ganham dois milhões anualmente”, disse o diretor da pesquisa, Christopher Boyce, da University of Stirling, Escócia. Nesse estudo, durante sete anos foram comparados dados de renda e de satisfação de britânicos.[1]

Em contraste ao estado permanente de Deus, todas as coisas materiais são passageiras. Devemos manter constantemente diante de nossos olhos o fato de que Deus nos proporciona maior segurança do que o mundo. O Deus vivo e imortal está muito acima de tudo que é mortal, passageiro e perecível. Certamente não é sem motivo que a Bíblia enfatiza com tanta veemência que Deus é um Deus vivo. Isso nos diz que o Senhor está desperto e atento, e que vê constantemente as nossas necessidades para agir e interferir no tempo dele. Mesmo que tudo ao nosso redor desapareça, Deus permanece constantemente o mesmo Deus.

“O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra. Ele não permitirá que você tropece; o seu protetor se manterá alerta, sim, o protetor de Israel não dormirá; ele está sempre alerta!” (Sl 121.2-4).

Esse Deus, de fato, não é nada mesquinho. Ele não somente nos dá o imprescindível, para que possamos sobreviver de maneira espartana, mas nos concede tudo em abundância (ver Ef 3.20). Essa afirmação também pode ser entendida como um golpe contra o ascetismo. Não precisamos nos privar de tudo, mas podemos usufruir daquilo que o Senhor nos concede, com gratidão, humildade e na dependência dele, pois ele é o Doador de “toda boa dádiva e todo dom perfeito” (Tg 1.17).

Existe um prazer pecaminoso exclusivo da carne que ignora a Deus (cf. 1Tm 5.6). No entanto, existe um prazer que aceita com gratidão, que aproveita aquilo que Deus oferece, tanto em dons materiais como espirituais (cf. 4.3; 5.6). Justamente os mais abastados correm o risco de abandonar sua confiança em Deus para construir sobre suas próprias possibilidades. Por isso eles são exortados contra a arrogância em 1Timóteo 6.17. A pessoa rica pode ser tentada a se orgulhar de sua riqueza e atribuí-la à sua própria capacidade. Ao invés disso, juntamente com todas as outras pessoas (cada uma dentro de suas possibilidades), deve fazer o bem, tornar-se rico em boas obras, ser generoso e se dispor a repartir com os outros.

Nossa preocupação constante deveria ser: que boa ação posso fazer hoje? Ser rico em boas obras e não fazer apenas o imprescindível. Do mesmo modo como podemos perseguir a riqueza, assim deveríamos também perseguir boas ações. Ser generoso é o contrário de avarento, sovina e egoísta. Deveríamos estar dispostos a repartir com os outros e não pensar apenas em nós mesmos, mas ter a disposição básica de abrir mão do que temos.

Que boa ação posso fazer hoje?

Nesse sentido, a igreja primitiva nos serve de exemplo: “Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração. Ninguém considerava unicamente sua coisa alguma que possuísse, mas compartilhavam tudo o que tinham. Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles. Não havia pessoas necessitadas entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos, que o distribuíam segundo a necessidade de cada um” (At 4.32-35).

John Wesley: “Faça todo o bem que puder, por todos os meios que puder, de todas as formas que puder, em todos os lugares que puder, em todas as ocasiões que puder, para todas as pessoas que puder, por mais tempo que puder”.

Será que é a falta de ação do Espírito Santo entre nós que suprimiu nossa disposição de compartilhamento? A mentalidade de equipe, a cooperação mútua? Diz-se que a regra de vida de John Wesley teria sido: “Faça todo o bem que puder, por todos os meios que puder, de todas as formas que puder, em todos os lugares que puder, em todas as ocasiões que puder, para todas as pessoas que puder, por mais tempo que puder”.[2]

“Dessa forma, eles acumularão um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir, e assim alcançarão a verdadeira vida” (1Tm 6.19). Para se apoderar da vida eterna, veja o comentário referente ao versículo 12, em que dissemos que devemos nos apoderar e aplicar na prática de tudo o que já recebemos, na condição de pessoas renascidas, isto é, a vida eterna. “Tome posse da vida eterna.”

A posse da vida eterna deve ser usufruída na fé. Devemos experimentar o que ela proporciona em si; ser aproveitada, aplicada, utilizada. Um cristão pode ter a vida eterna mas não experimentar no dia a dia tudo o que está envolvido, tudo o que ela proporciona em bênção, bem-estar e transformação. Por isso, em minha opinião, “tome posse da vida eterna” deve ser considerado equivalente a “busquem [e] pensem nas coisas lá do alto” (ver Cl 3.1-4, NAA). Gostaria de complementar, neste ponto, com a passagem de 2Pedro 1.10: “Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois, se agirem dessa forma, jamais tropeçarão”.

Ao aplicarmos a Palavra de Deus na prática, “agi[ndo] dessa forma”, confirmamos nossa vocação e eleição e, através disso, somos firmados em segurança. A insegurança ocorre muitas vezes por não sermos praticantes da Palavra de Deus pela fé.

“Dessa forma, eles acumularão um tesouro para si mesmos, um firme fundamento para a era que há de vir...” (1Tm 6.19). Observemos as palavras “acumularão um tesouro para si mesmos”. A ideia sempre envolve a bênção e a transformação da nossa própria vida pessoal. Quem se preocupa de modo egoísta apenas consigo mesmo pode perder muita coisa, ao passo que aquele que se preocupa com o bem-estar comum, de acordo com os versículos 18-19, será favorecido.

Esse “firme fundamento” para o futuro certamente terá influência no igualmente futuro julgamento do Senhor: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más” (2Co 5.10). A expressão do apóstolo Paulo – “acumularão um tesouro para si mesmos” – também pode ser interpretada como o acúmulo de tesouros materiais, o que acompanha as palavras de Jesus em Mateus 6.20: “Mas acumulem para vocês tesouros nos céus...” Paulo escreve sobre esse sólido fundamento em 1Coríntios 3.10-15:

“Conforme a graça de Deus que me foi concedida, eu, como sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo sobre ele. Contudo, veja cada um como constrói. Porque ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo. Se alguém constrói sobre esse alicerce usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra será mostrada, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo.”

E nós, somos colecionadores ou acumuladores de um firme fundamento para o futuro? Permitimos que o Espírito Santo nos use e conduza para que sejamos praticantes da Palavra de Deus em qualquer situação?

 

Notas

  1. dpa; ZO; 24 mar. 2010.
  2. William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento (São Paulo: Mundo Cristão, 2011), p. 782.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Abril 2021

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