Costeletas: Uma investigação bíblica e histórica

Ao longo dos séculos e milênios, o judaísmo produziu numerosos usos, costumes e tradições que parecem estranhos a quem não é daquele meio. Muitas vezes trata-se de exterioridades que os distinguem de outras pessoas. É claro que o observador se perguntará de onde provém tudo isso. Teriam algum fundamento bíblico ou trata-se apenas de tradições judaicas acrescentadas no decorrer do tempo?

As costeletas provavelmente são um dos sinais exteriores do judaísmo que mais despertam atenção. No hebraico, as costeletas chamam-se Peot, e em iídiche são chamadas de Peies.

Antes de tudo, é preciso considerar que nem todos os judeus cultivam as costeletas nas têmporas, mas apenas uma parcela relativamente pequena. E existem diferenças consideráveis entre os que o fazem. Uns deixam crescer as costeletas por muito tempo porque acreditam que de modo nenhum devem ser cortadas. No entanto, mesmo eles precisam apará-las a certa altura; caso contrário, elas acabariam por estender-se até o chão. Outros, por sua vez, portam apenas madeixas curtas que prendem atrás das orelhas, de modo que quase não são notadas. Sua opinião é que não se devem raspar os cabelos nas têmporas, mas que seu corte é admissível. Existem as mais diversas opiniões a respeito.

Deus não queria que seu povo assumisse essa cultura egípcia, mas que os israelitas usassem o cabelo e a barba de uma forma mais natural

De onde vem esse costume? Ele se baseia em uma única passagem bíblica, em Levítico 19.27, que diz: “Não cortem o cabelo dos lados da cabeça nem aparem as pontas da barba”.

Qual teria sido o propósito de Deus com essa instrução? E como ela é interpretada hoje no judaísmo?

Como a comunidade judaica viveu e continua vivendo dispersa nas mais diversas partes do mundo, os usos e costumes muitas vezes se desenvolveram de formas diferentes ao longo dos séculos. E as culturas nas quais eles viviam também exerceram uma certa influência sobre os judeus. Essas diferenças culturais refletem-se até hoje no judaísmo.

Precisamos ter em mente que esse mandamento lhes foi outorgado quando os israelitas vieram do Egito, onde haviam vivido por muito tempo. Junto ao Sinai, e também durante sua jornada de 40 anos através do deserto, Deus lhes passou por meio de Moisés os seus mandamentos e instruções.

O caso das costeletas demonstra que muitas vezes a tradição é mais forte que a racionalidade.

O Egito era uma terra em que reinava um politeísmo quase inacreditável. Deus quis então separar Israel dessa cultura pagã e dos outros povos, incutindo-lhe usos e costumes que lhe agradassem. (Todos conhecemos o poder que a cultura exerce sobre as pessoas. Basta lembrar as tendências da moda e da música, por exemplo.) Graças aos numerosos templos, locais de culto, pinturas, murais de imagens e textos esculpidos em rochas, conhecemos muito bem a cultura egípcia. Sabemos qual era o aspecto dos egípcios, como se vestiam e como frisavam o cabelo na cabeça e na barba.

Os egípcios cortavam o cabelo da cabeça curto em toda a volta, como vemos em muitas imagens, ou cortavam o cabelo completamente e mantinham a cabeça calva. As estátuas dos faraós mostram barbas artisticamente lavradas. Tudo indica que Deus não queria que seu povo assumisse essa cultura egípcia, mas que os israelitas usassem o cabelo e a barba de uma forma mais natural. Do modo como podemos entender isso com base nesse fundo cultural, foi esse o propósito de Deus com essa regulamentação.

Então, o que aconteceu para que o costume de não cortar as costeletas adquirisse uma importância tão central para uma parte dos judeus? Tudo indica tratar-se de uma leitura equivocada daquilo que a instrução diz. Hoje, a palavra pea ou peot, no plural, significa peruca, mas na verdade significa simplesmente beirada ou extremidades. Trata-se, portanto, da borda ou das extremidades dos cabelos da cabeça ou da barba.

Embora as costeletas sejam parte dos cabelos da cabeça, elas não são a extremidade ou a borda de toda a cabeleira. No entanto, trata-se das extremidades ou da borda de todos os cabelos da cabeça. Estas não deveriam ser cortadas em toda a volta, como o corte usual entre os egípcios. Porém, com o tempo, esse fundamento – que remonta ao antigo Egito – caiu no esquecimento.

A tradição de não cortar as costeletas, surgida e consolidada posteriormente, enraizou-se tão profundamente em alguns grupos judeus que não é mais possível convencê-los de algo diferente. Isso demonstra que muitas vezes a tradição é mais forte que a racionalidade. E o fato de nem todos adotarem a moda das costeletas sinaliza que mesmo a respeito disso existem as mais diversas opiniões entre os judeus. Existem aqueles para os quais as costeletas nos meninos são tão importantes que não são cortadas desde bebês, mas a maior parte dos judeus não dá importância a essa questão.

Fredi Winkler é guia turístico em Israel e dirige, junto com a esposa, o Hotel Beth-Shalom, em Haifa, que é vinculado à missão da Chamada.

sumário Revista Chamada Março 2021

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