Covid-19 e o Retorno do Senhor

O título deste artigo parece sensacionalista. Não se trata, porém, de revelações sensacionais ou de especulações, mas antes de examinar – à luz da Bíblia – os sinais dos tempos e de classificá-los de forma sóbria.

O próprio Senhor Jesus desafiou os fariseus e saduceus a entenderem os sinais dos tempos (Mt 16.1-4). Trata-se de avaliar os desdobramentos à luz da palavra profética (2Pe 1.19). Isso, porém, fica sujeito a um importante princípio bíblico básico: somente o Deus vivo conduz a história para o seu destino, segundo o seu plano. Só ele conhece os momentos exatos (cf. At 1.7) e eventuais retardamentos ou acelerações dos eventos escatológicos.

Pergunta-se então o que tudo isso tem a ver com a epidemia do novo coronavírus. Afinal, já não houve a gripe espanhola ao término da Primeira Guerra Mundial e a peste na Idade Média? Já não se pensava naquelas ocasiões que então ocorreriam eventos que apontariam para o retorno de Jesus e a proximidade do juízo final? É verdade que essas expectativas já ocorreram antes. Mesmo assim, vale a pena examinar mais de perto a situação atual.

Nos sermões escatológicos de Jesus (Mt 24; Mc 13; Lc 21) podemos distinguir diversas linhas básicas que se tornarão visíveis nos eventos precedentes ao retorno do Senhor. Os intérpretes fiéis à Bíblia têm visões variadas sobre esses sermões escatológicos. Alguns, por exemplo, enxergam o início das dores anunciado por Jesus antes da grande tribulação. Para outros, os eventos previstos só se iniciarão junto com a tribulação. Seja como for que pensemos a respeito disso, os eventos da história sagrada sempre lançam suas sombras adiante deles. Também podemos dizer que se anunciam antes que seu cumprimento propriamente dito se revele claramente. Assim, os aspectos escatológicos se delineiam de forma cada vez mais nítida até ocorrer finalmente seu cumprimento definitivo.

Para permitir a avaliação dos sinais dos tempos, a Escritura Sagrada revela ainda um outro indicador de destaque. Trata-se de Israel. Deuteronômio 30.1-11 já fala de uma futura reunião de Israel e do cumprimento das promessas relacionado com isso. Também em Isaías, Ezequiel, Zacarias e em outros profetas, o iminente juízo dos povos e o estabelecimento do reino visível de Deus (em termos neotestamentários: o “retorno de Jesus”) se correlaciona de forma inseparável com os eventos em torno da terra e do povo de Israel. Por isso, em Mateus 24.32-33 a figueira que brota é o sinal da proximidade do verão. A figueira é um símbolo da terra e do povo de Israel (cf. Os 9.10; Jl 1.7 etc.). No próprio evangelho de Mateus, o nosso Senhor também compara o juízo vindouro sobre Israel com a figueira infrutífera (Mt 21.18-22). Portanto, os sinais dos tempos finais são aqueles em torno de Israel como a figueira que desperta e brota. Torna-se possível, com base nesse referencial, classificar também os outros sinais que Jesus citou como premonitórios da sua vinda.

As “dores” ou os sinais da proximidade da vinda de Jesus têm abrangência mundial.

Há mais um ponto a observar. As “dores” ou os sinais da proximidade da vinda de Jesus têm abrangência mundial. O próprio caráter do sermão escatológico de Jesus esclarece isso. Isso se expressa literalmente na proclamação do evangelho em todo o mundo (Mt 24.14) e a temerosa expectativa e perplexidade diante dos eventos futuros que atingirão todo o globo (Lc 21.25-26). O livro de Apocalipse também indica que os eventos anteriores ao retorno de Jesus serão globais, ou seja, abrangendo o mundo inteiro. Isso fornece uma clara diferença em relação a tempos passados. Em geral, os eventos limitavam-se a determinadas regiões – mesmo se fossem de grande porte ou abrangessem mais de um continente. Em Mateus 24.7 lemos de grandes guerras, fomes, pragas e terremotos. Quero destacar aqui as pragas, que incluem também as pandemias.

Um exemplo a citar seria a peste (1346-1353) que atingiu o “velho mundo” (Europa, Ásia Menor e norte da África), mas que de qualquer modo não foi global. É interessante que o adjetivo “mundial” somente aparece nas listas de pandemias ao fim do século 19. Nas relações de pandemias dos séculos 20 e 21, o conceito de “mundial” é recorrente. Em Mateus 24.7 também lemos de nações e reinos que se levantam uns contra os outros. O teólogo Arnold Fruchtenbaum comenta que, no tempo de Cristo, a expressão “povo contra povo” (ou “nação contra nação”) era designação para uma guerra mundial que precederia a vinda do Messias. Todavia, as duas guerras mundiais ainda não foram a última grande guerra da qual a Bíblia fala. No entanto, nunca antes em toda a história da humanidade se atingiram as dimensões globais da Primeira e, ainda mais, da Segunda Guerra Mundial. E um dos eventos que se encaixam entre essas duas guerras mundiais foi a gripe espanhola, de alcance mundial com seus 50 a 70 milhões de mortos (algumas estimativas chegam a falar em 100 milhões de vítimas). Embora as quantidades de vítimas tenham sido bem menores, as gripes asiáticas, de Hong Kong, russa, aviária e suína também se encaixam na categoria de “mundiais”. Do mesmo modo, as infecções do HIV desde 1980 também são consideradas uma pandemia mundial com, até agora, 36 milhões de vítimas fatais. A isso se acrescenta a informação mundial sobre epidemias ou pandemias limitadas a determinadas regiões, mas que representavam uma ameaça mundial em potencial (p. ex. SARS, MERS e Ebola).

É verdade que os casos fatais do novo coronavírus até agora são bem menos numerosos que os das outras pandemias mundiais. Mesmo assim, existem algumas características que distinguem a crise atual das pandemias precedentes.

Em Mateus 24.32-33, a figueira que brota é o sinal da proximidade do verão. A figueira é um símbolo da terra e do povo de Israel.

Por um lado, espalhou-se no contexto do vírus Covid-19 uma enxurrada global de informações – algo inédito numa pandemia. Os primeiros órgãos informadores, ainda no início do século 20, foram os da mídia impressa. Depois acrescentaram-se como meios de ampla comunicação o rádio e, mais tarde, a televisão. Durante as gripes aviária e suína, a internet também já estava presente, mas a enxurrada informativa global da crise deste ano rompe toda a presença de mídia das pandemias passadas. Em Mateus 24.6, Jesus diz que seus discípulos “ouvirão” de guerras e rumores de guerras. Esse “ouvir” pode também ser atribuído ao conteúdo do subsequente versículo 7, no qual Cristo detalha mais o que acabara de dizer, acrescentando ainda fomes, pestes e terremotos. Tanto no noticiário, como também em muitas conversas pessoais, o coronavírus tornou-se o tema predominante.

Outra característica de destaque do Covid-19 é a rapidez com que o vírus se espalhou pelo mundo. A disseminação da gripe espanhola já havia sido relacionada à mobilidade global que se desenvolvera como resultado dos eventos da Primeira Guerra Mundial. Tanto a velocidade da disseminação viral como também a taxa de infecções, que durante as gripes aviária e suína ainda foi bastante modesta, praticamente explodiu com o Covid-19. O processo todo foi favorecido pela rede cada vez mais estreita do tráfego de viagens aéreas internacionais. Em poucas semanas, o vírus se espalhou praticamente pelo mundo inteiro.

Um outro aspecto é o crescente temor e a perplexidade que acompanham a pandemia. Se muitos governos no início ainda consideravam inofensiva a epidemia que se formava a partir da China, em poucos dias essa atitude se transformou num clima de pânico histérico e num ativismo de providências sem precedentes. Em poucas semanas, políticos e outros passaram a se debater com estimativas e declarações completamente contraditórias. Em Lucas 21.25-26, uma das características dos tempos finais é a perplexidade global e o medo e temor diante dos eventos iminentes resultantes disso. Os tempos finais antes do retorno de Jesus serão de expectativa global e temerosa, quer os receios se concretizem, quer não.

Um evento totalmente inesperado se abateu sobre a humanidade com esse vírus, modificando subitamente toda a vida. Poucas semanas antes, as repentinas restrições à liberdade pessoal, de movimento e de reunião ainda pareciam extremamente improváveis nos países democráticos. Foi tudo praticamente do dia para a noite – sem longos processos ou desenvolvimentos preliminares. O que deveria nos despertar nesse sentido da nossa aparente segurança é o fato de que a situação total de toda a terra poderá mudar de modo igualmente súbito. Isso se aplica não só à liberdade de fé, pela qual no momento ainda somos muito gratos; basta um “piscar de olhos” para que os últimos eventos antes do retorno de Jesus comecem a se cumprir.

Como igreja de Jesus, é importante darmos suporte a tais medidas emergenciais e nos submetermos ao Estado, desde que isso não represente desobediência a Deus e à sua Palavra.

A isso se acrescenta que, com a crise do novo coronavírus, de repente muitos países em diferentes continentes adotam os mesmos padrões. Desde a Ásia e a Austrália, passando por alguns países da África e da Europa até a América, subitamente as pessoas ocupam o “mesmo barco”, com os mesmos problemas, ameaças e providências. Fossem quais fossem os países em que vivem, as pessoas se dispuseram a renunciar a direitos de liberdade na luta contra a ameaça da pandemia. Isso também conduz a uma solidariedade global entre os povos. Não se trata mais de perguntar se essas providências são adequadas ou exageradas, mas se reconhecemos a linha básica, porque ficou claro que de um dia para o outro pode aparecer algum evento ameaçador imprevisto que conduz a uma situação de emergência estatal global a ser suportada por todos. Tal evento, também em outros contextos, poderia no futuro servir de estribo para a ascensão do Anticristo (cf. Ap 13.1-3).

Há anos já se conhecem as possibilidades de monitoramento que a comunicação digital traz consigo. Devido ao Covid-19, agora vários países (Taiwan, Israel e outros) estão passando a aplicar oficialmente esse monitoramento. Isso também inclui uma rasante aceleração da coleta e compilação de dados e perfis digitais. Com o fim de monitorar as regras de circulação e contatos da população, pela primeira vez também se lança mão sistematicamente de drones. É compreensível que isso se destine a “boas intenções” – a interrupção das cadeias de infecção –, mas com isso também se transpõe ao mesmo tempo de modo oficial mais um limite para impedir o monitoramento eletrônico. Pode-se prever com bastante certeza que, em consequência disso, o monitoramento estatal digital e eletrônico também será aplicado de forma muito mais desinibida diante de outros “cenários ameaçadores”.

Nesse contexto, a atual crise também voltou a aquecer a discussão em torno da abolição do dinheiro vivo. A abolição deste eliminaria um possível “veículo viral” (o dinheiro vivo), eliminando o risco de contágio das pessoas diretamente envolvidas em pagamentos. Mais importante do que isso é constatar que tanto a “adesão” a um esquema de pagamentos totalmente isento de dinheiro vivo como também o crescente monitoramento que o acompanha são desdobramentos adicionais para aplainar o caminho para a futura chegada do “solucionador mundial de problemas” – o Anticristo (cf. Ap 13.16-17).

Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, as democracias ocidentais recorreram a decretos emergenciais por meio dos quais os governos subitamente passaram a dispor de muito mais poder para comandar a vida dos seus cidadãos, e de modo muito centralizado. Justifica-se a preocupação com a possibilidade de isso deixar resíduos mesmo após o término das ondas pandêmicas. Por um lado, no futuro será mais fácil para os governos democraticamente eleitos promulgar decretos emergenciais em situações de dificuldade. Por outro, também alguns decretos isolados de diferente intensidade poderiam ser mantidos. A isso se acrescentam as consequências econômicas do Covid-19, que conduzirão a uma crise econômica mundial, mesmo que a intensidade dela ainda não possa ser prevista. Tal recessão já poderia ser o próximo passo para ampliar ainda mais as intervenções estatais “de eficácia comprovada por esta crise”. Intervenções econômicas estatais possivelmente necessárias poderiam ser um passo adiante para acostumar a humanidade global a formas de governo centralistas. Tudo isso contribuiria, então, ainda mais para o advento do Anticristo.

Pois bem, as intervenções devidas ao novo coronavírus atingem todos os cidadãos, sejam quais forem sua religião ou seus outros interesses (p. ex. eventos esportivos). Como igreja de Jesus, é importante darmos suporte a tais medidas emergenciais e nos submetermos ao Estado (cf. Rm 13.1-7), desde que isso não represente desobediência a Deus e à sua Palavra. Isso requer uma estreita vigilância e análise dos desdobramentos e também que se extraiam deles as necessárias conclusões. Convém esclarecer aqui que para mim não se trata de discutir se a igreja de Jesus deve ou não obedecer; conforme já vimos no contexto de Romanos 13, isso deveria estar fora de discussão. Trata-se antes de observar o desenvolvimento geral, ou seja, como certos direitos básicos possivelmente poderiam ser restringidos ou cancelados subitamente em razão de alguma emergência, e isso mesmo sem longas convulsões ou desordens precedentes. Convém que, como igreja de Jesus, isso nos guarde de toda falsa segurança em termos de liberdade de fé.

Como já foi citado no início, não se trata de alimentar sensacionalismo piedoso ou de começar a especular. O que, porém, se vem delineando na esteira do cenário do Covid-19 é sem dúvida um passo adiante em direção aos últimos eventos globais antes do retorno de Jesus. A crise do novo coronavírus é um alerta para a igreja de Jesus no Ocidente. Trata-se de despertar do nosso cristianismo embriagado pela prosperidade, de desmascarar nossas aparentes seguranças piedosas e de dirigir o nosso olhar para o iminente retorno de Jesus e os eventos que se anunciam, assim como o apóstolo Paulo escreve em Romanos 13.11-12:

“Façam isso, compreendendo o tempo em que vivemos. Chegou a hora de vocês despertarem do sono, porque agora a nossa salvação está mais próxima do que quando cremos. A noite está quase acabando; o dia logo vem. Portanto, deixemos de lado as obras das trevas e revistamo-nos da armadura da luz.”

Essa perspectiva de convulsões e agravamentos que descrevemos acima e que está se desenhando não é algo que nos agrada. Mesmo como cristãos crentes na Bíblia, podemos cair em medo e temor. Por essa razão, nosso Senhor encorajou seus discípulos ao término do seu sermão escatológico em Lucas 21.28: “... ergam a cabeça, porque estará próxima a redenção de vocês”.

Johannes Pflaum integra a diretoria da Sociedade Bíblica Suíça e atua como conferencista e docente na área de ensino bíblico.

sumário Revista Chamada Agosto 2020

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