Israel: povo escolhido de Deus?

Na sociedade moderna, a alegação de que uma raça está acima da outra é chamada de racismo. Qual é a origem da crença do povo judeu de que eles são um povo escolhido e como ela está presente na Bíblia?

Existem poucos conceitos na religião que são mais emocionalmente carregados e incompreendidos do que a afirmação de que o povo judeu é o “povo escolhido de Deus”.[1] Em uma época em que a igualdade é uma questão tão importante, essa afirmação parece obsoleta e ofensiva. Como Jon Levenson observa: “Poucas doutrinas religiosas atraíram críticas mais virulentas do que a ideia do povo escolhido. Somente nos últimos séculos, judeus e não judeus julgaram esse princípio fundamental do judaísmo clássico como antidemocrático, chauvinista, supersticioso – enfim, retrógrado de todas as maneiras que importam para a mente progressista”.[2]

De fato, foi dito que essa ideia de “escolha” é a raiz do antissemitismo, e que gerou os Protocolos dos Sábios de Sião, uma notória falsificação originada na Rússia czarista alegando uma conspiração judaica para alcançar o domínio global. Além disso, aqueles que pedem paz no Oriente Médio veem esse conceito de escolha como inerentemente divisivo e prejudicial às tentativas de reconciliar as facções opostas no conflito. Para muitas religiões, esse é um conceito ultrapassado, referindo-se agora apenas a um relacionamento quebrado da aliança com Deus que foi substituído por revelações mais recentes. Como, então, devemos entender a reivindicação judaica de escolha no século 21?

Como a Palavra de Deus é eterna e não muda, ela é o único padrão seguro sobre o qual podemos compreender Israel, o povo judeu e o conflito no Oriente Médio – não importa o que digam as últimas opiniões culturais.

Segundo a revelação divina, Israel não escolheu para si o fardo de ser um povo escolhido. Tampouco a aplicação do termo pretendia despertar inimizade ou sugerir que os não escolhidos são inimigos de Deus. Antes, a intenção de Deus era produzir humildade e gerar um povo servo que o representasse diante do mundo, e, finalmente, seria o meio de abençoar todas as nações que vêm ao Deus de Israel através do Messias de Israel (Gn 12.3; Gl 3.8).

O Antigo Testamento explica o conceito de escolha e o país nacional (ou étnico) de Israel como povo escolhido. Ele fornece a base para Israel ser classificado com essa posição especial, bem como os propósitos para a escolha de Israel. Ao considerarmos o que o Antigo Testamento diz, podemos entender melhor o relacionamento especial de Israel com Deus e seu papel único no mundo.

O entendimento da escolha de Israel

Ao procurarmos entender a posição de Israel como povo escolhido, devemos primeiro considerar o ensino bíblico da eleição. Ao fazer isso, devemos considerar uma distinção teológica entre eleição individual e eleição nacional. A eleição individual se estende a qualquer pessoa e resulta na salvação desse indivíduo.[3] Por outro lado, a eleição nacional se refere apenas a Israel e não resulta em salvação espiritual (o que somente a eleição individual pode fazer) nem em libertação física de todos os membros da nação. Seu objetivo é garantir que o(s) propósito(s) de Deus para escolher a nação seja realizado e que a nação eleita sempre sobreviverá como uma entidade distinta. Esses propósitos incluem um remanescente eleito de Israel que obtém salvação nacional (Rm 11.25-27), experimenta restauração física em sua terra prometida (Ez 37.25-26) e realiza seu papel como uma bênção para as nações (Zc 8.23). Essa eleição nacional de Israel é a base para sua posição como povo escolhido.

A base incondicional da escolha de Israel

É um equívoco comum pensar que a escolha do povo judeu foi baseada em alguma virtude que possuía ou posição que alcançara. De fato, eles foram escolhidos por Deus antes de existirem como povo ou nação. As Escrituras revelam que Israel foi escolhido como nação no tempo de Abraão (ver Gn 12.2; 18.19) – antes do nascimento de seus filhos Isaque e Jacó (cujo nome foi mudado para Israel). Foi a escolha de Deus da semente dos patriarcas que os tornou o povo escolhido antes que esse povo ou nação existisse.

A natureza incondicional da eleição de Israel é enfatizada em Deuteronômio 4.37: “E porque amou os seus antepassados e escolheu a descendência [semente] deles, ele foi em pessoa tirá-los do Egito com o seu grande poder”. Neste versículo, Moisés declarou que a base da eleição de Israel era o amor de Deus por Abraão, Isaque e Jacó, com quem ele havia feito uma aliança, e escolheu seus descendentes com base nesse relacionamento da aliança.

Em Deuteronômio 7.6–8.1, Israel é declarado “um povo santo”, não por causa de qualquer justiça inata da parte deles, mas porque “YHWH, o seu Deus, os escolheu” (7.6).

A intenção de Deus era produzir humildade e gerar um povo servo que o representasse diante do mundo.

A escolha de Israel por Deus como um povo santo o diferencia de outras nações. Ele era a possessão de Deus “dentre todos os povos da face da terra” (7.6; cf. 26.18). Além disso, em Deuteronômio 7.7-8, Moisés disse que a base para a eleição de Israel não era devida ao seu tamanho (v. 7), pois era menor do que outras nações, mas porque Deus amava Israel e estabeleceu um relacionamento de aliança com seus antepassados (v. 8). Por causa desse relacionamento de aliança, Deus libertou Israel do Egito (Êx 3.6-10) e o colocou acima das outras nações (Dt 10.15). Como resultado, o povo de Israel foi obrigado a obedecer aos mandamentos de Deus (Êx 19.6) e a “circuncidar” o coração (Dt 10.16), que era um sinal espiritual de fé pessoal e salvação individual.[4]

O propósito singular da escolha de Israel

Embora Israel tenha sido escolhido com base no amor de Deus, havia vários propósitos para a eleição de Israel por Deus. Nós encontramos o propósito principal declarado no início da revelação de Deus no monte Sinai, em Êxodo 19.6: “Vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa”. Enquanto a posição de Israel como “uma nação santa” se baseava em sua eleição, o objetivo de sua eleição era ser “um reino de sacerdotes”. Embora Israel tivesse uma tribo sacerdotal (Levi), a nação deveria servir coletivamente como um sacerdócio. A função histórica de um sacerdote era representar o homem perante Deus. Portanto, assim como a tribo de Levi representava Israel diante de Deus, Israel deveria representar as nações gentias diante de Deus.

Outro propósito para a condição de escolhido de Israel era que ela (nação) pudesse ser a receptora e registradora da revelação de Deus. Foi por esse motivo que Israel recebeu a Lei Mosaica (Dt 4.5-8; 6.6-9; Rm 3.1-2). Ainda outro propósito para sua escolha foi o de servir como testemunha do único Deus verdadeiro. Em Isaías 43.10-12, lemos:

“Vocês são minhas testemunhas”, declara o YHWH, “e meu servo, a quem escolhi, para que vocês saibam e creiam em mim e entendam que eu sou Deus. Antes de mim nenhum deus se formou, nem haverá algum depois de mim. Eu, eu mesmo, sou o YHWH, e além de mim não há salvador algum. Eu revelei, salvei e anunciei; eu, e não um deus estrangeiro entre vocês. Vocês são testemunhas de que eu sou Deus”, declara o YHWH.[5]

É um equívoco comum pensar que a escolha do povo judeu foi baseada em alguma virtude que possuía ou posição que alcançara.

Nesta passagem, Israel foi escolhido para proclamar às nações gentias que YHWH, o Deus de Israel, é o único Deus e Salvador verdadeiro e, portanto, todos os que buscam a salvação devem encontrá-la exclusivamente nele.

Um objetivo final para a escolha de Israel era produzir uma linhagem para o Messias (Rm 9.5; Hb 2.16-17; 7.13-14). Ele nasceria da semente de Abraão e da linhagem de Davi (Mt 1.1), trazendo a salvação primeiro para Israel (At 3.26; Rm 1.16) e depois para as nações (At 13.47; Tt 2.11).

O programa incondicional da escolha de Israel

Assim como a escolha nacional de Israel tinha um propósito, havia também um programa divinamente projetado que apoiaria e perpetuaria as promessas feitas a ele como povo escolhido. Esse programa consiste nas quatro alianças bíblicas feitas por Deus a Abraão e seus descendentes depois dele. Essas alianças começam com a aliança abraâmica, a fonte das outras três alianças e a base sobre a qual o Messias veio para trazer redenção a Israel (Lc 1.54-55,68-73). As três promessas neste pacto de terra, descendência e bênção (Gn 12.1-3; 22.17) tornaram-se a base de três alianças separadas: a aliança da terra (Dt 30), a aliança davídica (2Sm 7) e a nova aliança (Jr 31–33).

Essas alianças eram incondicionais (“Eu [Deus] irei...”) e intermináveis (“para sempre”) e formam a base para a preservação de Deus do povo judeu ao longo do tempo, seu retorno à terra de Israel, o futuro governo do Messias e a futura restauração física de Israel e as bênçãos espirituais no reino de Deus. Devido ao pecado nacional do povo escolhido (idolatria e deserção de Deus – ver Is 30.1,9-14; 31.6-7), eles não experimentaram o cumprimento de todas as disposições prometidas nessas alianças – e aquelas que eles experimentaram foram temporárias. Essa falta de cumprimento fez com que algumas pessoas se perguntassem se a rejeição de Deus e seu Messias no passado de Israel cancelaram a posição de escolhido e os substituiu por um povo escolhido diferente (a igreja).

Ainda o povo escolhido

Alguns ficam confusos pelo fato de o povo judeu estar de posse parcial da Terra Prometida e ainda não estar em um relacionamento espiritual com Deus, de acordo com as condições estabelecidas nas alianças. Essa confusão é removida quando reconhecemos que os profetas falaram de dois retornos internacionais: o primeiro a se reunir em descrença em preparação para o julgamento (Ez 20.33-38; 22.17-22) durante a tribulação (Mt 24.15-21), que será seguido por um segundo reagrupamento de fé em preparação para as bênçãos da era messiânica (Is 11.11-12; Ez 36.22-24). A restauração do Estado judeu é um cumprimento das profecias que falavam de um reagrupamento na incredulidade, em preparação para o julgamento. O fato de as profecias estarem sendo cumpridas com o Estado moderno de Israel mostra que Israel continua como o povo escolhido de Deus.

As alianças bíblicas continham dois tipos de promessas: físicas e espirituais. As promessas físicas foram, e ainda são, limitadas a Israel e serão cumpridas apenas por Israel, que é um aspecto do povo escolhido. Outro aspecto da escolha é que as bênçãos espirituais dessas alianças seriam mediadas por Israel ao mundo gentio. Pela fé, os gentios podem se tornar participantes das bênçãos espirituais dos judeus, mas não assumir o controle, como ensina a teologia da substituição. Todos os benefícios espirituais agora estão sendo compartilhados pela igreja (composta por judeus e gentios), mas o cumprimento ainda futuro dessas alianças em relação a Israel indica que elas permanecem em operação hoje e Israel ainda é o povo escolhido.

Na análise final, apesar da atual disciplina de Israel e dos problemas colocados pelo conflito no Oriente Médio, Israel continua a ser o povo escolhido porque o mundo ainda não experimentou a paz, a prosperidade e a bênção internacionais que o povo judeu foi escolhido para trazer à humanidade (Is 2.2-4; 60.5-14; Zc 8.23).

Arnold G. Fruchtenbaum

Notas

  1. Essa declaração foi extraída e editada a partir da introdução do blog atualizado do rabino Alan Lurie, “What Does It Mean That the Jews are God’s Chosen People?”, HuffPost, 23 jan. 2014. Disponível em: <https://bit. ly/37Mms6J>.
  2. Jon D. Levenson, “Choseness and Its Enemies”, Commentary, dez. 2008. Disponível em: <https://bit.ly/32dphfW>.
  3. Essa ação ainda exigia que o indivíduo depositasse sua confiança pessoal na Pessoa (Deus) e na promessa de salvação (por meio do Messias).
  4. Embora a circuncisão da carne seja um sinal de pertencimento à nação eleita, a circuncisão do coração é um sinal de salvação individual.
  5. Tradução do autor para destacar o nome da aliança de Deus e seu significado revelado no termo “EU SOU” (ver Êx 3.14-15; 6.3).

Trecho extraído do livro O Que Devemos Pensar Sobre Israel?, organizado por J. Randall Price, disponível em loja.chamada.com.br

Arnold G. Fruchtenbaum é Ph. D. pela New York University e diretor-executivo do Ariel Ministries, localizado no Texas (EUA), onde atua como professor internacional e palestrante.

sumário Revista Chamada Julho 2020

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