Como Permanecer Fiel nos Últimos Dias?
Em sua última carta, escrita na terrível Prisão Mamertina, Paulo exorta seu discípulo Timóteo com relação a falsos profetas e mestres. Neste artigo, veremos que suas palavras não devem ser tomadas como deprimentes ou derrotistas, mas como um alerta para a vida de todo cristão.
O ano passado se caracterizou não só pela pandemia do Covid-19, mas por uma onda de ansiedade, desespero e insegurança. Entre aqueles que têm algum conhecimento cristão, não poucos levantaram suas vozes questionando se tudo isso era um sinal do fim dos tempos. Alguns apontavam para a própria pandemia como uma das pragas previstas em Apocalipse e várias teorias da conspiração circularam, mesmo entre cristãos.
Muito embora estes sinais apontem para o fim dos tempos, podemos descansar, pois o período que a Bíblia chama de grande tribulação ainda não começou. O mais claro indicador da chegada da tribulação é o evento que chamamos de arrebatamento da igreja. No entanto, é evidente que estamos mais e mais próximos dos últimos dias. Cada geração é chamada a se posicionar quanto aos eventos que enfrenta. De um modo muito particular, nós, discípulos de Cristo, somos chamados a apresentar uma posição diante desta perspectiva de fim dos tempos. Como, então, devemos proceder? Como deve ocorrer o crescimento espiritual nestes últimos dias?
O apóstolo Paulo foi grandemente usado por Deus escrevendo cartas que não só abençoaram seus destinatários, mas foram inspiradas pelo Espírito para nos edificar hoje. Por volta do ano 67 d.C., Paulo foi preso pela segunda vez naquela que seria sua última prisão. Ao invés de habitar em uma casa, alugada por ele mesmo (como em sua primeira prisão, At 28.30), foi enviado à Prisão Mamertina. Este era um calabouço subterrâneo, sujeito a inundações, onde os prisioneiros políticos condenados à morte eram lançados. Daquele lugar horrível, o apóstolo, velho e doente, escreve aquela que conhecemos como a segunda carta a Timóteo.
Toda a carta tem o propósito de encorajar Timóteo a enfrentar os falsos profetas e mestres. Para manter o equilíbrio em seu ministério, o apóstolo também exorta a Timóteo como deve ser este enfrentamento dos falsos mestres. No final do capítulo 2, ele instrui seu discípulo a “corrigir com mansidão os que se lhe opõem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento” (v. 25). Tendo me envolvido ao longo do meu ministério pastoral em não poucas contendas, devo confessar que este trecho se tornou um alvo para mim.
Um servo de Deus envolvendo-se em discussões hostis com falsos mestres é tão comum quanto ineficaz. Estas brigas não promovem o serviço de Deus, apenas desgastam o ministro e confundem os que ouvem. Mesmo que fiquem impressionados com a argumentação do ministro fiel, os ouvintes percebem quando ali não há amor e mansidão, mas talvez apenas uma disputa intelectual. Nossa postura ao confrontar aqueles que se opõem deve ser de clareza e ousadia, mas ao mesmo tempo de mansidão e paciência. Importa que nossa esperança esteja na ação sobrenatural de Deus e não em nossos bem formulados ou energicamente expostos argumentos para que os que se opõem sejam conduzidos ao arrependimento.
Após várias instruções sobre como lidar com falsos mestres e aqueles que resistem ao verdadeiro ensino, Paulo alerta Timóteo sobre os últimos tempos. No capítulo 3, verso 1, lemos: “Saiba disto: nos últimos dias sobrevirão tempos terríveis”. Paulo sabia que já estava na última era, a era da igreja, mas ainda assim ele sabia que os tempos ficariam mais difíceis e, em preparação, ele alerta seu discípulo. Já é relevante notar que a palavra traduzida por “terríveis” só é usada duas vezes no Novo Testamento, aqui e quando Jesus confronta o gadareno endemoninhado (Mt 8.28). Ali ela é traduzida por “violentos”. A expressão indica que os últimos dias serão perigosos, tempos onde aqueles que temem a Deus serão perseguidos. Não é descabido afirmar que os últimos dias serão terríveis e violentos, e não é de se surpreender que estejam ligados à atividade demoníaca (1Tm 4.1).
Um servo de Deus envolvendo-se em discussões hostis com falsos mestres é tão comum quanto inefi caz
Nos versos 2-5 Paulo afirma que os homens serão terríveis. Não fica claro se os tempos serão terríveis devido a estes homens ou se estes homens serão terríveis devido ao tempo difícil. De qualquer forma, tempos difíceis e homens terríveis formam um mesmo pacote. Ao descrever estes homens, ele usa uma lista longa contendo 19 características que retratam como será a atitude de certos homens nestes últimos dias. Podemos resumir em três duplas de características. Estes serão homens que: (1) amarão a si mesmo, mas odiarão a família; (2) amarão o dinheiro, mas odiarão o bem; e (3) amarão os prazeres, mas odiarão a Deus. Não é difícil de observar esse tipo de comportamento no mundo; aliás, esse comportamento tipifica o mundo há muito tempo. Há, no entanto, no verso 5 uma última característica que nos surpreende e nos ajuda a identificar esses homens: “Tendo aparência de piedade, mas negando o seu poder”. Estes homens serão religiosos, terão uma aparência espirituosa, de guias e mestres do bem. Apesar disso, essa aparência será falsa, pois eles negarão o poder de um vida dedicada a Deus.
Hoje em dia podemos identificar estes homens em pelo menos duas principais linhas de pensamento. Os primeiros são aqueles que buscam distorcer a Palavra para se adequar às preferências e sabores das filosofias e ideologias vigentes. Buscando a aceitação de intelectuais e dos argumentos considerados mais sofisticados e progressistas, este homens relativizam a mensagem bíblica. Em prol de uma mensagem mais aceitável, buscam ressignificar o conteúdo eterno. Não é apenas uma tentativa de traduzir em linguagem moderna uma mensagem antiga, é adequar o próprio teor da mensagem ao sabor contemporâneo.
Recentemente, um popular pastor brasileiro afirmou que “não é possível tratar a Bíblia como um texto que revela verdades absolutas, porque não somos seguidores de um livro, somos seguidores de Jesus Cristo”. Com tais afirmações ele defendeu uma atualização da Bíblia para se adequar a dois mil anos de civilização. Em resumo, o modo como as pessoas pensam mudou, portanto a Bíblia também precisa mudar. Esse tipo de pensamento usa o pensamento humano e os paradigmas da sociedade como critérios de avaliação da Bíblia. Curiosamente, muitos que propõe este raciocínio assumem uma postura mansa e sofisticada, afirmam basear-se no amor, proclamam tolerância e, ao mesmo tempo, declaram que todo aquele que afirma que a Bíblia é absoluta não compreendeu a “verdadeira” mensagem de Jesus. Esta linha de pensamento não é algo novo – muitos no passado já tentaram distorcer a Palavra de Deus para torná-la mais “aceitável”. Estes homens têm aparência de piedade, mas negam o seu poder.
O segundo grupo são homens que também distorcem a Palavra, prometendo vantagens e ganhos que a própria Palavra nunca prometeu. Estes identificam fé com sucesso, piedade com riqueza, crença com conforto, seguir a Jesus com vitória, abundância de bens e ausência de mal-estar. Para ganhar audiência, promovem o que o evangelho nunca prometeu. E, para exemplificar o que dizem, conduzem vidas de abundância, riqueza e luxo. Pois isso demonstra, em sua perspectiva distorcida, o tamanho de sua fé. Esses homens declaram ter intimidade com Deus, afirmam ter recebido palavras especiais divinas, revelações novas e impressionantes. Tentam demonstrar piedade, mas igualmente negam seu verdadeiro poder. A instrução de Paulo tanto para o primeiro como para o segundo grupo é: “Afaste-se desses também”.
Nos versos 6-9, Paulo descreve um pouco mais o caráter desses homens. Ele os acusa de se aproveitarem de mulheres vulneráveis. Não há base para determinar se ele fala apenas de mulheres e não homens ou se ele se refere a uma situação específica. O que fica evidente é que esses homens se aproveitam de mulheres que estão sempre aprendendo, sem jamais conhecer a verdade. Ele conclui esta descrição afirmando que eles (os homens descritos nos versos 2-5) são depravados, sua fé é reprovada e sua insensatez será revelada e se tornará evidente.
A partir deste ponto, Paulo começa a estabelecer um contraste. Repare nas expressões “Mas você” (v. 10) e “Quanto a você” (v. 14). Estas expressões introduzem trechos de exortação, de orientação para nós que queremos nos manter fiéis e crescer nos últimos dias. Poderíamos descrever estas duas instruções como: (1) siga líderes fiéis e (2) siga a Palavra de Deus.
É a Bíblia que nos mostra e que estabelece os alicerces para conhecermos o Deus que ultrapassa nossa compreensão.
Líderes fiéis são dons preciosos de Deus para a igreja. Feliz é o homem ou mulher que pode seguir líderes assim. Paulo destaca também que Timóteo vinha seguindo “de perto” várias características de um líder fiel (v. 10). Não basta ouvir e seguir palavras, ideias e visões. Repare que Paulo indica que Timóteo seguia de perto tanto seu ensino como sua conduta, tanto seu propósito e fé como seu amor, tanto sua paciência e perseverança como suas perseguições e sofrimentos. Um líder fiel não é um exemplo de perfeição. Gosto de lembrar que temos apenas um modelo de chegada: Jesus Cristo. Todo líder deve, então, ser um modelo de caminhada, de como se dirigir ao nosso supremo Pastor.
Timóteo realmente conhecia a vida de Paulo. Havia viajado com ele, havia observado como este apóstolo enfrentara tanto vitórias quanto frustrações no ministério. Paulo parece dar uma ênfase especial aos momentos difíceis, inclusive destacando que todo aquele que quiser levar uma vida piedosa enfrentará oposição, até mesmo perseguição. Na verdade, perseguições são justamente uma consequência de uma vida focada em Deus. Isso não deveria nos surpreender, pois o próprio Jesus afirma em João 15.18-19: “Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes me odiou. Se vocês pertencessem ao mundo, ele os amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi, tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia”.
O contraste dessa verdade com as falsas promessas de profetas da prosperidade não poderia ser mais evidente. Lembro-me de que, ao mostrar essa passagem a um desses profetas da prosperidade, vi ele sorrir e com um ar de superioridade me dizer: “Isso é porque Paulo não conhecia o segredo da vitória...”.
Paulo conclui esta primeira instrução afirmando que homens enganadores seguirão enganando e sendo enganados. Parece haver um princípio de que aqueles que enganam acabam por acreditar em suas próprias mentiras. Apesar de um aparente sucesso, homens assim serão enredados em seu próprio engano.
Nós temos apenas um modelo de chegada: Jesus Cristo. Todo líder deve ser um modelo de como se dirigir ao nosso supremo Pastor.
No último trecho deste capítulo, Paulo instrui Timóteo a permanecer naquilo que ele aprendeu. A referência não é meramente ao aprendizado, mas ao fato de que ele havia desenvolvido convicções. Em uma pesquisa recente, ouvi que 60% dos jovens evangélicos vão abandonar suas convicções no primeiro ano da faculdade. Pessoalmente, creio que a principal razão para isso é que, como igreja, não temos estimulado nossos jovens a desenvolver convicções. Temos ensinado respostas, mas não estimulado convicções. Convicções são fruto de um processo de comparação, exame, discussão de ideias, até que a pessoa tenha visto sua ideia resistir à crítica, oposição e argumentação.
Timóteo não tinha apenas aprendido sobre a fé cristã, ele havia ao longo de conversas, ensino, debates e experiências pessoais descoberto que a fé cristã era capaz de resistir aos mais variados ataques. O mero conhecimento da Palavra, apesar de condição fundamental, não é suficiente. No verso 15 Paulo afirma que desde pequeno Timóteo conhece as “Sagradas Letras” que poderiam torná-lo entendedor da salvação em Cristo Jesus. É triste observar como alguns que conhecem as Sagradas Letras terminam por rejeitá-las. Têm o conhecimento, mas não se tornaram sábios no sentido de aplicá-las à sua própria vida.
Nos próximos dois versos, Paulo declara a base da autoridade bíblica. A primeira expressão fundamental é “inspirada” ou “soprada” por Deus. O conceito da inspiração é um dos fundamentos da fé cristã. É fundamental por pelo menos três razões: (1) Deus deseja estabelecer comunhão com o ser humano, (2) por isso Deus se dá a conhecer e (3) a Bíblia é, então, o meio pelo qual Deus se deu a conhecer. O alvo maior da revelação é que conheçamos o próprio Deus; sendo assim, Jesus é a própria revelação de Deus. No entanto, cremos que é a Bíblia que revela Jesus e portanto revela o próprio Deus. Não adoramos um livro, mas é este livro que nos mostra e que estabelece os alicerces para conhecermos o Deus que ultrapassa nossa compreensão.
No momento em que o homem se dedica a conhecer a Deus sem a Bíblia, ele está rejeitando a própria revelação de Deus. Talvez ainda pior, ele está se colocando como árbitro daquilo que entende como Deus. Desta forma, ele pode avaliar e “construir” um deus conforme sua própria percepção, conforme seu próprio interesse. Na verdade, o ser humano fez isso muitas vezes ao longo da história da humanidade. É o que chamamos de idolatria, seja por meio de estátuas e símbolos, seja por meio de conceitos e ideais que cultuamos como nosso “deus”.
O conceito de inspiração tem sido alvo de debate e, sendo uma doutrina tão fundamental, é importante que tenhamos clareza quanto ao seu significado. A clássica definição do dr. Charles Ryrie é de grande ajuda neste ponto: “Deus supervisionou os autores humanos da Bíblia para que compusessem e registrassem, sem erros, sua mensagem à humanidade utilizando as palavras de seus escritos originais”.[1]
A passagem de 2Timóteo 3.16 afirma com clareza que toda a Escritura é inspirada e útil. Cada trecho da Escritura foi inspirado por Deus, portanto cada trecho é útil. Uma vez mais somos levados a se opor a vários mestres que afirmam que certos trechos são inspirados e úteis e outros não. Um teólogo brasileiro que abandonou a fé afirmou há algum tempo que a pessoa de Jesus é a chave hermenêutica da Escritura e, dessa forma, quando Paulo discorda de Jesus, ele se apega ao que Jesus disse e não a Paulo. Este pensamento é tanto curioso quanto perverso. Esse mestre está correto ao afirmar que Jesus Cristo é a chave hermenêutica (ou seja, toda a Bíblia aponta para Jesus. Temos a própria afirmativa de Jesus em João 17.17: “... a tua palavra é a verdade”), mas ele está completamente equivocado ao identificar trechos bíblicos em que Paulo discorda de Jesus. Tais trechos simplesmente não existem. Toda a Escritura é inspirada, formando um todo coerente e coeso. Nenhum texto discorda de outro. O que pode, sim, ocorrer é que não compreendemos como deveríamos algum texto. Quando isso acontece, importa afirmarmos que toda a Escritura é inspirada e retomarmos o estudo para descobrir nosso erro de compreensão.
Na segunda parte do verso 16, Paulo passa a discorrer sobre a utilidade da Bíblia. Ela é útil para o ensino, repreensão, correção e educação na justiça. Pode-se afirmar que essa lista nos auxilia a identificar o processo pelo qual a Bíblia nos leva ao crescimento espiritual.
Em primeiro lugar, ela deve servir para o ensino, para a apresentação da verdade de forma absoluta. Ou seja, devo encarar o conteúdo bíblico como a revelação da própria verdade. Caso eu não tome este primeiro passo, todos os demais estarão comprometidos. O primeiro passo é aceitar a autoridade da Palavra sobre minha vida pela fé.
O segundo passo é ser confrontado pela Palavra. Caso eu aceite que a Palavra é verdadeira e tem autoridade em minha vida, logo começarei a perceber que há algo de profundamente errado comigo. Ou seja, não sou eu que avalio a Palavra, mas eu me submeto a ela. O passo seguinte é a correção, isto é, o alinhamento de meu caminho, de minha perspectiva, de minha crença e de minha vida com essa verdade. Por fim, eu chego à quarta utilidade da Palavra, a instrução na justiça. Este aspecto trata da formação (ou “reformação”) de meu ser a partir da justiça de Deus.
O propósito deste crescimento é claramente apresentado no verso 17: “Para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”. A convicção, o apego, a submissão à ação da Bíblia na vida do cristão são essenciais para seu crescimento. Em uma época em que pastores e líderes deixam a Palavra em segundo plano para promoverem suas ideias ou as mais recentes novidades, não é surpresa que a igreja evangélica brasileira seja tão fraca, tão irrelevante em seu testemunho, sua proclamação e ação.
O apóstolo Paulo estava no final de sua vida e escrevia, movido pelo Espírito Santo, sua mensagem de incentivo e instrução ao seu discípulo mais próximo, Timóteo. Suas palavras não devem ser tomadas como deprimentes ou derrotistas, mas como um alerta para a vida de todo cristão. A centralidade da Bíblia em nosso modo de pensar deve ser cuidadosamente preservada. Se quisermos crescer em Cristo, precisamos nos aproximar da Palavra, pois é nela que vamos conhecer a Cristo, ser confrontados pelo Espírito e crescer em uma vida que agrada ao Pai.
Nota
- Charles C. Ryrie, Teologia Básica (São Paulo: Mundo Cristão, 2012), p. 43.
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